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3.1 As manifestações do inconsciente

3.1.1 Atos falhos

Freud (2014) em seu texto sobre atos falhos (em alemão Fehlleistung), refere-se a esse fenômeno como acontecimento frequente, porém pouco estudado. Os atos falhos também conhecidos como parapraxias englobam o ‘lapso verbal’ (versprechen) em que o sujeito, na intenção de dizer uma coisa, deixa escapar outra. O mesmo podemos atribuir ao ‘lapso de escrita’, podendo o sujeito notar ou não os pequenos equívocos tão comuns cometidos ao escrever, as contrações, as antecipações e repetições de palavras que apontam para uma relutância geral em escrever e para um desejo de terminar mais rápido algo que escreve. Segundo Freud (2014), os efeitos corriqueiros do lapso de escrita permitem identificar a natureza da intenção perturbadora.

O ‘lapso de leitura’ (verlesen), dá-se quando lemos algo diferente do que está escrito, ou seja, substitui-se a palavra a ser lida por outra, sem que isso envolva uma relação de conteúdo entre o texto lido e o resultado da ação do lapso. Em geral, ocorre quando as palavras são similares na grafia. O ‘lapso de audição’ (verhören) na qual ouvimos algo diferente do que realmente foi dito. Outros fenômenos que fazem parte dos atos falhos, são os ‘lapsos de memória’, um esquecimento (vergessen) temporário em que o sujeito não consegue lembrar de um nome que conhece e volta a reconhecê-lo. Um exemplo desse esquecimento é quando queremos dizer um nome que esquecemos, mas sabemos que sabemos. Costuma-se dizer que o nome está “na ponta da língua”. As intenções desse esquecimento podem ser referidas, segundo Freud (2014), a uma tendência contrária que não se deseja pôr em prática.

Há o ‘extravio’ (verlegen), que ocorre quando alguém guarda um objeto em um determinado lugar e depois não se lembra onde guardou, ou algo similar a uma “perda” (Verlieren) do objeto. A esse fenômeno, Freud (2014, p. 72) ofereceu-nos o seguinte exemplo:

Um jovem perde o lápis de que gostava muito. Dias antes, havia recebido uma carta do cunhado que terminava com as seguintes palavras: “No momento, não tenho vontade nem tempo de apoiar tua leviandade e tua preguiça”. O lápis, no entanto, tinha sido presente desse mesmo cunhado.

O que denota esse tipo de lapso é que o sumiço do lápis tem relação com o não querer lembrar de alguém que o decepcionou. Faz com que se deixe de gostar do objeto e passe a procurar pretextos para substituí-lo. No entanto, quando o motivo da perda é solucionado, o objeto reaparece.

Nesse grupo de fenômenos lacunares, há também os ‘equívocos’ (Irrtümer), de cunho temporário, diz respeito a algo que acreditávamos que sabíamos antes, mas depois, vimos a saber, não é o que pensávamos.

Para Freud (2014), os atos falhos, em certos casos, são dotados de sentidos, que, em um processo psíquico, podem ser tomados como manifestações que emanam a intenção a que esse processo serve e a posição dele em uma cadeia psíquica. Interessa entender que intenções são essas capazes de perturbar as pessoas e que relações guardam essas intenções perturbadoras com aqueles aos quais elas perturbam. Ou seja, é preciso relacioná-los aos motivos inconscientes de quem o comete. Pressupomos, portanto, que os atos falhos – lapso de leitura, escrita, memória, o extravio/perda e o equívoco, funcionam como válvulas de escape, mecanismos que, por suas brechas escapam o que está recalcado. Nos postulados freudianos o recalque está na origem dos sintomas neuróticos, pois surgem devido a uma operação de negação ocorrida no interior do eu8, praticado como um juízo, ou seja, como se essa negação dissesse que tais pensamentos, afetos, e desejos não são tolerados, fazendo com que o sujeito evite tais incursões, desejando não pensar certos pensamentos, não querer determinados afetos e não desejar desejos classificados como proibidos. Toda essa força inibidora acaba dando origem ao processo de produção do recalque. No entanto, tudo que é

8 Segundo o Roudinesco e Plon (1998, p. 210) Eu, a partir de 1920, foi conceituado por Freud como uma instância psíquica, no contexto de uma segunda tópica que abrangia outras duas instâncias: o supereu e o isso. O eu tornou-se então, em grande parte, inconsciente. Essa segunda tópica (eu/isso/supereu) deu origem a três leituras divergentes da doutrina freudiana: a primeira destaca um eu concebido como um polo de defesa ou de adaptação à realidade (Ego Psychology, annafreudismo); a segunda mergulha o eu no isso, divide-o num eu [moi] e num Eu [je] (sujeito), este determinado por um significante (lacanismo); e a terceira inclui o eu numa fenomenologia do si mesmo ou da relação de objeto (Self Psychology, kleinismo).

negado, recalcado simbolicamente, poderá voltar também simbolicamente via manifestações do inconsciente – atos falhos, chistes, sonhos – ou seja, há um retorno do recalcado. Dessa forma, entendemos que há duas operações: o recalcamento e o retorno do recalcado e, entre as brechas, entre as costuras dessa movimentação reverberam as tomadas de consciência nas quais se pode perceber que tanto o recalque quanto o retorno do recalcado são análogos às formas do desejo que não são aceitas, admitidas e, portanto, reprimidas no inconsciente.

O ato falhado, que de falho não tem nada, será sempre por motivações do inconsciente como meio de expressão de um desejo proibido. Nessa direção, Laplanche e Pontalis (2001) pautados nos postulados de Freud (1901), afirmam que o desejo inconsciente realiza-se nele – no ato falho – muitas vezes de uma forma bastante clara. Dessa maneira, os atos falhos só existem porque há um desejo recalcado, o desejo inconsciente. Assim, há de se considerar que não escolhemos as palavras para dizê-las, ao contrário, somos escolhidos por elas por meio do inconsciente. É nas palavras falhadas que o inconsciente se coloca e se faz presente (MAIA, 2006).

Nessa direção, evoquemos o conceito de ‘chiste’, também conhecido como “contrastes de ideias”, tão ligado ao inconsciente quanto o ato falho e de fundamental importância nas análises das narrativas escritas por sujeitos-estudantes dos anos iniciais.