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Capítulo III Atenção

3.1 Atenção: conceito e características

Desde longos anos a esta parte o processo cognitivo atenção tem vindo a ser alvo de considerável interesse em diferentes disciplinas científicas, de entre as quais a Psicologia. A sua definição não é consensual, porém, a generalidade das pessoas sabem o que é a atenção (Anderson, 2000; Lund, 2001), pelo menos a um nível intuitivo e sumário. Já no contexto da Psicologia, não só não existe acordo entre os investigadores sobre o conceito de atenção, como as tentativas propostas nem sempre são conciliáveis. As definições que têm vindo a ser sugeridas representam, habitualmente, uma extensão das ideias e modelos de cada um dos preconizadores (Johnson & Proctor, 2004).

Em termos pragmáticos, a atenção permite dirigir os recursos mentais da pessoa sobre o que é mais relevante no meio envolvente, bem como permite o processamento de estímulos internos (Lang, Simons, & Balaban, 1997). Na ausência desta função, o envolvimento em tarefas voluntárias está prejudicado (Bilbao, 2003), o que reforça a ideia de que a atenção constitui uma das funções básicas do sistema cognitivo (Bartolomé, Fernández, & Ajamil, 2001). Pode ser entendida como um mecanismo central de controlo que permite regular um conjunto de funções, inibir informação desnecessária e intervir no processamento de informação (Bartolomé, 2005). As funções atencionais possibilitam a cada sujeito obter um determinado nível de ativação cerebral e, consequentemente executar uma tarefa, selecionar a informação relevante, bem como proceder à codificação da informação. Por isto, são fundamentais para a aprendizagem e memória (Levitt & Johnstone, 2001). Como se pode depreender, a atenção encontra-se interligada com outros processos básicos, existindo processos cognitivos que se associam de forma mais direta com a atenção do que outros, dos quais são exemplo a perceção e a memória. No seguimento desta ideia, o autor Rosselló i Mir (1998) chega mesmo a referir que entre a atenção e a perceção existe uma simbiose, não fosse o facto do estudo científico da atenção ter surgido ligado ao estudo da perceção auditiva. O mesmo sucede no binómio atenção e memória, em que consideravelmente grande parte dos pioneiros dos modelos atencionais foram também os pioneiros do estudo da memória.

A acrescentar a este facto refira-se os inúmeros artigos científicos e livros que abordam ambos os processos cognitivos de forma paralela (Broadbent, 1954, 1957; Norman, 1968; Underwood, 1976). Vários estudos sugerem que a atenção associa-se de forma positiva à inteligência geral (Lawson & Ruff, 2004), aprendizagem, competências de socialização e uso de estratégias de coping ajustadas a situações de frustração (Mischel & Ebbesen, 1970; Mischel, Shoda, & Peake, 1988). Existem ainda estudos que evidenciam a sua importância no

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âmbito da modulação do afeto negativo, frequência de sorrisos e sentimento de prazer (Matheny, Riese, & Wilson, 1985), motivação, linguagem, entre outros.

A atenção é, deveras, um mecanismo cognitivo bastante complexo, capaz de influenciar sistemas sensoriais, sistemas cognitivos e sistemas motores, ou seja, é determinante nos sistemas responsáveis pelo controlo da informação do mundo exterior, da memória e da execução de comportamentos. É neste sentido que Munar, Rosselló e Sánchez-Cabaco (2001) referem que a atenção pode entender-se como um mecanismo cognitivo mediante o qual se exerce o controlo voluntário sobre a atividade percetiva, cognitiva e comportamental, bem como ativa, inibe ou organiza as várias operações mentais exigidas para alcançar o objetivo proposto. Tudela, autor espanhol muito conceituado no estudo da atenção define a mesma como “un mecanismo central de capacidad limitada cuya función primordial es controlar y orientar la actividad consciente del organismo de acuerdo com un objetivo determinado” (Tudela, 1992, In Rosselló i Mir, 1998, p.23). Na sua perspetiva, a atenção deve ser definida como um mecanismo de controlo que promove a regulação e direção dos mecanismos incumbidos do processamento da informação. Preferencialmente, adota o conceito de mecanismo e não de processo atencional, a que atribui a responsabilidade da organização hierárquica dos processos implicados no tratamento e elaboração da informação que chega ao sujeito.

Quando se aborda a temática das características da atenção, rapidamente se é remetido para o seu carácter multifatorial. Já em 1907 o autor Thorndike fazia alusão à multiplicidade de sentidos do termo atenção. Identificar uma classificação única da atenção é uma tarefa quase inexequível dado que existem vários critérios para classificar os diferentes tipos de atenção existentes. A este propósito, Sevilla (1997) sugere que a atenção pode ser classificada de diferentes formas desde os mecanismos envolvidos, o foco da atenção, a modalidade sensorial entre outros critérios de classificação, como se pode observar na Tabela 8.

