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A questão do atendimento às crianças deficientes sempre foi tratada no Brasil, tanto na área governamental como na não governamental (MEC, 1994), embora ela só tenha sido incluída na política educacional brasileira no século XX. MAZZOTTA (1996) analisa o atendimento às pessoas deficientes dividindo- o em dois períodos: o primeiro, de 1854 a 1956, e o segundo, de 1957 a 1993. O atendimento às pessoas deficientes mentais inicia em 1874, em um hospital da cidade de Salvador, Bahia, caracterizando-se por assistência médica e não educacional. Neste primeiro período (1854 a 1956), foram criadas várias instituições e escolas de atendimento aos deficientes mentais. Até 1950, existiam quarenta estabelecimentos públicos de ensino que ofereciam algum tipo de atendimento escolar especial; destes, quatorze prestavam também atendimentos a alunos com outros tipos de deficiências.

O segundo período (1957 a 1993) é marcado por iniciativas de atendimento aos deficientes, por parte do Governo Federal, que promoveu uma série de campanhas destinadas a este fim. A primeira delas foi a Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro - CESB, seguida da Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais -CADEME, instituída em 1960. A CADEME, durante onze anos, estimulou e promoveu ações destinadas à educação, treinamento e reabilitação das pessoas com deficiência mental.

Na década de 70, foi criado o CENESP -Centro Nacional de Educação Especial, cuja finalidade era a de "promover, em todo o território nacional, a expansão e melhoria do atendimento aos excepcionais" (Mazzotta, 1996, p. 55), sendo então extinta a CADEME. Assim, vários órgãos foram criados e extintos e,

somente em 1992, foi criada a Secretaria de Educação Especial (SEESP), a qual faz parte do Ministério da Educação. Sua atribuição é "coordenar a elaboração da Política de Educação Especial do país; estimular, supervisionar e fomentar sua implantação; e assistir técnica e financeiramente sua implementação" (MEC, 1994, p. 16). Portanto, o atendimento especializado, regulamentado e público às crianças deficientes passou por um processo longo e de conquistas gradativas.

O atendimento a estas crianças, na esfera estadual, fica a cargo das Secretarias de Educação, cuja função é coordenar a política educacional local, levando em consideração as características regionais e de seus alunos. Das 27 Secretarias Estaduais de Educação, 25 possuem atendimento especializado não somente para pessoas deficientes mentais, mas também para aqueles que possuem condutas típicas (síndrome do autismo e psicoses infantis) e altas habilidades (superdotação). Já o atendimento na esfera municipal é mais precário, atingindo apenas 45% do total dos municípios brasileiros. Este fato se deve, em parte, ao "desconhecimento dos governantes, agravado pelos baixos níveis de conscientização da comunidade e, ainda, pelo alto custo e complexidade de que se reveste a educação especial" (MEC, 1994, p. 17). Assim, dada a necessidade deste tipo de atendimento, entendemos ser de fundamental importância mais investimentos nessa área, atingindo mais estados e municípios brasileiros.

Considerando que, na maioria das cidades brasileiras, as crianças deficientes ficam sem atendimento durante os seus primeiros anos de vida, a família passa a exercer um papel fundamental, na medida em que propicia o crescimento e desenvolvimento dessas crianças através de um ambiente estimulador e de interações e relações saudáveis. Segundo Kreppner (1992), a família exerce este papel, principalmente, por meio de sua rede de relações sociais.

A família constitui o primeiro universo de relações sociais da criança e "...representa, talvez, a forma de relação mais complexa e de ação mais profunda sobre a personalidade humana, dada a enorme carga emocional das

relações entre seus membros" (Rey & Martinez, 1989, p. 143). A complexa rede de relações familiares apresenta características específicas de unicidade e complexidade, constituindo um contexto em desenvolvimento (Kreppner, 1992). Portanto, essa gama de interações e relações desenvolvidas no micro-universo da família mostra que o desenvolvimento do indivíduo não pode ser isolado do desenvolvimento da família (Dessen & Lewis, 1998).

