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Associativismo ginástico nas comunidades alemãs no Brasil

A vida associativa dos teuto-brasileiros é um aspecto constantemente apontado nas pesquisas sobre imigração alemã. Willems, por exemplo, afirma em seu clássico estudo intitulado A aculturação dos alemães no Brasil, que

à primeira vista, parece ser na esfera recreativa da vida dos teuto-brasileiros que as influências da cultura originária persistem em maior número e com maior tenacidade. […]

Em todas as áreas homogêneas de colonização alemã, difundiram-se, amplamente, clubes de boliche, de ginástica, de montaria, de baralho, de canto orfeônico, de tiro ao alvo, círculos femininos e associações teatrais. (WILLEMS, 1980, p.403)

O associativismo é uma característica comumente apontada por estes estudos como um aspecto característico das regiões de colonização germânica, sendo, muitas vezes, considerado até como um “fenômeno natural”. Erneldo Schallenberger (2009, p.207) problematiza essa naturalização ao afirmar que “o associativismo entre os teuto-brasileiros adquiriu forma e expressão na complexa formação urbana entre os intelectuais e os segmentos vinculados ao comércio e à indústria”. Isto significa que o associativismo teuto-brasileiro se desenvolveu a partir do momento em que uma elite intelectual começou a se formar entre os imigrantes alemães nos meios urbanos.

As primeiras tentativas de organização de uma associação por parte destes imigrantes, segundo Seyferth (1999; 2000), datam de 182140, ano de fundação da Gesellschaft

Germania na cidade do Rio de Janeiro. Fundada por 30 imigrantes residentes na então capital

brasileira, a Germania congregava principalmente comerciantes e representantes diplomáticos de origem germânica, bem como de outros países. Segundo a autora,

40 Precedem, portanto, o próprio movimento migratório sistemático, uma vez que as primeiras levas de alemães começam a chegar ao Brasil em 1824, ano que se tornou o marco da imigração germânica em nosso país.

a lista de 30 fundadores é significativa porque revela, em primeiro lugar, uma certa solidariedade entre os europeus minoritários residentes ou de passagem pela cidade. […] em segundo lugar, aparece uma forma de solidariedade étnica que anula a subdivisão pela cidadania de origem. […] todos, inclusive os de procedência desconhecida, são identificados pela língua e cultura comuns, os dois elementos primordialistas acionados pelo nacionalismo romântico alemão como fundamentos da ideia de nação. O perfil de Verein — isto é, associação vinculada a Deutschtum (germanismo, germanidade) — seria reforçado alguns anos depois, em 1828, por um dispositivo estatutário que exigia que pelo menos 2/3 dos sócios deviam ser falantes do idioma alemão. (SEYFERTH, 2000, p.13)

O que se vê na Gesellschaft Germania do Rio de Janeiro, portanto, é a presença muito precoce de características que podem ser observadas nas outras sociedades que viriam a ser fundadas pelos teuto-brasileiros ao longo do século XIX e no primeiro terço do século XX. Além disso, ela nos permite problematizar o papel da chamada “geração de 48”41 como precursora do associativismo, mostrando que, embora ela tenha desempenhado um importante papel no desenvolvimento das associações, não foi o elemento determinante. Conforme aponta Frederick Luebke (1987, p.47), “sociedades foram criadas onde quer que teuto-brasileiros fossem numerosos o suficiente para organizá-las e mantê-las”. O que se percebe nos estudos sobre a imigração que se dedicam ao associativismo é que este movimento esteve muito mais ligado a condições de desenvolvimento urbano, tendo se desenvolvido inicialmente em áreas citadinas para, depois, aparecerem também em áreas coloniais de características mais rurais.

São numerosas as finalidades das associações fundadas pelos teuto-brasileiros. Sociedades que reuniam comerciantes, como a Germania do Rio de Janeiro, apareceram também, inclusive com o mesmo nome, em outras áreas de colonização germânica. Entre as primeiras associações fundadas pelos imigrantes em suas comunidades, encontramos as beneficentes (Hilfsvereine), que atuavam como instituições de caridade nas comunidades teuto- brasileiras, e a escolares (Schulvereine), frequentemente ligadas a comunidades religiosas católicas ou luteranas. Entretanto, segundo Seyferth (1999), eram as associações identificadas como recreativas que predominavam numericamente nas áreas de colonização alemã, destacando-se neste grupo as sociedades de cantores (Sängervereine), de atiradores (Schützenvereine) e de ginastas (Turnvereine).

