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III. Título.

3 ESCOLHAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS

3.3 QUANTO AS ESCOLHAS TEÓRICAS E AS CATEGORIAS EMPÍRICAS

3.3.4 A Autonomia Administrativa

No texto da Política Nacional de Educação está expressa que a gestão democrática implica a efetivação de novos processos de organização e gestão que valorizem os processos coletivos e participativos de decisão nas escolas (MEC, 2004). Prevê que a autoridade e a responsabilidade do funcionamento do estabelecimento escolar sejam divididas entre o município (Secretaria de Educação) e os responsáveis do estabelecimento escolar (Diretor, professor, Conselhos, alunos, pais e comunidade em geral), devendo todos atuar de forma colaborativa.

O artigo 12, Inc. II da LDB/96 prevê, para os estabelecimentos de ensino, a incumbência de administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros. Contudo, não estão claros os limites desta incumbência, isto é, o grau de responsabilidade administrativa transferida à escola que pode ir do simples controle de ponto até a alocação de recursos humanos.

A discussão na literatura sobre autonomia administrativa está sempre vinculada a discussão sobre gestão, e para Libâneo (2003, p. 318), gestão é, “[...] atividade pela qual são mobilizados meios e procedimentos para atingir os objetivos da organização, envolvendo, basicamente, os aspectos gerenciais e técnico-administrativos [...]” (esta envolve o exercício das funções administrativas de planejar, organizar, dirigir e controlar). Este entendimento sobre gestão, por sua vez, assume, na maioria das vezes, um caráter prescritivo, observando indicações do que fazer, do como gerenciar e quais procedimentos e instrumentos podem favorecer o sucesso das organizações.

Entretanto, esta pesquisa assume a gestão de forma mais ampliada, consoante com os trabalhos de Reed (1984), Giddens (1990) e Junquilho (2001) envolvendo as dimensões social e política e não somente a racionalidade técnica e administrativa apontada por Libâneo (2003). Isto é, a gestão caracteriza-se como um fenômeno multidimensional, que sofre influências do ambiente externo e interno e é condicionada por esses fatores.

O planejamento introduzido como instrumento de gestão escolar toma, entretanto, na maior parte das vezes, uma direção preponderantemente normativa, privilegiando a prescrição de caminhos e estratégias a serem utilizadas no processo de tomada de decisão. Esta visão de planejamento é corroborada por Libâneo (2003, p. 318) que, por exemplo, destaca o planejamento como uma ferramenta necessária para se tomar decisões antecipadas, atuando de forma racional, a partir da plena consciência sobre as alternativas existentes para o fim específico que se pretende alcançar.

Por outro lado, apesar desta normatividade apontada por Libâneo (2003), considerando a visão ampliada de gestão adotada por esta pesquisa, Santos (2002) aponta aspectos que contribuem para o insucesso da prática do planejamento: a instabilidade política gerada pelas acirradas contradições de interesses; a visão imediatista dos governos; a escassa visão política dos técnicos; o burocratismo dos sistemas administrativos; somado à rigidez para a implantação do processo de planejamento. Ou seja, na visão deste autor, apenas a racionalidade instrumental não é suficiente para dar conta da gestão, pois esta é um fenômeno relacional e societal (JUNQUILHO, 2001).

Santos (2002) ainda admite que o planejamento deva ser decorrente de um processo de discussão entre os diferentes atores, para que a proposta seja produto dos diferentes interesses e, por consequência, possa ser mais aceita por todos: pelos que têm poder de decisão, os políticos e principalmente pela comunidade, cujas ações a serem desenvolvidas são a ela destinadas. Isto envolve capacidade do gestor em mobilizar pessoas, numa ação coordenada para alcançar os objetivos pretendidos, ressaltando, inclusive, que, ao tratar-se do planejamento escolar, há uma dimensão pedagógica, o que implica em considerar os objetivos relacionados com as diretrizes institucionais.

Parente e Luck (1999) também concordam com este entendimento e consideram que o planejamento escolar é um elemento básico para a organização da gestão autônoma, pois se constitui em um mecanismo que contribui para com o fortalecimento do processo de decisão. O produto deste planejamento, ou seja, os planos e programas registram as diretrizes pedagógicas, administrativas e os recursos financeiros, conformando-se em um conjunto de projetos, ações e atividades a serem desenvolvidas pela escola.

