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“Se na Antiguidade grega, as crianças deficientes eram lançadas desde as alturas do monte Taigeto, em nossa civilização ocorre serem igualmente lançadas a um vazio de significância desde as alturas da Ciência” (Jerusalinsky, 1984, p. 44)

Neste capítulo, inicialmente, será exposto de forma concisa um pouco da história do atendimento educacional às pessoas com qualquer tipo de deficiência, sendo que indivíduos autistas se encontravam incluídos no bojo destas pessoas. Em seguida, será destacada a importância da escola no processo de constituição do sujeito.

Referindo-se ao processo histórico sobre o atendimento educacional ao educando com necessidade educacional especial, Ferraz (2007) constatou que, na Antiguidade, as pessoas que apresentavam alguma deficiência18 eram consideradas sub-humanas, uma degeneração da raça humana por não corresponder aos padrões estéticos e de exaltação do corpo. Mendes (1995) acrescenta que, entre o século XII a.C. até o século IV da Era Cristã, foi uma época marcada pela

exclusão social, caracterizada pelo abandono e eliminação de crianças com qualquer tipo de deficiência física ou mental.

Na Idade Média, século V até o século XV, época marcada pela ênfase na religião, posturas ambíguas acerca da deficiência foram se destacando: por um lado o deficiente representava um escolhido para missões divinas e por outro era visto como fruto de pecados e detentor de culpas, que, por isso, deveria ser castigado. Ferraz (2007) ressalta que, diante dessa dualidade, as atitudes da sociedade frente às pessoas deficientes eram paradoxais, oscilando entre a caridade-proteção e a segregação-eliminação. Ferreira e Guimarães (2003) destacam que os indivíduos epiléticos e psicóticos eram considerados portadores de possessões demoníacas; entretanto, os cegos já eram muitas vezes referenciados como profetas ou videntes.

Em alguns momentos históricos, a anormalidade/deficiência era considerada um fenômeno sobrenatural; em outros períodos, como uma possessão; mais tarde, como uma doença que necessita de cura. Essas mudanças, para Ferraz (2007), ocorrem, pois a normalidade/anormalidade e os processos de exclusão/inclusão são construídos historicamente e vêm se alterando de acordo com as configurações sociais, econômicas, políticas e culturais de cada época. Para Foucault (1999), o sujeito categorizado como diferente se constitui como tal em relação ao discurso ou aos jogos de verdade19 que lhe são instituídos em cada momento histórico de acordo com as diferentes culturas.

No século XVI, o homem “normal” é considerado o homem normativo, constituído de acordo com as normas determinadas pelos padrões de normalidade que incluía uma minoria com características que se enquadravam na estatística do ser humano médio. Ainda neste período, as

19 Para Foucault (1999), os jogos de verdade são um conjunto de regras de produção de verdade, referindo-se tanto a um modelo de ciência quanto a uma prática de controle institucional.

visões e posturas acerca da deficiência e da loucura oscilavam entre o sobrenatural e o interesse médico, sendo que as explicações médicas foram se expandindo nas questões referentes à deficiência. Ferraz (2007) destaca que a tese da organicidade, ou seja, a compreensão médica de que a deficiência estava ligada ao déficit orgânico contribuiu para o surgimento de ações de tratamento e ensino ao deficiente; porém, no modo de agir frente a essas pessoas, ainda prevaleciam a segregação, o isolamento associado à precariedade de assistência e ausência do atendimento educacional.

No século XVII, os sujeitos de conduta anormal ficariam isolados da sociedade como forma de controle da ordem social. Para isso ocorrer, foram criados os hospícios, sendo internados os mais diferentes tipos de desajustados: insanos, criminosos, mulheres de conduta extravagante e as diversas pessoas com variados tipos de deficiências (Ferraz, 2007).

A fase da institucionalização, século XVIII até meados do século XIX, foi marcada pela criação de hospitais psiquiátricos e asilos-escola. Para Ferraz (2007), a medicina começa a possuir um poder-saber que, anteriormente, estava ligado à religiosidade, sendo destacados neste momento os mecanismos de adaptação e normalização dos sujeitos diferentes. Em meados do século XIX, a idiotia20, segundo Pessotti (1999), era concebida como entidade fisiológica e

psíquica, recebendo diferentes graus, o que auxiliava sua classificação.

Foucault (1972) destaca que os sujeitos considerados insanos eram institucionalizados em leprosários, depois em asilos ou hospitais gerais e, no final do século XIX, em instituições especializadas com projetos educativos de reabilitação ou reeducação. Assim sendo, segundo

20 Na época, idiota era a categoria que servia para abrigar toda sorte de deficiências mentais. Segundo Pessotti (1999), Pinel, em 1809, define idiotismo como “carência ou insuficiência intelectual” (p.57).

Mendes (1995), a pessoa com deficiência, apesar de ser vista como alguém com direitos e possibilidades educativas, era segregada socialmente, vivendo, então, em instituições.

Segundo Dechichi (2001), o final do século XIX foi uma época em que se buscou a redução da segregação da pessoa com deficiência, enfatizando a inserção dessas pessoas em escolas especiais. Para Coutinho e Aversa (2005), “as práticas antimanicomiais têm como objetivo não somente a humanização das relações entre sujeitos, sociedade e instituições, mas também a construção de um outro lugar social para a loucura” (p.36).

Mendes (1995) e Dechichi (2001) ressaltam que a década de 70 foi marcada pelo movimento mundial de integração social das pessoas deficientes, tendo como objetivo integrar esses indivíduos em ambientes educacionais, os mais próximos possíveis daqueles oferecidos pela cultura à pessoa considerada normal. Segundo Coutinho e Aversa (2005), os movimentos de inclusão escolar surgem como uma extensão do movimento antimanicomial que, “se para os adultos representou a queda dos muros dos hospitais e o esforço de circulação social, para as crianças representou a possibilidade da escolarização regular” (p. 36).