Conforme já mencionado o nascimento de um bebê é considerado um momento de transição no desenvolvimento da família, em que os relacionamentos entre seus membros são alterados, devendo os genitores se adequar ao seu novo papel (Dessen, 1997; Kreppner, 1989, 1992). Em se tratando do nascimento de uma criança com deficiência, o momento é de grande impacto para o casal, causando uma desestruturação e interrupção (em alguns casos, de forma traumática) na estabilidade familiar (Brito & Dessen, 1999). São inúmeras as dificuldades enfrentadas pelas famílias. Por exemplo, os genitores experienciam diversos sentimentos em relação ao seu bebê com deficiência tais como raiva, rejeição, revolta, culpa etc.. Glidden & Floyd (1997) e Negrin & Cristante (1996) concluíram que as mães de crianças com deficiência apresentam uma maior tendência à depressão do que os pais, o que sugere que estes não experienciam a depressão ou a experienciam de forma mais branda do que as mães. A superação desses sentimentos constitui um fator preponderante para a adaptação e bem-estar da família enquanto grupo que busca de alguma forma, uma reorganização, na qual tenta incluir a criança deficiente mental como um membro pertencente àquele grupo (Taveira, 1995). Nesta fase, é fundamental o apoio mútuo entre o casal, para que a aceitação e integração da criança ocorram de modo mais fácil e saudável (Casarin, 1999).

A família mediante sua função socializadora, é espaço indispensável e salutar para a garantia da sobrevivência do desenvolvimento das estruturas psíquicas, compreendendo toda a multiplicidade de seus aspectos internos determinados historicamente através da diversidade de condições sociais, econômicas, éticas e culturais.

Sabe-se que a convivência em família deve ser uma experiência de cuidados mútuos, devido a tal grupo de pessoas, com personalidades diversas, onde se unem no primeiro momento por razões consangüíneas e/ou razões afetivas, objetivando um projeto de vida em comum, compartilhado e experienciado a cada dia. Nessa perspectiva, mediante trocas afetivas no meio familiar, que serão registradas marcas e vínculos que seus integrantes carregaram por toda a vida.

A família passa a ter maior visibilidade na área de saúde mental a partir dos anos 1980, através do processo de redemocratização da nação e devido ao movimento de reforma psiquiátrica. Por conseguinte a partir dos anos 1990 fica indiscutível a participação de forma mais efetiva e dinâmica das famílias nesse âmbito.

No tocante a relação da família com o deficiente mental, o primeiro momento é árduo e complexo, pois a ciência e a aceitação da doença desencadeiam na mesma um processo simultâneo de culpa e medo, tornando- se um ponto dificultador no tratamento, gerando consequentemente ansiedade e desgaste na relação intrafamiliar. Faz-se apropriado destacar o posicionamento de Coheni quando afirma que “frequentemente a deficiência mental surge com um evento imprevisto, que impacta, produz um resultado na organização do grupo doméstico”.

Percebe-se que a própria invisibilidade da deficiência ocasiona diversos questionamentos e dúvidas acerca do transtorno, causas e conseqüências concomitantes a expectativas do tratamento. Contudo, sabe-se que maioria das famílias não estão devidamente aptas para lidar com a pessoa com deficiência, pois é fato que na sociedade atual o diferente acaba tornando- se alvo de “preconceito” sendo perceptível que continua freqüente a rejeição dentro e fora do contexto familiar.

Enfatiza-se que a família exerce um papel fundamental junto a criança, devendo proporcionar toda a proteção, acolhimento, bem como aportes afetivos e cuidados distintos. Concernente à concepção conceitual do papel da família Rosa (2003) enfatiza quando diz: “o grupo familiar deve exercer a

condição de parceria e co-responsável nos projetos terapêuticos dos Serviços de Saúde Mental”.

Diante do exposto observa-se, que desde a sociedade primitiva até a contemporaneidade que a influência da família é edificante e fundamental para seus integrantes, principalmente para a pessoa com deficiência mental, seus cuidadores proporcionando toda a proteção, cuidados especiais e um bom desenvolvimento das estruturas psicossociais.

No espaço onde aguçou nossa curiosidade a respeito da temática pudemos observar que o perfil dos familiares dos usuários investigados é constituído em sua grande maioria por pessoas do sexo feminino, possuindo faixa etária que varia entre 51 e 70 anos, configurando famílias conjugais. No tocante à escolaridade, os entrevistados cursaram até o Ensino Fundamental, onde apenas um único familiar exercia atividade laborativa, enquanto cinco encontravam-se fora do mercado de trabalho e três são aposentados.

Quanto aos profissionais da instituição estudada, seu perfil é constituído, predominantemente, por pessoas do sexo feminino, com idades compreendidas entre 20 e 59 anos, com tempo de formação que varia entre 3 e 27 anos, sendo 4 (quatro) profissionais pós-graduados.

A atuação do profissional na área da saúde mental como atribuição promover ações de acolhimento, de assistência às famílias no momento do diagnóstico, fomentando o vínculo entre a família e o usuário, independentemente da deficiência. Os familiares afirmaram como sendo bom uma vez que são orientados e bem tratados, mas segundo os profissionais, a dificuldade reside na falta de conhecimento dos familiares quanto a uma série de questões que vão desde os direitos sociais ao entendimento da própria deficiência.