Nesta linha de discussão, apontando para o papel da organização e da direção escolar, Libâneo (2003) considera que o papel do diretor escolar é significativo para a consecução dos objetivos da escola. Por esta razão, toma corpo a discussão sobre as formas e critérios para a

escolha do diretor escolar, por considerar que esta deva ser da responsabilidade de toda a comunidade escolar. Contudo, ainda que se observe um relativo consenso quanto à relevância do papel do diretor, alguns autores (PARO, 1996; TORRES; GARSKE, 2000; LIBÂNEO, 2003; ROCHA, 2006) consideram que o sucesso da escola não depende unicamente da pessoa do diretor, mas, sobretudo, da forma como ele desenvolve seu trabalho, no sentido de agregar pessoas em torno dos projetos escolares (LIBÂNEO, 2003). Neste contexto, a escolha de diretores escolares é vista como uma oportunidade de consolidação da autonomia administrativa, sendo encarada como um mecanismo de rompimento com as indicações políticas dos dirigentes escolares, historicamente relacionada à barganha política (PARO, 1996; TORRES; GARSKE, 2000; LIBANEO, 2003; BORGES, 2006; MARQUES, 2006; ROCHA, 2006).

Este critério passou a ser fortemente reivindicado pelos estabelecimentos escolares já nos anos 80, associado à retomada das eleições diretas no Brasil para governadores, em 1982 (PARENTE; LUCK, 1999; TORRES; GARSKE, 2000). Apoiado em certa medida pela reconquista da escolha dos dirigentes políticos (Presidente da República, Governadores, Prefeitos, Senadores, Deputados e Vereadores), que levou ao entendimento da sociedade e, mais especificamente, dos estabelecimentos escolares, que a prática de escolha do dirigente escolar também deveria estar pautado em ideais mais democráticos e participativo, concedendo ao estabelecimento escolar e à comunidade, a autonomia para escolher seu próprio dirigente (PARENTE; LUCK, 1999; MARQUES, 2006).

É de domínio público que o critério que sempre prevaleceu para ocupação de cargos desta natureza, era o da indicação política, feita principalmente por prefeitos, vereadores e Secretários Municipais de Educação com forte viés político partidário.

Contudo, de acordo com Paro (1996), as mudanças políticas operadas na sociedade brasileira, nas últimas décadas, fizeram com que a institucionalização da eleição direta para escolha dos diretores dos estabelecimentos escolares passasse a ser uma bandeira dos políticos brasileiros, de todas as matizes partidárias, sintonizados como os ideais democrático- participativos explicitados na legislação brasileira e reivindicado pelos movimentos sociais organizados.

Ainda segundo Paro (1988 apud FRANCO et al., 2007), essa reivindicação de eleição para diretores faz parte das políticas educacionais de segunda geração que dão ênfase à democratização da escola.

Entretanto, os mecanismos utilizados para essa modalidade, segundo Parente e Luck (1999), têm sido distintos. Em pesquisa realizada, por estes autores, em unidades de ensino fundamental no âmbito estadual no Brasil, foram observados que a escolha dos seus diretores se dá por meio de diferentes estratégias e critérios tais como: realização de prova de conhecimento, concurso público, qualificação profissional e análise do currículo do candidato; e sistema misto, constituído da adoção de critério técnico e eleição direta. Contudo, ainda que os resultados encontrados pelas autoras apontem para uma crescente democratização do processo de escolha do diretor escolar, em alguns Estados, a indicação e nomeação direta pelas lideranças políticas locais continua sendo uma prática recorrente.

Esta situação é também confirmada em pesquisa realizada por Paro (1996), quando identificou que, apesar da institucionalização de processos eletivos para escolha de dirigentes escolares, em algumas localidades continuam sendo observadas práticas clientelistas, protagonizadas, principalmente, por vereadores, em troca de apoio eleitoral.

Alves (2007 apud FRANCO et al., 2011), em sua tese de doutorado, verificou que as redes de ensino fundamental que implementaram o processo de seleção e eleição para escolha de diretores escolares têm, em média, o aumento de 6,31 pontos no desempenho, se comparado às redes onde a escolha dos diretores é realizada por indicação, destacando a estimativa pontual negativa para a variável escolha direta por políticos sobre o desempenho escolar. A autora utilizou, para esta análise, os resultados do desempenho médio na 4ª série do ensino fundamental das redes de ensino estaduais e municipais das capitais brasileiras. Vale ressaltar, entretanto, que os coeficientes estimados para os demais processos de escolha não foram estatisticamente significativos.

As evidências de mudanças na gestão escolar no Brasil, para Borges (2006), sugerem que a probabilidade das autoridades subnacionais promoverem uma gestão mais aberta à participação da comunidade escolar, será maior naqueles casos em que a competição entre as elites políticas for mais frequente e intensa. O argumento central do autor, elaborado a partir de sua pesquisa, visa explicar a variação nos critérios de escolha para o cargo de diretor escolar, após o retorno da democracia.

Na visão de Torres e Garske (2000a), ainda que na prática a escolha para dirigente escolar esteja impregnada da cultura patrimonialista, tão enraizada na cultura brasileira, isto não invalida totalmente o processo.

Em concordância com estes autores, defende-se, nesta pesquisa, que é por meio de processos mais democráticos e participativos que esta cultura poderá ser minimizada e a autonomia da escola poderá ser conquistada.