• Nenhum resultado encontrado

1 INTRODUÇÃO

2.4 Controle da administração pública brasileira

2.4.2 Auditorias governamentais

As auditorias governamentais, tal como na iniciativa privada, são um mecanismo para reduzir os conflitos existentes entre os responsáveis pela gestão do patrimônio e o proprietário. Antes mais voltada para a descoberta de erros e fraudes, as auditorias evoluíram, passando a ter também função preventiva e orientadora. Neste subtítulo, apresentam-se conceitos relacionados ao assunto e descreve-se como se dá o processo de auditoria propriamente.

Conceitos e classificações

Historicamente, as auditorias tinham dois enfoques principais: (i) conferência de informações prestadas ou confirmação de valores; e (ii) identificação de irregularidades e fraudes. No contexto atual, as auditorias passam a abordar com maior destaque a gestão de riscos. Uma síntese dessa evolução consta na Figura 22.

Figura 22 - Evolução do enfoque das auditorias

Fonte: Carvalho Neto (2011, p. 21).

Os conceitos e formas de classificação variam com o tempo e de acordo com a atividade. Busca-se confrontar a situação existente com a desejada, sendo essa baseada em critérios bem definidos. Um conceito geralmente aceito é (TCU, 2011a, p. 13):

O exame independente e objetivo de uma situação ou condição, em confronto com um critério ou padrão preestabelecido, para que se possa opinar ou comentar a respeito para um destinatário predeterminado.

O trecho a seguir retrata uma visão mais detalhada (TCU, 2011a, p. 13):

Auditoria é o processo sistemático, documentado e independente de se avaliar objetivamente uma situação ou condição para determinar a extensão na qual critérios são atendidos, obter evidências quanto a esse atendimento e relatar os resultados dessa avaliação a um destinatário predeterminado.

Pormenorizando esse conceito, acrescenta-se:

- processo sistemático: a auditoria consiste em um trabalho planejado e metódico;

- processo documentado: baseado em documentos e padronizado com procedimentos específicos, de modo a assegurar sua revisão e manutenção das evidências obtidas; - processo independente: deve ser realizada por pessoas com independência;

- avaliação objetiva: os fatos devem ser avaliados de forma imparcial e precisa;

- situação ou condição: o estado ou a situação existente do objeto da auditoria, encontrado durante a execução do trabalho. É também chamada de “situação encontrada”;

- critério: referencial a partir do qual o auditor faz seu julgamento. A discrepância entre a situação existente e o critério originará o achado de auditoria;

Enfoque de conferência

Identificação de irregularidades

Gestão de riscos, por meio de controles, para alcance dos objetivos

- evidências: elementos de comprovação da discrepância (ou não) entre a situação encontrada e o critério de auditoria; e

- relato de resultados: os resultados de uma auditoria são relatados a um destinatário predeterminado, por meio de um relatório, instrumento formal e técnico no qual o auditor comunica o objetivo, o escopo, a extensão e as limitações do trabalho, os achados de auditoria, as avaliações, opiniões, conclusões e as propostas de encaminhamento.

Com relação ao relato dos resultados, materializado em um relatório técnico, destaca-se o capítulo dos achados de auditoria, que consiste em (TCU, 2011a, p. 40):

Achado - qualquer fato significativo, digno de relato pelo auditor, constituído por quatro atributos essenciais: situação encontrada (ou condição, o que é), critério (o que deveria ser), causa (razão do desvio em relação ao critério) e efeito (consequência da situação encontrada). Decorre da comparação da situação encontrada com o critério e deve ser devidamente comprovado por evidências. O achado pode ser negativo, quando revela impropriedade ou irregularidade, ou positivo, quando aponta boas práticas de gestão. Fazendo um paralelo, entende-se que o achado está para a auditoria governamental, assim como o problema está para processo de política pública. Secchi (2015, p. 10, 43 e 44) conceituou problema público como sendo a diferença entre a situação atual e uma situação ideal possível. Ressaltando que, enquanto o achado é um uma saída do processo de auditoria, o problema é geralmente visto como uma entrada do processo de política pública.