Tabela 8

Classificação e Tipos de Atenção

Critérios de Classificação da Atenção Tipos de Atenção

Mecanismos implicados Seletiva, Dividida e Mantida Objeto para o qual está dirigida a atenção Externa/Interna

Modalidade sensorial implicada Visual, Auditiva, Táctil Amplitude/intensidade com que se presta atenção Global/Seletiva Amplitude e controlo que se exerce Concentrada/Dispersa Manifestações dos processos atencionais Aberta/Encoberta Grau de controlo Voluntária/Involuntária Grau de processamento da informação não

atendida

Consciente/Inconsciente

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Por exemplo, quanto aos mecanismos implicados, a atenção pode ser perspetivada como seletiva, dividida ou mantida, enquanto a modalidade sensorial pode ser visual, auditiva ou táctil. O foco da atenção pode ser dirigido para estímulos externos ou internos, e o controlo da atenção pode ser voluntário ou involuntário.

No quotidiano, verifica-se que em algumas situações, a atenção dos sujeitos é orientada para uma estimulação concreta na medida em que dessa situação se deseja retirar algo pois decorre de uma expectativa ou objeto dirigido; noutras situações, a atenção é dirigida de acordo com as características do estímulo (Posner, 1980). Esta ideia partilha similitudes com a dicotomia apresentada por William James quanto ao grau de controlo da atenção. O autor refere-se a atenção involuntária ou passiva quando a atenção de um indivíduo é captada automaticamente, de maneira reflexa, a partir de estímulos com características específicas. Este tipo de atenção está intimamente ligado à reação de orientação na qual o indivíduo move os olhos e a cabeça em direção ao estímulo de modo a permitir condições de processamento (Hazeltine, Grafton, & Ivry,1997).

Deste modo, é percetível que existem certas características de alguns estímulos que captam, de forma automática, o interesse do indivíduo. Segundo a literatura científica, as propriedades mais relevantes são o tamanho, a posição, a cor, o movimento, a novidade, o aparecimento abrupto, a repetição, a intensidade e a complexidade dos estímulos (Escera, 1997; Lima, 2005). Em oposição à atenção involuntária, a atenção voluntária envolve a seleção deliberada de uma determinada atividade, ou seja, está diretamente implicada nas motivações, interesses e expectativas do sujeito (Davidoff, 1983). É mediada pelo processamento controlado das informações, no qual os efeitos facilitadores da tarefa desempenhada são acompanhados pelos efeitos inibidores sobre as atividades concorrentes (Best, 2001). Deste modo, se uma determinada modalidade sensorial está implicada numa tarefa que requer atenção, outras modalidades podem ficar inibidas, como por exemplo, numa tarefa de leitura não prestar atenção aos sons em redor (Bear, Connors, & Paradiso, 2008).

Em síntese, no processo de orientação atencional concorrem não só fatores extrínsecos dos estímulos como também as motivações e expectativas do sujeito. Porém, Rosselló (1998) alude para o facto de ser impensável uma segregação dicotómica entre estímulos de cariz intrínseca e extrínseca. Segundo o mesmo autor, o valor das propriedades dos estímulos de origem externa pode ser modulado por fatores cognitivos e motivacionais, e estes, por sua vez, serem mais ou menos regulados pelos primeiros, sendo a relação entre ambos uma espécie de simbiose (Rosselló i Mir, 1998). Embora a orientação da atenção possa coincidir abertamente com a dos recetores sensoriais, não depende exclusivamente dos mesmos. Quer a orientação da atenção seja motivada pelos objetivos da pessoa, quer ocorra devido às características dos estímulos, é ponto assente que a orientação da atenção para um estímulo concreto favorece o processamento da informação do estímulo em questão.

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Dos vários critérios de classificação presentes na Tabela 8, a categorização da atenção como seletiva, dividida e mantida é a mais frequente na literatura científica. A capacidade de responder prontamente a uma exigência aponta para a característica da intensidade da atenção, ao passo que a sua continuidade alude para a capacidade de manutenção da atenção (Chun, Golomb, & Turk-Browne, 2011). A capacidade de ignorar estímulos irrelevantes e efetuar um processamento eficiente da informação refere-se à característica seletiva da atenção e, em termos experimentais, recorre-se frequentemente aos paradigmas que investigam o processamento diferencial de fontes simultâneas de informação, sejam elas internas ou externas (Duncan, 1984; Lavie, 2005; Lavie, Hirst, de Fockert, & Viding, 2004). Já o estudo da atenção dividida centra-se nos recursos, capacidade ou esforço mental, e tem subjacente a ideia de que, normalmente, uma das informações é mediada pelo processamento automático e outra pelo processamento controlado (Miller, 1982).

A atenção pode medir-se utilizando técnicas distintas, dado que as manifestações são também variadas, podendo ir desde atividade psicofisiológica, motora à cognitiva (Sevilla, 1997). Na Tabela 9 identificam-se algumas dessas técnicas, agrupadas pelo tipo de atividade medida. São exemplo de técnicas para avaliar a atividade psicofisiológica o eletroencefalograma, os potenciais evocados, a atividade eletrodérmica, a eletromiografia, a pupilometria e ainda as técnicas de neuroimagem. A atividade cognitiva utiliza como indicadores o tempo de reação, a precisão da resposta, a duração e a taxa de resposta.

Tabela 9

Exemplos de Técnicas Psicofisiológicas, Motoras e Cognitivas de Avaliação da Atenção

Nota. Adaptado de “Psicología de la atención”, por J.G. Sevilla, 1997, Síntesis Psicología.