41 A “geração de 48” é a denominação utilizada para se referir ao grupo de imigrantes que começa a chegar a partir de meados do século XIX, composta por indivíduos com significativo envolvimento político, inclusive nos levantes populares de 1848.

Se na Alemanha estes três grupos estiveram intimamente ligados aos movimentos políticos e às lutas pela unificação dos estados germânicos, no Brasil as associações por eles fundadas se constituíram como importantes locais de preservação e difusão da germanidade, o que leva Seyferth a afirmar que os papéis desempenhados por estas instituições ultrapassam o âmbito dos divertimentos. Neste sentido, Willems (1981, p.405) aponta que nestas associações aliou-se à recreação uma segunda função: a de perpetuação da cultura germânica e de compensação do isolamento a que muitas dessas comunidades estavam submetidas.

Olhando especificamente para a questão da ginástica, observa-se que as primeiras sociedades voltadas para sua prática são fundadas em Joinville, em 1858, e no Rio de Janeiro, em 1859. Se por um lado a sociedade joinvillense mantém-se em atividade até hoje, por outro, o clube carioca encerrou suas atividades ainda no século XIX, deixando escassos vestígios de sua existência, como alguns relatos publicados no Deutsche Turnzeitung e um bloco de pedra que os ginastas extraíram do Pão de Açúcar durante expedição realizada em 1862 e que fora enviado para a Alemanha como uma contribuição para a construção da base do monumento em homenagem a Jahn, na Hasenheide, em Berlim.

Figura 1 Monumento a Jahn (Volkspark Hasenheide, Berlim)

Figura 2 Detalhe da base do "Monumento a

Jahn" — contribuições de Turnvereine norte- americana, brasileira e alemãs (Volkspark

Hasenheide, Berlim)

Fonte: Acervo pessoal

Figura 3 Detalhe do bloco de pedra enviado

pela Turnverein Rio de Janeiro (Volkspark

Hasenheide, Berlim)

Fonte: Acervo pessoal

Até a década de 1870 foram fundadas apenas mais duas sociedades ginásticas alemãs no Brasil, ambas no Sul: a Deutscher Turnverein Porto Alegre, em 1867, que viria a constituir a Turnerbund Porto Alegre (1892), e a Turnverein Blumenau, em 1873. É somente a partir da década de 1880, e principalmente na década de 1890, que podemos observar um impulso no associativismo ginástico teuto-brasileiro.

Conforme levantamento realizado por Lothar Wieser (1990), até o início da Primeira Guerra Mundial foram fundadas no Brasil 55 sociedades ginásticas nas regiões Sul e Sudeste do país. Apesar das pressões sofridas por estas instituições durante o período de guerra, este número pouco se altera. Em 1932, segundo levantamento realizado pela Turnerbund Porto

Alegre, estas regiões contavam com um total de 57 sociedades ginásticas teuto-brasileiras em

funcionamento, das quais 22 se localizavam no Rio Grande do Sul e 20 em Santa Catarina. Cruzando os dados coletados por Wieser e aqueles do levantamento realizado pela Turnerbund, é possível estimar que 76 sociedades ginásticas teuto-brasileiras foram fundadas no período compreendido entre os anos de 1858 (data de fundação da primeira Turnverein teuto-brasileira) e 1938, quando as instituições étnicas foram obrigadas a se nacionalizarem.

Wieser (1990), ao estudar o desenvolvimento das Turnvereine no Brasil, identifica duas fases. A primeira, chamada de “período de isolação”, compreende os anos de 1858 ao início da década de 1880 que, como já mencionado, apresentou a fundação das quatro primeiras sociedades ginásticas teuto-brasileiras. A segunda fase por ele identificada é o chamado “período de organização suprarregional”, caracterizada pela fundação da Turnerschaft von Rio

ginásticas rio-grandenses e catarinenses e eram responsáveis, por exemplo, pela organização de festas ginásticas coletivas e de encontros de formação de instrutores de ginástica.

Se seguirmos o esforço de Wieser de periodizar o desenvolvimento do associativismo ginástico teuto-brasileiro, seria possível identificar, ainda, uma terceira fase, compreendida entre as décadas de 1920 e 1930, marcada pela retomada e ampliação das atividades desenvolvidas pelas sociedades ginásticas, por um aumento na comunicação entre elas e pelo desenvolvimento do que poderíamos chamar de uma “imprensa ginástica” teuto- brasileira, constituída pelo advento da produção de periódicos específicos destes clubes. Exceto pela Turnerbund, que começou a publicar sua revista informativa em 1915, a Turn- umd

Sportverein Rio de Janeiro, a Turnerschaft von 1890 in São Paulo, a Leopoldenser Turnverein

e a Teuto-Brasilianischer Turnverein Curityba passam a produzir no final da década de 1920 periódicos próprios que circulavam não apenas no âmbito de seus clubes, mas também eram enviados para outras sociedades ginásticas. Esta maior comunicação entre as associações possibilitou, também, a formação de novas organizações suprarregionais e mesmo a tentativa de formação de uma entidade congregando Turnvereine brasileiras, argentinas e chilenas.

