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Atuação dos peritos do Ministério Público Federal no licenciamento ambiental da UTGCA

Capítulo II Nos Bastidores do Ministério Público: atuação pericial e usos de expertise no processo de licenciamento ambiental da UTGCA

2.3 Atuação dos peritos do Ministério Público Federal no licenciamento ambiental da UTGCA

O envolvimento do MPF no processo de licenciamento do projeto Mexilhão se deu por um caminho diferente daquele do MPSP. Após receber uma denúncia de uma ONG de Caraguatatuba de que haveria a construção de uma obra da Petrobras nas margens do rio Juqueriquerê, procuradores do MPF oficializaram a Petrobras para explicação e a partir de então tomaram conhecimento de que se tratava da construção da Unidade de Tratamento de Gás inserida no então Projeto Mexilhão e que já estava passando por um processo de licenciamento.

O MPF criou então, um processo administrativo de acompanhamento do licenciamento e após a solicitação ao IBAMA de todos os documentos técnicos do processo enviaram aos peritos da procuradoria de São Paulo do MPF para análise e emissão de pareceres sobre o conteúdo dos EIA-RIMAs.

A interpretação dos EIA- RIMAs do projeto Mexilhão, o enfoque e abordagem dos pareceres técnicos elaborados por peritos do MPF foram claramente diferenciados daqueles elaborados pelos peritos do MPSP. Em relação ao MPF, não houve uma crítica ou questionamento em relação à decomposição do licenciamento ambiental do empreendimento em três partes. Deste modo, os peritos do MPF não assumiram que tal separação dificultaria ou impediria a avaliação da viabilidade ambiental do empreendimento como um todo, ou de uma de suas partes. Isso significou que os peritos do MPF elaboraram pareceres específicos e com tratamento pontual para cada uma das partes ao analisarem seus respectivos EIA-RIMAs.

No caso da UTGCA, por meio de seus pareceres, os peritos do MPF empregaram

expertise tanto para questionarem aspectos metodológicos relacionados ao modo como os dados

foram coletados e analisados, como para sugerirem revisão na classificação dos impactos ambientais descritos no EIA-RIMA:

Ao apresentar os aspectos metodológicos que nortearam os levantamentos da vegetação o EIA não faz menção a curva área - espécie como referencia para a determinação da suficiência amostral do ponto de vista qualitativo. As signatárias (peritas) entendem que a sazonalidade deveria ser sempre comtemplada, por meio da realização de levantamentos primários em pelo menos duas campanhas em épocas de clima distinto, representando um fator determinante para a qualidade dos resultados obtidos. No que se refere à identificação e avaliação de impactos sobre a cobertura vegetal, fauna e unidades de conservação, o EIA atendeu ao

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determinado no termo de referência, sendo necessário somente reavaliar sua classificação no que se refere a magnitude, importância e significância, que deveriam passar, respectivamente, para as classes média, grande e significativo, principalmente face a proximidade da Unidade em relação ao Parque Estadual

da Serra do Mar (PARECER TÉCNICO PRSP/MPF NO 070/2006).

Nas situações em que se considerava não possuírem expertise adequada para determinadas assuntos, alguns destes peritos sugeriam e recomendavam que outros especialistas analisassem tais itens, como se observa:

Quanto às emissões atmosféricas citada na p 09 do TR e que foram aprofundados os estudos no Anexo E do vol 2 do EIA, tenho a dizer após análise de sobrevôo, que o capítulo foi contemplado de forma satisfatória, mas sugiro uma análise por especialista por se tratar de assunto de extrema especialidade. Recomendo que especialista em engenharia de segurança e engenheiro químico especialista em

petróleo analisem o estudo de análise de risco- EAR (PARECER TÉCNICO

PRSP/MPF NO 064/2007).

Com estes exemplos, pode-se constatar o tratamento diferenciado que os peritos do MPF ofereceram aos EIA-RIMAs da UTGCA, e das demais partes do projeto Mexilhão, comparado ao modo de atuação dos peritos do MPSP. Os primeiros analisaram tais documentos sem questionar a fragmentação do licenciamento ambiental do projeto Mexilhão pelo IBAMA, e ao mesmo tempo não levantaram dúvidas ou questionamentos sobre a análise de alternativas locacionais e tecnológicas do empreendimento. Predominou entre esses peritos a lógica da correção de aspectos pontuais e específicos. Na opinião dos peritos entrevistados do MPF tratava-se de estudos com boa consistência técnica:

Os três estudos foram bem feitos, os dados que estavam ali eram pertinentes, só que fizemos propostas de complementação(... )alguns estudos deveriam ser complementados e algumas medidas mitigadoras e compensatórias que deviam

ser complementados (ENTREVISTA COM PERITO DO MPF AGOSTO

2011).

