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86 3.1.2 Parâmetros descritivos e características da população

1.2 REVISÃO DE LITERATURA

1.2.7 Consumo de café e dislipidemias

1.2.7.3 Associação do consumo de café com as dislipidemias e mecanismos de ação

Vários trabalhos publicados encontraram relação entre aumento dos níveis de lipídios séricos com a ingestão de café fervido não filtrado, que contém cafestol e kahweol (THELLE et al., 1983; FORDE et al., 1985; LACROIX et al., 1986; BAK & GROBBEE, 1989; TVERDAL et al., 1990; PIRICH et al., 1993; WEUSTEN-VAN DER WOUW et al., 1994; GRUNDY, 1995).

Algumas etapas do metabolismo dos lipídios podem ser afetadas pela ingestão dos diterpenos presentes na borra do café, como é o caso do aumento

41 dos níveis de colesterol plasmático verificado em alguns trabalhos (URGERT & KATAN, 1997; VAN TOL et al., 1997; ROOS et al., 2001), principalmente, quando a forma de preparo do café consumida é a fervida não filtrada (ZOCK et al., 1990; GROSS et al., 1997; URGERT & KATAN, 1997; VAN TOL et al., 1997; ROOS et

al., 2001).

O café fervido não filtrado da Escandinávia, o café Turco e o French press (cafetiére) contêm níveis elevados de cafestol e kahweol (6 - 12 mg/xícara), enquanto que o café filtrado, café percolado e café instantâneo contém níveis baixos desses diterpenos (0,2 – 0,6 mg/xícara). Apesar da quantidade de diterpenos ser alta no café expresso, a pequena quantidade que é servida o torna uma fonte intermediária (URGERT et al., 1995; GROSS et al., 1997).

Segundo Ahola et al., (1991), ao se coar o café com filtro de papel, os diterpenos ficam retidos, pois são partículas maiores que os orifícios presentes no filtro. Isso explica a associação dos tipos de preparo de café utilizados na Grécia, Turquia e Escandinávia com o aumento dos níveis de colesterol sérico, já que nesses países a bebida não é filtrada (ZOCK et al., 1990; AHOLA et al., 1991; GROSS et al., 1997; VAN TOL et al., 1997; URGERT & KATAN, 1997; ROOS et

al., 2001).

Um estudo realizado por Urgert & Katan (1997), mostra que o consumo de cinco xícaras de café fervido não filtrado, como o da Escandinávia, pode elevar o colesterol em 18,2 mg/dL (ou 0,47 mmol/L). Nessa mesma quantidade de ingestão de café, porém do tipo Turco, tem–se um aumento do colesterol sérico de 12,4 mg/dL (ou 0,32 mmol/L). Quanto aos níveis de triacilgliceróis, a ingestão de 10 mg de cafestol parece contribuir para a elevação de 7,3 mg/dL, sendo que

42 esse efeito tende a diminuir com a ingestão crônica (não foram dadas explicações sobre esse achado no artigo) (URGERT & KATAN, 1997).

Dentre os estudos que buscaram identificar os possíveis mecanismos desencadeadores desse efeito, verifica-se o de Van Tol et al., (1997), que sugere que o cafestol, quando administrado isoladamente, aumenta a atividade da proteína transportadora de colesterol (CETP) e da proteína fosfolipídica de transporte (PLTP), enquanto que o kahweol não apresentou efeitos adicionais significativos. Já a mistura de ambos promoveu a redução da atividade da lecitina- colesterol acil-transferase (LCAT). Esse aumento verificado nas atividades da CETP e PLTP, e diminuição da ação da LCAT favorecem o aumento do tempo de residência do colesterol circulante no organismo.

Em outro estudo realizado por Roos et al., (2001), foi demonstrado que o cafestol aumenta de forma significativa o nível de secreção de partículas VLDL1

na circulação sanguínea devido ao maior agrupamento dos lipídios com as apoB dentro das células do fígado. Isso pode ser explicado por dois mecanismos: a) aumento da ação da proteína de transferência microssomal de triacilglicerol (MTP); ou b) maior disponibilidade de triacilglicerol no fígado, devido ao aumento de sua síntese ou diminuição da -oxidação dos ácidos graxos.

Esses autores também verificaram que a ingestão de cafestol levou ao enriquecimento das partículas VLDL2 com ésteres de colesterol. Acredita-se que

essas partículas se convertam rapidamente em LDL-colesterol, quando comparadas às VLDL1, podendo ser um dos mecanismos que levam ao aumento

de colesterol com o consumo de café fervido.

Além disso, alguns autores verificaram diminuição dos níveis de HDL-c em consumidores de café (THELLE et al., 1983; SESSO et al., 1999), o que

43 representa importante fator de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares (POULTER, 2003; OKAMURA, 2010; VILLALPANDO et al., 2010). Por outro lado, alguns estudos não encontraram relação do consumo de café com o risco de desenvolvimento de doenças coronarianas e infarto do miocárdio (WILLET et al., 1996; SESSO et al., 1999; REIS et al., 2010) e outro sugere que houve uma leve redução no risco de mortalidade por doença coronariana em consumidores moderados de café (KONING GANS et al., 2010). Além disso, Sugiyama et al., (2010), encontrou forte associação inversa entre o consumo de café e mortalidade por doença coronariana nas mulheres estudadas. No entanto, alguns trabalhos vêm sugerindo que o consumo de café filtrado também pode estar relacionado com a elevação dos níveis de colesterol (FRIED

et al.,1992; MIYAKE et al., 1999; CHRISTENSEN et al., 2001). Fried et al., (1992), visando determinar os efeitos do consumo de café filtrado nos níveis de colesterol, verificaram que o consumo de 720 mL/dia pode levar a um aumento significativo nos níveis de colesterol plasmático, quando comparados a não consumidores de café.

Ainda, Miyake et al., (1999), demonstraram, em estudo transversal, que o consumo de café instantâneo está fortemente associado com níveis elevados de LDL colesterol, sendo controlados índice de massa corporal (IMC), tabagismo, etilismo e consumo de chá. Em contra partida, a ingestão de café fervido e filtrado (tipo infusão) não apresentou relação com os níveis de lipídios séricos, nem com as lipoproteínas no grupo de oficiais japoneses do sexo masculino estudados.

Os resultados encontrados nesses dois estudos podem ser atribuídos à existência de substâncias presentes no café instantâneo, ainda não identificadas, que tenham produzido esse efeito; ou falta de controle para alguma variável de

44 confundimento, como obesidade, por exemplo (FRIED et al.,1992; MIYAKE et al., 1999); ou até mesmo o fato de terem sido populações com características diferentes quanto a estilo de vida e hábitos alimentares. Isso reflete a necessidade de realização de mais estudos, visando o conhecimento das implicações do consumo de café em diferentes grupos populacionais.