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A atividade orientadora de ensino como unidade dialética entre atividade de

CAPÍTULO III A atividade de estudo e a formação do pensamento teórico

3.3. A atividade orientadora de ensino como unidade dialética entre atividade de

Um dos pressupostos que orienta este trabalho é que o processo educativo que gera desenvolvimento psíquico é aquele que coloca o sujeito em atividade, ou seja, gera no indivíduo motivos, ações, finalidades e operações para aprender. Para que o estudante entre em atividade, a intervenção do professor é essencial, e este também deve estar em atividade, nesse caso de ensino. Dessa forma, outro pressuposto deste trabalho é que a atividade de ensino e de estudo formam uma unidade dialética.

Segundo Bernardes (2009), a atividade de ensino e a atividade de estudo formam uma unidade dialética porque têm motivos correspondentes, a humanização dos indivíduos na relação com o gênero humano. Esse motivo expressa-se de forma diferente em cada atividade, dadas as suas especificidades:

No caso da atividade de ensino, o motivo é determinado pela necessidade de o educador ensinar o conhecimento teórico-científico elaborado socio-historicamente, promovendo a humanização e a transformação dos estudantes por meio de ações conscientes e intencionais definidas na organização do ensino. Na atividade de aprendizagem, o motivo é definido pela necessidade de o estudante se apropriar do conhecimento socio-histórico, tornando-se herdeiro da cultura, humanizando-se. (p. 239, grifos da autora)

Para que a atividade de estudo forme-se e desenvolva-se, as ações do professor são fundamentais. Tais ações referem-se à organização do ensino que crie nos estudantes motivos para a atividade de estudo e que possibilite a apropriação do pensamento teórico por eles. Segundo Moura et al. (2010), o professor medeia a relação dos estudantes com os objetos de conhecimento e, dependendo de como faz isso, produz motivos para a atividade de estudo.

Para que a aprendizagem se concretize para os estudantes e se constitua efetivamente como atividade, a atuação do professor é fundamental ao mediar a relação dos estudantes com o objeto do conhecimento, orientando e organizando o ensino. As ações do professor na organização do ensino devem criar, no estudante, a necessidade do conceito, fazendo coincidir os motivos da atividade com o objeto de estudo. O professor, como aquele que concretiza objetivos sociais objetivados no currículo escolar, organiza o ensino: define ações, elege instrumentos e avalia o processo de ensino e aprendizagem. (MOURA et. al, 2010, p. 216)

Segundo Rubtsov (1996), para que essa correspondência ocorra, é necessário que estudantes e professores estejam em atividade em comum. Bernardes (2009) sintetiza o papel da atividade em comum:

Ao propor, como elementos que compõem a atividade em comum, a repartição das ações e das operações, a troca dos modos de ação, a compreensão mútua por meio da comunicação, o planejamento das ações individuais em busca de resultados comuns obtidos pelo processo de reflexão, entende-se que seja possível a superação da individualidade dos sujeitos envolvidos na atividade orientada para o ensino e aprendizagem. Pressupõe-se, na atividade pedagógica, um produto coletivo elaborado por meio de ações e operações realizadas de forma cooperativa pelos sujeitos no processo de ensino e aprendizagem – estudantes e educador. (p.239, grifos da autora) De acordo com Bernardes (2009), a correspondência entre as atividades do professor e do estudante somente se torna possível quando esses sujeitos têm consciência do lugar social que ocupam na organização das sociedades letradas, o que é

possível pela correlação entre a significação social das ações realizadas e pelo sentido da atividade para os sujeitos pertencentes à coletividade.

Um conceito que muito contribui com essa discussão é o de “atividade orientadora de ensino”, proposto por Moura (1996, 2001). De acordo com o autor, a atividade orientadora de ensino (AOE) pode ser a unidade de formação do estudante e do professor, assim definida:

A atividade orientadora de ensino tem uma necessidade: ensinar; tem ações: define o modo ou procedimentos de como colocar os conhecimentos em jogo no espaço educativo; e elege instrumentos auxiliares de ensino: os recursos metodológicos adequados a cada objetivo e ação (livro, giz, computador, ábaco etc). E, por fim, os processos de análise e síntese, ao longo da atividade, são momentos de avaliação permanente para quem ensina e aprende. (MOURA, 2001, p.155)

Segundo Moura et al. (2010), a AOE constitui-se como uma proposta de organização do ensino e da aprendizagem que, baseada na teoria histórico-cultural, apresenta-se “como uma possibilidade de realizar a atividade educativa tendo por base o conhecimento produzido sobre os processos humanos de construção de conhecimento” (p. 208).

A AOE organiza-se de acordo com a estrutura da atividade proposta por Leontiev (1983). Tem uma necessidade, a apropriação da cultura, e um motivo, a apropriação do conhecimento historicamente acumulado. Realiza-se por meio de finalidades, ensinar e aprender, e de ações, que consideram as condições objetivas da escola (MOURA et al., 2010). É, assim, unidade de formação do professor e do estudante.