Em relação à compartimentação do licenciamento do empreendimento um parecer elaborado pelos peritos do MPF apenas expressa que a despeito dos EIA RIMAs destas 3 partes

terem sido apresentados separadamente, o processo de licenciamento ambiental dos mesmos devem seguir concomitantemente (PARECER TÉCNICO PRSP/MPF NO 070/2006) sem mencionar em nenhum dos seus laudos a questão da avaliação de efeitos sinérgicos e cumulativos.

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Nesse sentido, cabe a seguinte indagação: Por que os peritos do MPF seguiram essa trajetória e este eixo de atuação em relação ao licenciamento ambiental do projeto Mexilhão? Da mesma forma que foram apontados elementos para entender a estratégia de atuação dos peritos do MPSP é válido e necessário buscar esses elementos no âmbito do MPF. Nesse sentido, as entrevistas com os peritos do MPF foram fundamentais para a interpretação sobre a atuação destes no caso do Mexilhão.

Podem ser destacados, ao menos três aspectos que teriam servido como possíveis eixos norteadores da atuação dos peritos do MPF no caso analisado: a) entendimento próprio dos peritos do MPF em relação ao instrumento EIA-RIMA; b) concepção destes peritos sobre a questão ambiental na arena pública; c) a possibilidade ou não de vitória judicial caso aquele caso no qual desenvolvem pareceres seja judicializado.

Para os peritos do MPF ouvidos, o EIA possuía limitações enquanto instrumento político de planejamento e dentre esses limites estaria à incapacidade deste avaliar os efeitos cumulativos e sinérgicos, sendo que a insistência nesse aspecto seria profissionalmente desgastante, não resultando em medidas concretas de fato. Desse modo, é reconhecido por estes peritos outros instrumentos de planejamento para tratar e enfocar essas questões, tal como a avaliação ambiental estratégica:

O MPSP fez uma análise mais global, sugerindo que deveria ter sido realizada uma análise conjunta de todas as partes do empreendimento e deste com outras intervenções, esse empreendimento no contexto do Litoral Norte para ser avaliado os impactos cumulativos e sinérgicos. Essa avaliação é muito importante, mas que tem que ser tratada numa avaliação ambiental estratégica, que deve ser feita não pela empresa, mas pelo estado, na forma de política pública, assim, deveria ser feito numa fase anterior, como uma política pública (ENTREVISTA COM PERITO DO MPF AGOSTO 2011).

Em relação às críticas dos peritos do MPSP de que os EIA-RIMAs do Projeto Mexilhão não tiveram capacidade de mensurar os impactos do empreendimento na transformação regional e no espaço urbano de Caraguatatuba, os peritos do MPF entendem que tais preocupações são legítimas, mas insistem que o EIA tem limitações e ao mesmo tempo são incapazes de efetuarem esse tipo de mensuração. Esse aspecto fica muito claro na fala do perito do MPF entrevistado:

Agora você não pode deixar de licenciar um empreendimento pontual, em função de um pode ser que daqui uns anos isso vire uma (cidade como) Macaé. Aí você paralisa o desenvolvimento (...) e nenhum órgão vai deixar de licenciar um

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empreendimento que tem condição de ser licenciado, a partir da lógica do vai que aconteça isso ou aquilo. Esse não é o papel do órgão licenciador, ele é um órgão de licenciamento de empreendimento, ele não é o local de pensar e desenvolver planejamento estratégico. Eu não posso chegar para um empreendedor e dizer que ele não pode colocar a obra aqui, pois, pode ser que venha mais gente (pra essa cidade). Nem o órgão licenciador pode dizer ao empreendedor: eu vou licenciar só você e nunca mais vou licenciar alguém aqui (...) Isso não é o papel

do órgão licenciador, é o papel de uma política de estado (ENTREVISTA

COM PERITO DO MPF AGOSTO 2011).

A concepção e o entendimento da questão ambiental por partes destes peritos do MPF também pode ser um elemento importante em sua orientação profissional, e nesse caso específico, na forma como os mesmos atuaram em relação ao projeto Mexilhão. A opinião de que a questão ambiental é um elemento dentre vários a serem considerados no processo decisório se configura como um elemento norteador relevante na atuação destes peritos:

A Petrobras tem pesquisadores supercompetentes, equipes técnicas fantásticas que passam anos pesquisando novas fontes de petróleo e gás para o país, acha os campos de produção com viabilidade de trazer riqueza para o país. É lógico que você tem que pensar que isso é importante. A gente não pode desconsiderar isso e achar que vai ter um país um com um viés só ecológico, só de preservação. O

ambiental é um dos fatores que se tem que pensar (ENTREVISTA COM

PERITO DO MPF, AGOSTO 2011).