Existem várias formas de classificar as auditorias governamentais. A Constituição Federal de 1988, no seu art. 71, inc. IV, elenca cinco tipos: contábil; financeira; orçamentária; operacional; e patrimonial. Já no caput do art. 70, definem-se grandes critérios para as auditorias, sendo: legalidade (observância de leis e regulamentos); legitimidade (atendimento do interesse público); e economicidade (otimização dos custos sem comprometer os padrões de qualidade). A classificação pode se dar também de acordo com o objeto auditado: de obras, ambiental, de pessoal de tecnologia da informação etc.

De acordo com as Normas de Auditoria do TCU, quanto à natureza, a depender do objetivo prevalecente, as auditorias classificam-se em (TCU, 2011a, p. 14):

- auditorias de regularidade (ou de conformidade): objetivam examinar legalidade e legitimidade dos atos de gestão, quanto aos aspectos contábil, financeiro, orçamentário e patrimonial; ou

- auditorias operacionais (ou de desempenho): objetivam examinar a economicidade, eficiência, eficácia e efetividade de organizações, programas e atividades governamentais, para avaliar seu desempenho e aperfeiçoar a gestão pública.

As auditorias governamentais seguem duas vertentes principais: zelar pela “boa” e pela “regular” aplicação dos recursos. Fiscalizar a “regular” aplicação está mais relacionado às auditorias de regularidade, cujos critérios concentram-se na legalidade dos atos administrativos. Em complemento, a “boa” aplicação está mais relacionada às auditorias operacionais e ao atingimento de resultados satisfatórios, cujos critérios referem-se à eficiência, efetividade e economicidade dos atos.

Além das auditorias realizadas diretamente pelas equipes das respectivas unidades técnicas, há outro formato denominado de Fiscalização de Orientação Centralizada (FOC). Esse formato caracteriza-se por envolver a participação de diversas unidades, com o objetivo de avaliar, de forma sistêmica, temas ou objetos de controle, em âmbito nacional ou regional. As FOC são um conjunto de fiscalizações com preparação, coordenação e consolidação centralizada, mas com execução descentralizada.

Processo de auditoria

O processo de auditoria inicia-se com a definição dos seus objetivos, questões, procedimentos e escopo. O objetivo representa a questão fundamental a ser avaliada, é o propósito do trabalho. Na sequência, devem ser elaboradas as questões de auditoria, que detalham o objetivo. Os procedimentos são as verificações, ou exames, ou testes de auditoria, realizadas para responder as questões. O escopo consiste na delimitação do trabalho, expresso pelo objetivo, questões e procedimentos em conjunto. As auditorias dividem-se em três fases: planejamento, execução e relatório (TCU, 2011a). Essas três fases estão sintetizadas na Figura 23, cujo conteúdo detalha-se nos parágrafos adiante.

Figura 23 - Fases do processo de auditoria

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de TCU (2011a).

O “Planejamento” retratado na Figura 23 é o operacional, sendo de responsabilidade da equipe de auditoria e referente a um trabalho de auditoria específico. A palavra “planejamento” abrange três dimensões: estratégica, tática e operacional (CARVALHO NETO, 2011, p. 45). O estratégico e o tático dizem respeito às atividades do órgão de auditoria como um todo e são de responsabilidade de seus dirigentes, abrangendo todas as atividades de auditoria para um determinado período.

Planejamento - Matriz de planejamento

Execução

- Aplicação dos procedimentos

Relatório -Achados de auditoria

O planejamento é a primeira fase da auditoria. Espera-se o levantamento preliminar de informações para: obter visão geral do objeto; identificar e avaliar objetivos, riscos e controles da entidade auditada; preparar questionários, roteiros de entrevistas e planilhas; e elaborar projeto de auditoria, contemplando agenda de reuniões, apresentação aos gestores e matriz de planejamento (CARVALHO NETO, 2011, p. 46 e 47). Uma vez definidos o escopo e as questões de auditoria, a equipe deverá elaborar a matriz de planejamento, que é um dos principais produtos dessa etapa. Caracteriza-se como um quadro-resumo das informações relevantes do planejamento. Os procedimentos a serem aplicados durante a fase de execução devem estar detalhados, indicando as informações requeridas e as fontes de informação. O Quadro 3 apresenta um modelo de matriz de planejamento.

