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Atuação ética: o princípio da boa-fé processual

3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL NA RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL E O

3.1 DA ATUAÇÃO ÉTICA-CONSTITUCIONAL NO PROCESSO PÓS-MODERNO

3.1.2 Atuação ética: o princípio da boa-fé processual

É de grande valia a exegese do princípio da boa-fé correlacionado ao comportamento esperado por quaisquer figuras participantes da relação jurídica processual. Boa-fé pressupõe verdade, transparência, lealdade, cooperação, confiança. É modelo ideal de conduta social e processual – standard. 10

Em seu conceito ético-social, existente também fora do Direito, a boa-fé é atributo natural do ser humano, sendo a má-fé o resultado de um desvio de personalidade. Exatamente por isso, Rui Stoco não acredita em um conceito puramente jurídico de boa-fé. Já como princípio, não obstante o seu conceito vago e amplo, é fonte de validação dos atos, ganhando contornos de cláusula geral, servindo tanto ao direito privado como ao processo, orientando o comportamento dos sujeitos no exercício de todo e qualquer direito subjetivo, conforme estabelecia o art. 14, incisos I e II, do código de 1973, norma quase correspondente ao art. 77 do novo diploma. 11

Enquanto a moral e a ética são atributos da pessoa perante si mesma e perante a sociedade, a boa-fé é condição exigida de cada um para relacionar-se com outras pessoas, por isso o seu conteúdo deve ser averiguado em cada caso concreto.

Como já tivemos oportunidade de expor, a nova racionalidade jurídica se preocupa com a efetividade, o realismo e, neste sentido, podemos dizer que ela é mais empírica do que material. Nessa visão instrumental do processo se agrega o elemento ético – pressuposto necessário na busca da efetividade do provimento jurisdicional comprometido com a realização do justo. Desde o momento em que a

10

“Antiga a preocupação com a atuação dos sujeitos da demanda. Desde que se deixou de conceber o processo como um duela privado e se proclamou a finalidade pública do processo civil, passou-se a exigir dos litigantes uma conduta adequada a esse fim e a atribuir ao julgador maiores faculdades para impor o fair play. Existe toda uma gama de deveres morais que acabaram traduzidas em normas jurídicas e uma correspondente série de sanções para o seu descumprimento no campo processual. Tudo como necessária consequência de se ter o processo como instrumento para a defesa dos direitos e não para ser usado ilegitimamente para prejudicar ou ocultar a verdade e dificultar a reta aplicação do direito, este devendo atuar em conformidade com as regras da ética.” (MILMAN, Fábio. Improbidade processual: comportamento das partes e de seus procuradores no processo civil. Rio de janeiro: Forense, 2007, p. 291).

11

STOCO, Rui. Abuso do direito e má-fé processual. São Paulo Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 37 et seq.

regra moral passou a atuar em harmonia com a técnica do processo, a probidade desde então passou a servir aos propósitos da deontologia forense. 12

Como exposto no capítulo antecedente, o código civil de 2002 consagrou três princípios básicos: o princípio da eticidade, representado pela valorização da ética e da boa-fé; o da socialidade e o da operalidade (que se reveste de simplicidade e concretude por meio de um sistema aberto e de cláusulas gerais). Tais princípios, conforme lição de Gustavo Tepedino, podem e devem ser adaptados ao novo processo civil constitucional. 13

O novo diploma processual valoriza sobremaneira a boa-fé, que é cláusula geral a ser atestada de acordo com as circunstâncias do caso concreto, na mesma linha do sistema aberto do código civil, que também adotou a dimensão concreta da boa-fé, como já havia feito o código de defesa do consumidor, no inciso III do art. 4º:

A aplicação da boa-fé objetiva no Processo Civil transcende aos interesses das partes envolvidas na relação jurídica processual. Toda a sociedade tem interesse no resultado produzido pelo processo, não somente as partes. Não se trata apenas de identificar a vitória de um e a derrota de outro. O processo, antes que um método de debate é uma garantia fundamental do homem que tem no bojo do devido processo legal um conjunto de regras e princípios que repercutem na segurança do direito. 14

Interessa-nos a exposição de Fredie Didier a respeito da boa-fé processual, ainda em comentários do diploma processual de 1973:

Trata-se de uma cláusula geral processual. A opção por uma cláusula geral de boa-fé é a mais correta. É que a infinidade de situações que podem surgir ao longo do processo torna pouco eficaz qualquer enumeração legal exaustiva das hipóteses de comportamento desleal. Daí ser correta a opção da legislação brasileira por uma norma geral que impõe o comportamento de acordo com a boa-fé. Em verdade, não seria necessária qualquer enumeração das condutas desleais: o inciso II do art. 14 do CPC é bastante, exatamente por tratar-se de uma cláusula geral. Não se pode confundir o princípio (norma) da boa-fé com a exigência de boa-fé (elemento subjetivo) para a configuração de alguns atos ilícitos processuais, como o manifesto propósito protelatório, apto a permitir a antecipação dos

12

HOLANDA, 2011, p. 45-47.

13

TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do Direito Civil. Temas de Direito Civil. 3. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 3-22.

14

efeitos da tutela prevista no inciso II do art. 273 do CPC. A “boa-fé subjetiva” é elemento do suporte fático de alguns fatos jurídicos; é fato, portanto. A boa-fé objetiva é uma norma de conduta: impõe e proíbe condutas, além de criar situações jurídicas ativas e passivas. Não existe princípio da boa-fé subjetiva. O inciso II do art. 14 do CPC brasileiro não está relacionado à boa-fé subjetiva, à intenção do sujeito do processo: trata-se de norma que impõe condutas em conformidade com a boa-fé objetivamente considerada, independentemente da existência de boas ou más intenções. (...) A consagração do princípio da boa-fé processual foi resultado de uma expansão da exigência de boa-fé do direito privado ao direito público. 15

Diferentemente do conceito de boa-fé no direito privado, que se a divide em subjetiva e objetiva, o princípio da boa-fé processual, dimensão objetiva ou comportamental, previsto expressamente no art. 5º, art. 322, § 2º, e art. 489, § 3º, do novo código, deve ser entendido como regra de conduta prática segundo um padrão ético objetivo de honestidade, lealdade, confiança e respeitabilidade recíproca. 16O elemento subjetivo da boa-fé apenas se torna relevante para fins de ilícitos processuais, portanto:

A necessidade de atuação proba das partes ao longo do processo se justifica, modernamente, pela ascensão do princípio da boa-fé objetiva, reclamando a observância do dever de cooperação das partes em prol da realização da justiça no processo. A solidariedade, antes tida como finalidade remota e lacônica no ambiente da argumentação jurídica, vivifica- se atualmente com o enfoque precípuo de educar e prevenir a atuação das pessoas contra a litigância ímproba, sedimentando o reconhecimento do direito fundamental a um processo leal. 17

A boa-fé objetiva, como regra de conduta, é pressuposto ou cláusula geral e aberta de interpretação de todo o Direito, tanto que sua a desobediência, além das sanções previstas pelo legislador, é capaz de influenciar, decisivamente, no resultado da causa, utilizando o julgador como prova, inclusive, o comportamento processual da parte. 18

15

DIDIER JR., Fredie. Editorial 45. Disponível em: <http://www.frediedidier.com.br/editorial/editorial- 45/>. Acesso em: 29 jan. 2016.

16

LIMA NETO, Francisco Vieira; SILVESTRE, Gilberto Fachetti. A favor das relações econômico- negociais: o princípio do ‘favor negotti’ no Código Civil. In: SCIENTIA IURIS, n. 1, vol. 20, Londrina, p. 10-41, abr. 2016, p. 32-36.

17

HOLANDA, 2011, p. 174.

18

CORDEIRO, Menezes; ROCHA, Antonio Manuel da. Da boa fé no Direito Civil. Coimbra: Almedina, 2007, p. 648-661.

A boa-fé objetiva é entendida como de domínio da jurisprudência, o se conteúdo não advém da lei, mas da sua aplicação pelo juiz.

Com interferências recíprocas entre direito privado e público, a consagração do princípio da boa-fé processual foi resultado da exigência do direito civil, mormente em se tratando de abuso do direito. Aliás, o abuso do direito e do processo configura violação ao princípio da boa-fé objetiva consagrado no art. 5º do novo diploma processual, além de ser um ato ilícito lato sensu pela normativa do código civil de 2002. 19