Ao mesmo tempo, os peritos tenderam a levar em conta na elaboração de um parecer, a possibilidade de vitória judicial caso aquele processo administrativo viesse a ser judicializado. No caso dos peritos do MPF a experiência acumulada com outros processos que chegaram a ser judicializados configurou-se como outro possível fator condicionante em suas atuações, como se entende abaixo:

E também tem o seguinte, estrategicamente os procuradores também tem esse papel e a gente percebe isso claramente, eles pesam o seguinte: é necessário conduzir esse processo de uma forma que se você entrar na justiça você tem a mínima chance de um juiz dar uma sentença favorável, por que se não você cria um desgaste tão grande, além de encher a justiça de ações que não tem chance de ganhar. E também tem que levar em consideração que os juízes aos poucos estão entendendo a questão ambiental, mas bem aos poucos, depende muito do juiz, uns são mais sensíveis outros menos. Imagina chega um procedimento deste, o que acontece? Ou seja, gás natural, (inclusive é um mote da Petrobras dizer que é

um combustível menos poluente), tá dizendo que tem aquela riqueza ali, tá dizendo que aquilo é importante, que aquilo vai ser destinado para que uma indústria produza de maneira menos poluente, imagina uma indústria deixar de

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usar carvão vegetal, ou óleo diesel, para usar um gás que é produzido aqui na nossa costa e aí você vai dizer não? Você tem que ter um argumento muito, muito

forte ambiental ou social que convença um juiz pra ele dar uma liminar e depois uma sentença dizendo assim: não, não vai construir ali. Tem todo esse caminho

que a gente tem que considerar (ENTREVISTA COM PERITO DO MPF

AGOSTO 2011, grifos do autor).

Os peritos do MPF entenderam que, após avaliação dos estudos ambientais tanto da UTGCA quanto das demais partes do projeto Mexilhão, este não apresentava aspectos que pudessem ser considerado como inviabilizador ao empreendimento. Deste modo, levando em consideração uma conjunção de fatores do ponto de vista social, econômico e mesmo ambiental (no caso do gás natural ser uma fonte energética menos poluente) os peritos do MPF se concentraram em seus pareceres na proposição de medidas e recomendações para aprimorar os estudos ambientais e o próprio licenciamento ambiental:

Então veja só: a UTGCA ia ser construída numa área que tem gramínea, a faixa de dutos seria por túnel para atravessar e não interferir no Parque Estadual da Serra do Mar, então a gente precisar pesar os prós e os contras de forma mais isenta. A gente entende que se é um empreendimento que tem todas as chances de ser licenciado, mas com critérios ambientais, com cuidados sérios, com compensações, com medidas adequadas, a gente acha que nosso trabalho é mais produtivo com esse foco (de propor melhorias na forma de medidas mitigadoras e compensatórias) do que simplesmente a gente dizer não por não, não, não quero que Caraguatatuba tenha isso, então é não! claro a gente com formação na área ambiental, pensamos muitas vezes puxa é uma pena a ocorrência destes impactos, a questão paisagística. È claro que a gente é sensível a isso, mas a gente tem que trabalhar com levantamentos, com dados, a gente tem que trabalhar com os pés

no chão(ENTREVISTA COM PERITO DO MPF, AGOSTO 2011).

Na opinião dos peritos do MPF entrevistados este modo de atuação e de entendimento nem sempre é possível, pois, segundo eles há casos de empreendimentos que de fato vão comprometer significativamente a estrutura e funcionamento dos ecossistemas, além da sobrevivência de espécies ameaçadas de extinção. Para esses peritos, nesses casos, o trabalho pericial não deve apenas utilizar de uma expertise técnica e científica para propor melhorias e aprimoramento ao projeto, mas sim demonstrar de fato a inviabilidade do empreendimento.

De fato, esta pesquisa pôde levantar uma situação na qual estes mesmos peritos do MPF que foram entrevistados, não atuaram na proposição de medidas mitigadoras ou compensatórias, mas no sentido de demonstrar a inviabilidade de um empreendimento. Neste caso o MPF entrou com uma ação civil pública solicitando a cassação das licenças ambientais emitidas pelo IBAMA

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para a construção do Terminal Portuário no estuário de Santos SP, alegando que esta área é um destino migratório de aves vindas de várias regiões do Continente Americano75.

2.4

A utilização dos pareceres técnicos pelo Ministério Público no