No tocante à atuação do Serviço Social na dinâmica institucional, ficou evidente que os familiares possuem conhecimento da área, bem como dos serviços prestados, uma vez que a partir dos depoimentos, confirmou-se a atuação deste profissional pautada num trabalho voltado ao acolhimento, à orientação, aos encaminhamentos, enfim à mediação da pessoa com deficiência

mental e a família. Os demais profissionais também consideram o assistente social como um sujeito de relevância no contexto do CAPL.

O Serviço Social na instituição surgiu da construção das novas formas de conceber atendimento às pessoas com deficiência mental. Foram implantados serviços substitutivos, à rede hospitalar, através do acolhimento, projeto terapêutico individual, atividades terapêuticas (individual e em grupo), como também presta assistência de benefícios como visitas domiciliares, ações junto à família e à sociedade, atividades externas (passeios e outros eventos), oficinas de reabilitação com atividades culturais, esportivas, atendimento individual do usuário e familiares e apoio matricialii junto ao Programa de Saúde da Família. É importante mencionar que todas as ações relatadas não são de responsabilidade exclusiva do Serviço Social, mas de todos os profissionais da instituição.

Considerando a importância da família para a compreensão do processo de desenvolvimento de crianças com deficiência mental, fica claro que a atenção dada a mesma ainda é posta em um plano secundário. Dizemos isso baseado em pesquisa bibliográfica realizada em que comprova a escassez de trabalhos sobre o cuidado à família da criança com deficiência.

Os artigos de pesquisas e teóricos, os livros e capítulos de livros foram agrupados por tema investigado. A maioria (41%) dos artigos trata de temas sobre o "conceito de DM", enquanto que 33,7% referem-se a aspectos gerais relacionados à "família e sua criança com deficiência mental". Os trabalhos sobre as "interações familiares" (18,7%) e em outros contextos (6,6%) constituem minoria dos temas investigados.

A análise efetuada com base no levantamento bibliográfico, embora não exaustiva,

proporcionou uma visão geral a respeito da produção científica, tanto estrangeira como nacional, no que tange à família e deficiência mental. É preciso ressaltar as limitações decorrentes das fontesconsultadas, particularmente, no Brasil, onde muitas das revistas na área de psicologia não estão indexadas, além de não estarem disponíveis nas bibliotecas. Os resultados mostram uma

predominância de artigos, tanto estrangeiros como nacionais, que tratam do conceito de deficiência mental, da família e sua criança DM e também de suasinterações sociais. O fato de haver um percentual maior de artigos sobre o conceito de deficiência mental, deve-se, em parte, a uma certa confusão do próprio conceito e, conseqüentemente, da necessidade de melhor entender os aspectos que caracterizam a DM e de identificar os fatores mais relevantes para a sua constituição. No entanto, parece não haver um interesse muito grande pelo tema “conceito de DM” em se tratando de trabalhos de teses/dissertações. Isto é compreensível, na medida em que há uma tradição sobre a natureza empírica de tais trabalhos. De qualquer forma, é imprescindível que os pesquisadores tenham clareza sobre o conceito de DM, uma vez que este é fundamental para o planejamento de pesquisas na área.

Por outro lado, verifica-se, também, uma preocupação crescente com o tema “família e sua criança deficiente mental”. Esta preocupação está centrada no “bem-estar psicológico” das famílias, especialmente dos genitores. Assim, aspectos tais como estresse parental, satisfação marital e depressão são priorizados em tais estudos, particularmente em artigos de pesquisa e teses/dissertações estrangeiras. As teses/dissertações nacionais enfatizam não somente o tema “família e sua criança” como também o tema “interações sociais”. Dentre este último, destacam-se as “interações familiares” desenvolvidas pela díade mãe-criança, enquanto as teses/dissertações estrangeiras focalizam as interações e relações entre irmãos.

Em síntese, as fontes consultadas revelam que a família não vem sendo analisada como um todo, isto é, enquanto um grupo distinto, que possui características próprias e desenvolve interações contínuas entre seus diversos subsistemas diádicos, triádicos ou poliádicos. É preciso ter em mente que a família não é estática, ela muda constantemente e, desta forma, deve se adaptar às demandas advindas de cada um dos membros que a compõe, principalmente, em se tratando de crianças com deficiência mental. Tampouco a própria instituição tem dado a devida atenção à família.

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