Depois planejadas as atividades, inicia-se a fase de execução, que consiste, predominantemente, na aplicação dos procedimentos previstos. É nesta fase que são realizados os testes, coletadas as evidências e desenvolvidos os achados de auditoria.

O relatório de auditoria é o instrumento formal e técnico para comunicação dos resultados. Somente devem constar as ocorrências que gerem conclusões e propostas de encaminhamento. Deve contemplar (TCU, 2010a, p. 42–46):

- Apresentação - Introdução

- Visão geral do objeto; objetivo e questões de auditoria; metodologia utilizada e limitações inerentes à auditoria; volume de recursos fiscalizados; benefícios estimados da fiscalização

- Achados de auditoria

- Descrição; situação encontrada; critérios; evidências; objetos nos quais o achado foi constatado; causas da ocorrência; efeito (potenciais ou reais); conclusão - Conclusão

Quadro 3 - Formato-padrão da matriz de planejamento PROCESSO N.:

ÓRGÃO/ENTIDADE: Declarar o(s) nome(s) do(s) principais órgão(s)/entidade(s) auditado(s) OBJETIVO: Enunciar de forma clara, resumida e de forma declarativa o objetivo da auditoria.

Questões de

auditoria Informações requeridas informação Fontes de Procedimentos Detalhamento do procedimento Possíveis achados Focar os principais aspectos do objetivo pretendido. Limitar ao objetivo da auditoria. Englobar todos os itens que serão verificados. Limitar à questão. Prever todas as informações necessárias e especificá-las.

Não descrever sob a

forma de

questionamento.

Associar a pelo

menos uma fonte de informação. Quem? Onde? Qual documento? Especificar. Associar a pelo menos uma informação requerida.

Associar pelo menos um procedimento para cada informação requerida. Não formular procedimentos para informações requeridas não previstas. Detalhar os procedimentos em

tarefas de forma clara,

esclarecendo os aspectos a serem abordados.

Descrever as técnicas que serão aplicadas. Limitar ao previsto na questão. Guardar coerência com a questão. Descrever exatamente o que se espera como

resposta ao

questionamento. Evitar generalizações.

Para modernização das auditorias, o estudo de métodos com utilização de bases de dados ganha destaque, pois há cada vez mais dados disponíveis (FREITAS; DACORSO, 2014, p. 885; TCU, 2014b). Acrescentam-se também os desafios científicos relacionados a Big Data (BEDIROGLU; VOLKAN; NISANCI, 2015; LEE; KANG, 2015; NATIVI et al., 2015).

Como exemplo de avanço nesse sentido, apontam-se as auditorias contínuas, caracterizadas como um processo contínuo de análise de dados, possibilitando identificar anomalias, para então se adotarem procedimentos adicionais (CHAN; VASARHELYI, 2011; COSTA, 2012; JANS; ALLES; VASARHELYI, 2013; MOTTA JÚNIOR, 2010). Mede-se, de forma automática, determinados parâmetros e compara-os com padrões esperados. Caso as diferenças sejam relevantes, iniciam-se análises mais específicas.

Freitas (2011, p. 211) conceituou cruzamento eletrônico de dados como uma comparação automática de dados, a partir de um campo comum parametrizado pelo auditor. Os resultados obtidos constituem- se como indícios a serem confirmados com outras técnicas, dependendo do nível de confiabilidade dos sistemas em que foram extraídos os dados.

O paradigma das auditorias contínuas introduz uma série de inovações quanto à abordagem tradicional, podendo-se resumi-las em sete dimensões: avaliações mais frequentes; modelo de auditoria proativo; automação de procedimentos de auditoria; evolução do trabalho e papel dos auditores; mudança na natureza, tempestividade e extensão da auditoria; utilização de modelagem e análise de dados para monitoramento e testes; e mudanças na natureza e tempestividade dos relatórios (CHAN; VASARHELYI, 2011, p. 15).

De toda forma, observando a auditoria como um processo de trabalho, suas principais entradas (insumos) são: situações encontradas; objetos; e critérios. Para chegar aos resultados esperados, aplicam-se procedimentos predefinidos, descritos na matriz de planejamento, e obtêm-se as saídas (resultados), materializadas nos relatórios de auditoria.