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IMPLEMENTAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE

2.3 A atuação dos movimentos sociais – atores privados – nos Conselhos de Saúde

O campo social é de grande relevância para as políticas de saúde, este campo é representado pelos atores privados compostos em sua grande maioria por associações, entidades de classe, movimentos sociais e outros. A participação deste é garantida, pela estrutura descentralizada do SUS e as possibilidades de influência que isto abre para as entidades de nível local, através dos já apresentados Conselhos de Saúde. Tais conselhos são a arena política mais importante para os atores privados do campo social, portanto é necessário um estudo sobre como se dá a participação destes nos referidos conselhos e se de fato conseguem exercer influência (COELHO, 2004, p.1-2)

Numa síntese apertada, a premissa dos Conselhos de Saúde é criar um canal de comunicação entre a população e os tomadores de decisão, os gestores. A ideia é inegavelmente boa e constitucionalmente possível, entretanto, alguns estudos levantaram questionamento sobre a efetividade de tais conselhos devido a falta de representatividade e pertencimento da população com o cenário político. Devido a isso a parcela da população com menos recursos financeiros e conhecimento permaneceriam silenciados, enquanto aquela parcela mais abastada se faria ouvida (COELHO, 2007, p.79). Portanto, os Conselhos de Saúde criariam mais um espaço de exclusão dos menos favorecidos e, os mais favorecidos iriam capturar outra estrutura decisória. Vera Coelho explana a seguinte situação:

Os autores que avaliaram o desempenho dos conselhos de saúde sugerem, de modo geral, que esses mecanismos têm contribuído de forma bastante modesta seja para a incorporação das demandas da sociedade civil na política de saúde, seja para ampliar o controle social sobre essa política. Segundo eles, a tradição autoritária do Estado brasileiro; a presença de uma cultura política autoritária que em muitos casos dificulta reconhecer e respeitar o outro como cidadão; a fragilidade da vida associativa e a própria resistência dos atores sociais e estatais em aceitarem participar desses fóruns têm comprometido a efetiva participação social no processo de formulação e gestão da política de saúde (2004, p.2)

Entretanto, outros estudos refletem o sentido contrário, alguns cenários permitem a inclusão das camadas menos privilegiadas e estas conseguem efetivamente atuar na definição das políticas de saúde, conforme afirma Vera Coelho (2004, p.3). Esta explana os fatores que possibilitam o surgimento de tal cenário como sendo o processo de organização da sociedade civil; o comprometimento do poder público com a participação; o desenho institucional.

Exemplo do primeiro fator pode ser observado na pesquisa “O associativismo na cidade de São Paulo” desenvolvida por Avritzer, Recamán e Venturi (2007, p.89) que conseguiu

40 mostrar que camadas menos afortunadas da população estão investindo nas organizações populares para se fazerem ouvidos nos processos políticos que lhes afetarão. A pesquisa demonstra que as organizações populares são compostas por 5% da população da cidade, algo em torno de 500 mil habitantes, sendo que 50% desses têm renda mensal menor que dois salários mínimos e somente a educação básica e 60% são mulheres (COELHO, 2007, p.80).

Essas informações caminham no mesmo sentido das reunidas na pesquisa sobre os conselhos de saúde feita por Vera Coelho (2004, p.6). A pesquisadora constatou que nos conselhos locais de saúde da cidade de São Paulo há um grande percentual de participantes com baixo nível de escolaridade e renda, atenta-se para o fato de que 75% dos representantes da sociedade civil eram mulheres. Outro dado importante observado pela pesquisadora foi que mesmo que os conselheiros oriundos da sociedade civil não consigam exercer muita influência em determinadas situações, eles sentem gratificação por participarem do conselho de saúde, porque mesmo sendo pessoas de baixa escolaridade e iletradas lhes são fornecidos novas informações e o ambiente é amigável com eles, diferente da maioria dos órgãos públicos (COELHO, 2004, p.6). Por fim, ela ainda afirma que isso vai em sintonia com os estudos de Rebecca Abers sobre Orçamento Participativo em Porto Alegre, a crença da população de que participando dos processos decisórios lhes trarão benefícios contribui para fomentar a participação popular (COELHO, 2007, p.80).

