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Capítulo 2 – Pentecostalismos: classificação, origem e atuação no campo religioso brasileiro

2.2 Contexto do surgimento

2.2.2 Em terras brasileiras

No ano de 1910 se estabelece na cidade de São Paulo a primeira igreja pentecostal, pelas mãos do italiano Luigi Francescon, denominada Congregação Cristã no Brasil,156 e no ano de 1911 a segunda, no Estado do Pará, na cidade de Belém, pelos missionários vindos dos Estados Unidos, mas de origem sueca, Daniel Berg e Gunnar Vingren, denominada Assembleia de Deus no Brasil.

154 CASTRO, 2010, pp.38-39. 155 CASTRO, 2010, pp.39.

156 Vale lembrar que nos primeiros dez anos a Congregação Cristã no Brasil não tinha esse nome; alem de que,

antes da igreja se firmar em São Paulo, teve uma primeira experiência em solo brasileiro na cidade de Santo Antonio da Platina no Estado do Paraná.

Para entender a chegada e o contexto social no qual conviveram os primeiros pentecostais brasileiros, Francisco Cartaxo Rolim, em seu texto Pentecostalismo: Brasil e

América Latina,157 analisa a implantação do movimento pentecostal no Brasil, enfatizando os aspectos sociológicos e quais intervenções o movimento proporcionou à sociedade em seu surgimento. Rolim lembra que um dos traços marcantes do pentecostalismo brasileiro é a relação com as camadas pobres, acostumadas a uma religiosidade que ele denomina de ―devocional católico protetor‖.

Assim, quando falamos em segmentos pobres de cujo seio grandes contingentes entraram para o pentecostalismo, põem-se dois grandes problemas: por que o pentecostalismo se dirigiu a essas camadas de muito reduzida qualificação profissional, semianalfabetas, de muitos escassos recursos para a habitação, vestuário, comida, etc. submetidas a toda sorte de doenças e contratempos inúmeros? Depois, se no devocional católico protetor elas se dependuravam e se agarravam no santo, pedindo milagres, e cada devoto era uma paisagem de milagres, por que vão buscar bênçãos e milagres em outros arraiais?158

O autor questiona por que o crescimento da Congregação Cristã no Brasil foi de início demasiadamente lento e difícil no Sudeste brasileiro, entre os operários imigrantes italianos, e ao contrário, a Assembleia de Deus recebeu grande adesão das populações empobrecidas do Norte e Nordeste brasileiro.

Segundo Rolim, as causas do desequilíbrio não são somente religiosas, mas, sobretudo, sociais. Ele afirma que ―na verdade qualquer tipo de religião numa determinada sociedade faz-se pela mediação de um meio social a um tempo cultural, político e econômico‖159. As demandas econômicas, sociais e políticas dos imigrantes italianos

instalados no bairro do Brás, em São Paulo, não permitiam espaço para a pregação da conversão pentecostal, recheadas de preocupações emotivas e espirituais, ao contrário do Estado do Pará, onde a concentração de populações empobrecidas nas periferias alijadas da atenção da Igreja Católica apresentou-se como cenário ideal para a pregação do batismo pelo Espírito Santo e manifestações do poder de Deus.

Rolim lembra ainda que a implantação e o desenvolvimento do pentecostalismo, sobretudo no Norte e Nordeste, se deram em um contexto de pluralismo religioso. Além das maneiras distintas do catolicismo, existiam várias igrejas evangélicas históricas, ―cultos

157 ROLIM, Francisco Cartaxo. Pentecostalsimo: Brasil e América Latina. Petrópolis: Vozes, 1995. 158 ROLIM, 1995. p.16.

orientais de diversas modalidades, recentemente chegados‖, terreiros afro-brasileiros cada vez mais frequentes, além do kardecismo, aos poucos se instalando nas cidades.

Dentre as inúmeras propostas desse cenário plural, Rolim destaca ainda aquela que chama de ―devocional do pobre‖, em que era bastante valorizada a relação caseira de devoção ao santo. ―O devoto, pobre, analfabeto, morador das periferias urbanas ou em áreas rurais, não botava os pés na matriz senão raras vezes, para casamento ou batismo dos filhos‖. Sobre essa população católica moradora da periferia urbana de Belém, que inicialmente recebeu a atenção da Igreja Batista, que o pentecostalismo empreendeu seu proselitismo.

O autor se pergunta por que o pentecostalismo conseguiu se inserir nesses espaços, apesar do seu discurso dissociado de preocupações sociopolíticas, valorizando mais a espiritualidade como saída para os problemas que os assolavam. Segundo ele, a relação do pentecostalismo com as camadas mais pobres não é evidente, e que somente conseguiremos entendê-la se se buscar outras razões de ―caráter cultural, econômico e político‖, e não somente religiosas.

Na cidade de Belém, por exemplo, a dominação católica privilegiou o centro urbano, onde moravam as pessoas de ―maior prestígio econômico, cultural e político‖, se localizava a imponente catedral e se concentravam as festas e procissões religiosas. Nesse ambiente era impensável a atuação protestante e posteriormente dos missionários pentecostais.

Só restavam, pois, aos evangélicos áreas mais distantes, a periferia urbana, ancoradouro de imigrantes rurais, povoada de gente simples, pobre e analfabeta. Orla urbana onde não havia missa nem morava padre, onde casebres de taipa se acotovelavam com poucas casas de alvenaria.160

Rolim lembra que essas regiões tiveram rápida expansão e ―cresceram invadidas pelas enchentes do êxodo rural. De regiões rurais, próximas ou distantes, vinha gente em busca de trabalho, de melhores condições de vida, expulsas pela estrutura agrária fechada às condições indispensáveis à vida humana‖. Lembrando que a cidade de Belém ainda exalava os sinais da prosperidade econômica oriunda do ciclo da borracha.

A espontaneidade pentecostal caiu como uma luva para os anseios de afirmação social dessas populações. As orações coletivas com as próprias palavras, o direito a pregações nos cultos mesmo não sendo pastores, a oportunidade de compartilhar seus depoimentos de vida, o exercício da autonomia de ler e interpretar a Bíblia e a acolhida de forma fraternal na porta da igreja ofereceram aos novos convertidos oportunidades antes impensadas na estrutura

religiosa predominante. Além do que, fazia parte da religiosidade desses grupos sociais uma relação mística com o sagrado, desenvolvida longe da tutela do poder institucional religioso oficial, em que a figura do santo de casa e do rezador supria a ausência do sacerdote.