[…] a AOE constitui-se em um modo geral de organização do ensino, em que seu conteúdo principal é o conhecimento teórico e seu objeto é a constituição do pensamento teórico do indivíduo no movimento de apropriação do conhecimento. Assim, o professor, ao organizar as ações que objetivam o ensinar, também requalifica seus conhecimentos, e é esse processo que caracteriza a AOE como unidade de formação do professor e do estudante. (p. 221)

Na AOE, a atividade dos estudantes é mobilizada a partir de uma situação desencadeadora de aprendizagem, que pode ser materializada por meio de diferentes recursos metodológicos, entre eles o jogo, as situações emergentes do cotidiano e a história virtual do conceito.

O jogo como recurso pedagógico na AOE traz a possibilidade de colocar a criança diante de uma situação-problema semelhante à vivida pelo homem ao operar

com os conceitos científicos. Entende-se o jogo como uma atividade em que o homem reconstrói as relações sociais e na qual se desenvolvem novas funções psicológicas (NASCIMENTO, ARAÚJO & MIGUÉIS, 2009).

As situações emergentes do cotidiano são compreendidas como situações trazidas pelos próprios estudantes a partir de suas necessidades e vivências. Trabalhar com tais situações significa buscar soluções para questões significativas vividas por eles, aproveitando-as para tratar conceitos pertinentes à atividade de ensino e de estudo. Na análise dos dados desta pesquisa, o papel do jogo e da situação emergente do cotidiano será discutido e exemplificado.

A história virtual do conceito, por sua vez, refere-se à produção de uma narrativa que recria as condições essenciais de elaboração histórica do conceito a ser ensinado. A partir desta história, coloca-se o estudante em uma situação-problema que revela o processo histórico de necessidade e produção do conceito73. Em todos os recursos apontados, estão presentes o aspecto histórico e lógico do conteúdo ensinado e a recuperação do modo de produção dos conceitos, o que permite que os estudantes desenvolvam o pensamento teórico.

Independentemente da estratégia pedagógica utilizada, a atividade em comum, coletiva, é essencial na organização da AOE. Segundo Rubtsov (1996), a atividade coletiva é uma etapa necessária e “um mecanismo interior da atividade individual” (p. 137). O autor postula, baseado na lei de formação das funções psicológicas superiores, que a aprendizagem é fruto da interiorização das situações vividas em atividades coletivas. Moura et al. (2010, p.225) sintetizam o papel da atividade coletiva:

Na Atividade Orientadora de Ensino, a solução da situação-problema pelos estudantes deve ser realizada na coletividade. Isso se dá quando aos indivíduos são proporcionadas situações que exijam o compartilhamento das ações na resolução de uma determinada situação que surge em certo contexto. Garantir que a atividade de estudo dos educandos se dê prioritariamente dentro de um coletivo, busca concretizar o princípio ou lei de formação das funções psíquicas superiores elaborado pela Teoria histórico-cultural em acordo com o que preconiza Vigotski.

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Rosa, Moraes & Cedro (2010b) dão um exemplo de história virtual para abordar o conceito de sistema de numeração.

A AOE requer também ações de avaliação do processo de ensino e aprendizagem, o que inclui avaliar se as ações de ensino do professor foram efetivas e se as ações de estudo dos estudantes produziram a apropriação dos conceitos ensinados. Exige ainda que o estudante desenvolva ações de autoavaliação e autocontrole, ou seja, que aprenda a avaliar o próprio processo de aprendizagem.

Em síntese, a AOE organiza-se a partir de uma situação desencadeadora de aprendizagem, que possa produzir a necessidade de aprender dos estudantes, da organização das ações de estudo, que contempla a eleição das estratégias de ensino que reconstruam o processo humano de elaboração do conceito, e da avaliação das atividades de ensino e de estudo. Todas essas etapas são fundamentalmente coletivas.

Entende-se a AOE como mediação entre a atividade do professor e do estudante, e entre as dimensões teórica e prática do ensino. Nesse sentido, é instrumento do professor, na realização e compreensão de seu objeto de estudo e trabalho, o processo de ensino de conceitos. É, também, instrumento do estudante que, por meio dela, apropria-se dos conhecimentos teóricos (MOURA et.al., 2010). Constitui-se, portanto, como unidade formadora do professor e do estudante.

Por último, ressalto que a AOE tem sido compreendida74 como instrumento metodológico na pesquisa acerca da atividade pedagógica e como conceito para a organização da atividade de ensino. Constitui-se, assim, como fonte de pesquisa e fundamento para o ensino (MOURA et al., 2010).

Como síntese deste capítulo, destaco a organização do ensino que tem como referência a formação da atividade de estudo; o pensamento teórico como conteúdo desta atividade; a unidade dialética entre a atividade de ensino e a atividade de estudo; o papel da atividade em conjunto na formação do pensamento conceitual e como necessidade da atividade educativa; e a Atividade Orientadora de Ensino como uma das expressões didáticas dos pressupostos da teoria histórico-cultural. Nos elementos citados, expressa-se a tese defendida neste trabalho na medida em que explicito componentes importantes para uma organização de ensino que promova o desenvolvimento de nossos estudantes no sentido da formação do pensamento teórico e da constituição da consciência.

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74 Tal compreensão é fruto das pesquisas desenvolvidas pelo Grupo de Estudo e Pesquisa sobre a Atividade Pedagógica (GEPAPE). Como exemplos, temos ARAÚJO, 2003; BERNARDES, 2006; CEDRO, 2008; LOPES, 2004; MORAES, 2008; MORETTI, 2007; NASCIMENTO, 2010; e SERRÃO, 2006, entre outros trabalhos.