Quadro 5 Levantamento realizado pela Turnerschaft von Rio Grande do Sul em 1932

Associação Local Membros pagantes* R io G ran de do S ul

Turnerbund Porto Alegre Porto Alegre 1118 Leopoldenser Turnverein São Leopoldo 300 Turnverein Novo Hamburgo Novo Hamburgo 500 Turnverein Hamburgo Velho Hamburgo Velho 220 Turnverein Montenegro Montenegro 131

Turnverein Cahy Cahy 126

Turnverein Estrella Estrella 230 Lageandenser Turnverein Jahn Lageado 150 Turnverein Navegantes São João Porto Alegre 120 Turnverein Santa Cruz Santa Cruz 600 Turnabteilung des Schützenvereins Eintracht Cachoeira 150 Turnabteilung des Gemeinnützigen Vereins Sta. Maria B. do Monte 100 Turnverein Cruz Alta Cruz Alta 20 Turner- und Sängerbund Ijuhy 300 Turnverein Cadeado Cafeado via Ijuhy 70 Turnverein Gut Heil Novo Württemberg 62 Turnverein General Osorio General Osorio via Cruz Alta 60 Turngruppe Santa Rosa Santa Rosa de Burrica 30 Turnabteilung des Deutschen Club Santo Angelo Santo Angelo de Missões 30 Turnabteilung des Deutschen Geselligkeitsverein Irahy via Palmeira 60 Pelotenser Turnerschaft 30 Turnverein Canella Canella-Taquara 40

Sant

a C

at

ar

ina

Deutscher Turnverein Jahn Ouro Verde, M. Canoinhas 89 Sportclub Germania Jaraguá 180 Turnverein Gut Heil Altona Blumeanu-Altona 100 Turnverein Blumenau Blumenau 350 Turnverein Brusque Brusque 200 Turnverein Indayal Indayal 150 Turnverein Encano Encano 100 Turnverein Barro do Rio Barra do Rio 50 Turnverein Pomeranos Pomeranos, Brusque - Turnabteilung des Männer-Gensagverein Garcia

I Garcia I -

Turnverein Taquara Taquara-Hansa 20 Turnverein Neu Berlin Neu Berlin-Hansa 20 Turnverein Neu Bremen Neu Bremen-Hansa 20 Turnverein Neu Breslau Neu Breslau-Hansa 20 Turnverein Uru-Hansa Uru-Hansa - Turnverein Trombudo Trombudo Central, Mun. Rio do

Sul – Blumenau 20 Turnverein Joinville Joinville 250 Turn- und Sportverein São Bento São Bento 50 Deutscher Turnverein Rio Povoamento, Correio

Annitapolis 68 Turnverein Frischauf Indayal Indayal -

Par

an

á

Teuto-Brasilianischer Turnverein Curityba 700 Turnersektion des

Handwerkerunterstützungsvereins Curityba - Turnverein Foz do Iguassú Foz do Iguassú 40 Deutscher Turnverein Rio Negro Rio Negro 100 Turnabteilung des Unterstützungsverein

Germania Ponta Grossa 34

Turnverein Serra Negra Serra Negra, Municipio

Quaratessaba 20

São Pau

lo

Deutscher Turnverein São Paulo São Paulo 250 Turnerschaft von 1890 – São Paulo São Paulo 660 Deutsche Turnergruppe Campinas Campinas 164 Turnverein Villa Capuava Villa Capuava 50 Turnverein Rio Claro Rio Claro 50 Turnverein Nova Europa Nova Europa 30

RJ

Turnverein Petrópolis Petrópolis 100 Turnabteilung des Schul- u. Kirchenverein Novo

Friburgo Novo Friburgo 150 Turn- und Sportverein Rio de Janeiro Rio de Janeiro 250

* Nem todas as categorias de associados das Turnvereine eram obrigadas a pagar as mensalidades. O dado dos membros contribuintes, trazido pelo levantamento de 1932, ainda que parcial, nos permite ter uma noção do tamanho destas associações. Há de se lembrar, também, que o levantamento não é completo, pois nem todas as

1.5 Tentativas de integração das Turnvereine teuto-brasileiras: as organizações