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Capítulo 2 – Pentecostalismos: classificação, origem e atuação no campo religioso brasileiro

2.3 Atuando nos processos de transformação social no Brasil

O ambiente social no qual se deu a implantação do pentecostalismo no Norte do país foi propício para uma religiosidade mesclada. Os ensinamentos e doutrinas levaram à formação de uma religiosidade mística e desencarnada, porém, a convivência com a dura realidade social dessas comunidades ajudou o pentecostalismo a ser agente importante na restauração e ressignificação da realidade. A religião e a penetração que exerce nas comunidades têm a capacidade de ajudar nos processos de transformação social. O pentecostalismo, pela convivência com as populações menos favorecidas, atuando em locais de exclusão e pouca assistência social por parte do poder público, foi um canal para a requalificação dessas populações.

Para as comunidades pentecostais, por exemplo, o batismo pelo Espírito Santo funciona como revestimento espiritual, fornecendo ao sujeito autoridade em seu contexto social e religioso. Não são a sua condição social e econômica, sua raça, sua formação, mas a experiência com o Espírito Santo que capacita o sujeito na diferenciação dentro do grupo.

Esse processo de inclusão leva à valorização dos sujeitos, fato que os ajuda a enfrentar as agruras da vida nas periferias das grandes cidades e a produzir processos de transformações em seu contexto social. Maria das Dores Campos Machado elucidou essa influência ao analisar o papel das mulheres no pentecostalismo:

Tenho trabalhado com esse processo de revisão da subjetividade feminina nos segmentos populares a partir da ampliação do pentecostalismo nas periferias urbanas, e o que me parece mais importante é chamar atenção para o fato de que através dos valores religiosos, muitas mulheres conseguem se estruturar para enfrentar os desafios para a entrada no mercado formal e informal de trabalho. Distante dos movimentos sociais e, em especial do feminista, essas mulheres encontram na doutrina pentecostal os elementos discursivos para justificar iniciativas individuais em direção à esfera econômica e do mercado de trabalho. Então, embora não se compare com a proposta feminista de ampliação de autonomia feminina, esse processo acaba por apresentar um resultado que a meu ver não é desprezível: estimular a educação feminina e fomentar a transformação das mulheres do segmento popular em atores econômicos e enquanto tal com mais margem de negociação nas suas relações sociais e afetivas.161

Em outra pesquisa, ao lado de Cecília Loreto Mariz, Machado destaca as motivações que levam as mulheres ao pentecostalismo:

As desavenças conjugais, os problemas financeiros e/ou o desemprego do chefe da família, a depressão ou o nervosismo feminino e os problemas de saúde de algum membro doméstico. Tal ênfase no universo familiar tem levado vários autores a concluir pela importância da ―tensão doméstica‖ na formação da vida religiosa das mulheres casadas.162

Cecília Loreto Mariz, em outra pesquisa, procura identificar as influências que a conversão ao pentecostalismo exerce sobre a realidade dos lares de famílias carentes que convivem com o alcoolismo, afirmando que a conversão pentecostal é ferramenta de superação dos danos causados pelo alcoolismo nos ambientes familiares. Afirma ainda, detalhadamente, como se dá a mudança na realidade social das famílias envolvidas:

A superação à adição ao álcool certamente se torna possível na igreja pentecostal por várias razões. Na igreja, o fiel aprende um novo estilo de vida sem álcool, é apoiado por toda uma comunidade abstêmia, ingressa numa nova rede de amigos, redefine sua identidade, recuperando uma auto- estima, além de ter acesso a um estado modificado de consciência sem necessitar do uso de álcool ou droga, apenas pelo êxtase e dons do Espírito. Outro ponto que acho importante relacionar o alcoolismo com o pentecostalismo é que a experiência de dependência ao álcool oferece plausibilidade à ideia de uma possessão demoníaca.163

O pentecostalismo se tornou no Brasil boa ferramenta de enfrentamento da pobreza quando, dentre outras coisas, resgata a dignidade e a autoestima dos fiéis, dando-lhes, por exemplo, uma nova identidade a partir das roupas. Durante muito tempo foi hábito na igreja pentecostal os homens trajarem sempre o terno e a gravata durante as celebrações, e as mulheres com vestimentas que incluíam saias longas e blusas que demonstrassem um rigor moral distinto dos hábitos do restante da sociedade. A vestimenta tornou-se então padrão de identidade social, além da possibilidade do fiel se revestir de uma dignidade negada pela sociedade. Outra forma de resgate e

Instituto Humanitas Inisinos – IHU on-line. São Leopoldo. 17 de maio de 2010. Ed. 329. p.23.

162 MACHADO, Maria das Dores Campos; MARIZ, Cecilia Loreto. Mulheres e prática religiosa nas classes

populares: uma comparação entre as igrejas pentecostais, as comunidades eclesiais de base e os grupos carismáticos. 2009. Disponível em HTTP://www.anpocs.org.br, acessado em 05.09.2011.

163 MARIZ, Cecilia Loreto. O pentecostalismo e a emancipação das mulheres. Entrevista concedida à revista do

postura frente à vida está relacionada à nova experiência de capacidade e poder no ato de ofertar o dízimo.

O que se chama de traço teológico peculiar entre o pentecostalismo clássico e o deuteropentecostalismo é a experiência da glossolalia. Igualmente por essa experiência concebemos ganhos dos sujeitos envolvidos na sua prática, pois ela oferece a valorização do sujeito dentro do grupo, e como consequência a valorização em sua vida secular e melhora da autoestima em seu ambiente social. A glossolalia dá voz nos espaços de pertença religiosa, independentemente de sua capacitação intelectual, autoridade inquestionável, pois é concedida pelo Espírito Santo. Como Hollenweger ressalta, o pentecostalismo atua dando voz a pessoas que em muitos casos só contam com a oralidade para se expressar, pois a formação intelectual e formal lhes foi negada.