• Nenhum resultado encontrado

3 A LIBERDADE RELIGIOSA EM TAVARES BASTOS

3.1 A Breve Trajetória Pessoal

3.1.4 Atividade política pela imprensa

Afastado da atividade parlamentar, não se desliga, porém, da vida política, e retoma mais ativamente sua atuação na imprensa aliando-se a Lafayette Rodrigues Pereira, seu contemporâneo da Faculdade de Direito de São Paulo, na direção do Diário do Povo, veículo que se tornou a trincheira da oposição ao governo e á Coroa. Tavares Bastos adquire o Correio do Povo e, por razões desconhecidas, o transfere a um testa de ferro, um laranja, no linguajar atual, que também motivado por que ou quem não se sabe, criou tantos embaraços que provocou o abandono do jornal ao seu falso proprietário, apesar da vultosa quantia investida. Despojado de seus ilustres articulistas, não teve vida longa o noticioso.

Sem a arma que ainda lhes restava os liberais buscam alternativas, surgindo a ideia do Clube da Reforma com seu órgão de imprensa próprio, projeto que se realizou em 7 de abril de 1869, como registrou Tavares Bastos em sua Memórias

Em minha casa no Largo do Rocio, nº 77, a convite de Otaviano, compareceram vários liberais históricos e progressistas, em número de 27, e assentou-se fundar o Clube da Reforma. Adiou-se, por impugnação do Zacarias (progressista) a fundação, que pretendíamos de uma folha com o mesmo título (PONTES, 1975: 171)

Em 12 de maio funda-se A Reforma, fruto da iniciativa de Otaviano e outros signatários, folha que forneceu aos liberais novas oportunidades de expor suas ideias e manter a oposição ao grupo que detinha o poder.

Por seu histórico político, Zacarias exercia grande influência sobre os liberais, interferindo em diversas questões como na discussão do programa do Clube, ocasião em que provou intensos debates por não desejar que constasse no documento qualquer referência à religião, sendo vitorioso em parte, pois nele figurava uma cláusula que defendia “garantias efetivas da liberdade religiosa”. Outras tantas situações foram se avolumando, provocando atritos até entre Tavares Bastos e Otaviano, que irritado com os questionamentos do antigo pupilo ameaçou demitir-se da função de Editor. O ponto final veio como resultado da defesa do Imperador feita por Zacarias no Senado, provocando rompimentos em série, dentre os quais Tavares Bastos, tendo como marco a publicação em 3 de junho de 1870, do artigo de Silveira Martins que tinha por título Cartas na Mesa.

Em meio a tanta turbulência é publicado em julho aquela que é considerada a obra mais madura do publicista alagoano, A Província, que receberia comentários elogiosos até das folhas comprometidas com os conservadores e a Coroa, merecendo destaque até nossos dias entre os estudiosos da centralização e descentralização da administração política.

Em seu Panorama do Segundo Império, Nelson Werneck Sodré, no capítulo sobre a Centralização e a Unidade servindo-se fartamente de A Província, inicia estabelecendo interessante comparação entre Joaquim Nabuco e Tavares Bastos, afirmando ao final que “Nabuco era o brilho da palavra, o esplendor físico e moral de uma individualidade que nascera para os triunfos espetaculares, para as grandes cenas, para os quadros coloridos. Tavares Bastos era apagado e vulgar. Era o Solitário.” (SODRÉ, 1998: 252). Prosseguindo, Sodré analisa o impacto da produção dos personagens citados, particularmente sobre a temática que dá nome ao capítulo referido, chegando a seguinte conclusão

O passar dos anos, na sua filtragem impiedosa, diria, entretanto, quem ferira mais fundo a questão política e administrativa do império. ... a obra de Tavares Bastos cresce em significação e se firma como uma das mais nítidas que foi dado a um brasileiro construir. E o seu papel, na luta pela federação, passa para o primeiro plano, sensivelmente (SODRÉ, 1998: 253).

Reunindo dissidentes das hostes liberais, progressistas e políticos de diversas nuances é criado em 3 de novembro o Clube Republicano e um mês após seu órgão de imprensa A República, trazendo o celebre manifesto que ficou conhecido como O Manifesto de 70 que apresentava ao pais um projeto político comprometido com mudanças e transformações em todos os níveis, sendo sentida em sua redação o lastro das ideias esposadas por Tavares Bastos em A Província, como verificaram inúmeros analistas dos dois documentos. Ainda que muitos de seus companheiros mais destacados tenham aderido ao programa do Clube Republicano, o Solitário manteve-se afastado.39

Inicia e finda o ano de 1871 sem grandes mudanças no cenário político nacional. As poucas informações sobre as atividades nele realizadas dão conta de estudos e escrita. Em relação à saúde a muito debilitada, o próprio Aureliano desculpa-se com o Barão de Cotegipe por não estar presente em sua despedida, pois “a bronquite que há dias padeço, impediu-me de ir receber as ordens de V. Exª no ato de seu embarque...” (TAVARES BASTOS, 1977b: 117).

Chegado o ano seguinte, retornam as inquietações eleitorais e, mais uma vez, a maioria liberal propugna pela abstenção, decisão defendida e seguida por Tavares Bastos, que explica assim sua posição ao Barão de Cotegipe que lhe oferecera apoio à candidatura: “Opinei pela abstenção, única decisão que reputo digna para o partido liberal, diante da imutável resolução do imperador de governar por si e com sua gente... Acompanho os que se abstêm...”. Nesta mesma disposição, em resposta a uma carta de seu amigo e conselheiro Sr. Saraiva, escreve a conhecida Carta ao Conselheiro Saraiva, publicada posteriormente sob o título de A Situação e o Partido Liberal (1872). Nela o alagoano focaliza as questões políticas do momento, buscando identificar as razões daquele conjunto de coisas, para em seguida sugerir medidas saneadoras.

Em relação à saúde, antigas enfermidades do baço e do fígado voltam a incomodar, comprometendo e debilitando sua condição física, ao ponto de refugiar-se em

39 Cassiano Tavares Bastos afirma que seu tio Aureliano “só não assinou o Manifesto de 70 devido aos

insistentes pedidos do seu pai [José Tavares Bastos], amigo do imperador e honra da magistratura brasileira” (BASTOS In SANT’ANA, 1975: 62).

Caxambu, estação de águas muito frequentada por aqueles que buscam recuperar a saúde, de onde escreve o prefácio à Carta em forma de livro.

Aos desgostos políticos e às preocupações com a saúde somara-se a queda no padrão de vida, por conta de prejuízos em negócios envolvendo familiares, obrigando-o a deixar a chácara São Clemente, ponto de encontro na nata da sociedade política e intelectual de então, mudando para a Rua do Rocio, nascedouro do Clube da Reforma, e depois para Santa Teresa, tornando-se, por ironia, vizinho de Zacarias de Góis, que de forma chistosa se referia à casa do opositor como “o estojo de Tavares Bastos”.

A Reforma Eleitoral e Parlamentar e Constituição da Magistratura marca o ano 1873, tanto pelos debates que levanta, quanto pelas tentativas de enquadrar o autor em algum grupo político, visto como muito avançado pelos liberais, monarquista demais pelos republicanos, e liberal e reformador em demasia para um monarquista convicto. Neste ano, em meio às extremas dificuldades em sua saúde, Tavares Bastos recebe o pedido de apoio e um convite para integrar um possível ministério encabeçado por Sousa Franco: “Chamado ao Ministério, um daqueles com quem conto, é você: prepare-se.”. É certo que mesmo não se concretizando o projeto, o convite trouxe a alegria do reconhecimento ao tão abatido coração do Solitário.