Vera Coelho, citando Abers, Baiocchi e Wampler, afirma que o ponto central do comprometimento do poder público com a participação é o chamado “efeito demonstração”, que nada mais é do que o investimento em comportamentos estatais que sejam capazes de mostrar para a população que a participação deles nos foros de políticas públicas tem uma relação direta com o seu cotidiano e realidade, relação esta benéfica. Portanto o comprometimento do poder público com os espaços participativos não se dá por uma posição de abstenção estatal, mas sim de fomento do interesse da população quanto a estes espaços. Por exemplo, no já citado estudo de Abers sobre o Orçamento Participativo em Porto Alegre, ela observou que o poder municipal teve de demonstrar que a presença da população nas assembleias traria benefícios e também cumprir as promessas feitas.

Quanto ao último fator, Coelho citando os estudos de Fung e Cifuentes (2007, p.81). Estes argumentam que o desenho institucional atribuído ao foro participativo pode ser um forte mecanismo de inclusão dos interesses daqueles socialmente excluídos na agenda. Isso ocorre por meio da adoção de procedimentos que promovam a inclusão de pessoas sem capacitação técnica e/ou limitados meios de comunicação. Os autores sugerem incentivos por meio da estrutura do foro participativo, a metodologia aplicada na discussão visando melhorar a inclusão

41 e qualidade das discussões que ocorrem para a tomada de decisão. Exemplo de tais técnicas seria o uso de linguagem simples e coloquial em sua forma oral – sendo reduzida a termo no final da reunião – e o uso de facilitadores especializados em processos de discussão e tomada de decisão, franqueando tempo para todos expressarem seus pontos de vista, tornando o processo mais inclusivo.

Portanto, fica claro que ao instituir os Conselhos de Saúde em âmbito local, regional e nacional, a Constituição de 1988 teve grande preocupação com o aspecto formal de participação popular na decisão das políticas de saúde, mas quanto ao aspecto material – fornecer meios e instrumentos necessários para que população esteja de fato presente nestas arenas políticas – ficou silente. Disso resulta a visão conflitante de vários autores quanto a efetividade dos conselhos de saúde, alguns argumentam que o espaço pode ser capturado por aqueles que já estão ou tem ligação com o poder ou por aqueles mais favorecidos socialmente, criando mais uma área de exclusão; outros dizem que ainda é possível tornar esses espaços democráticos e inclusivo por meio dos três fatores já explanados.

Os dois principais atores responsáveis por tornarem essa arena política realmente democrática e inclusiva são a sociedade civil e o poder público. Através de uma mobilização dos grupos da sociedade civil as classes mais baixas da população conseguem reunir forças para participar dos conselhos de saúde e se aproximarem das tomadas de decisão da área. O poder público também ocupa uma posição de destaque nesta peça, visto que ele pode se comprometer a atrair as mais variadas pessoas para estas arenas políticas, mostrando que participando desses espaços decisórios poderão se tornar agentes que atuam diretamente na localidade que vivem. Isso foi brilhantemente mostrado no artigo “A democratização dos Conselhos de Saúde: o paradoxo de atrair não aliados” escrito por Vera Coelho (2007, p. 47).

Entretanto, deve-se atentar para a visão oposta defendida pelos autores que argumentam a inefetividade dos conselhos de saúde. Usando os mesmo dois atores, o poder público pode não fomentar a participação popular no conselho e indicar as cadeiras disponíveis para já conhecidos ou aliados do governo e a sociedade civil pode quedar-se inerte. Fazendo que a crítica na inefetividade seja verdadeira.

O desenho institucional pode ser um ótimo parâmetro para mensurar qual caminho está seguindo determinado conselho de saúde, visto que ele será um reflexo das forças atuantes nessa arena política25. Não havendo muita participação das camadas mais baixas da população

nem a presença de um governo fomentando a participação, o conselho de saúde tende a refletir

25 Remetes o leitor ao Ponto 2.2 do presente texto, deve-se aplicar o que foi dito no referido para um melhor

42 as características da Administração Pública, sendo mais burocrático, rígido, formal e técnico; observando a influência das organizações civis ou a atuação de um governo comprometidos com a participação, o conselho de saúde, tende a ser mais flexível, informal, plural e menos tecnicista.

2.4 Poder Judiciário: judicialização da política e garantia dos direitos fundamentais