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III. Título.

3 ESCOLHAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS

3.3 QUANTO AS ESCOLHAS TEÓRICAS E AS CATEGORIAS EMPÍRICAS

3.3.3 A Autonomia Financeira

A criação do Fundef, posteriormente transformado em Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Magistério (Fundeb), foi criado em 1996, como forma de estimular a descentralização da política de ensino fundamental para as esferas subnacionais.

Inicialmente, o programa previa tão somente recursos para o ensino fundamental, excluindo a educação infantil. Esta exclusão, segundo Franco e colaboradores (2007), induziu ao aumento de crianças de 6 anos nas séries iniciais do ensino fundamental e estimulou a ampliação de 8 para 9 anos o ensino nesta modalidade.

Para Carneiro (2010), a autonomia financeira é o coração para concretização da descentralização da política de ensino fundamental, onde a capacidade de alocação e administração de recursos deve ser encarada como uma questão central.

A pedra fundamental que deu a constituição do Fundef foi a EC n° 14/96, em modificação aos Arts. 34, 208, 211 e 212 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1990) e a nova redação do art. 60, que trata das Disposições Transitórias.

Esta emenda priorizou a atuação no ensino fundamental pelos municípios, pôs em evidência a necessidade de criação de um fundo, sua composição financeira e a complementação de recursos pela União, sempre que a unidade federada não alcançasse o

14 O Fundef foi constituído pela EC n° 14/96 que modificou os arts. 34, 208, 211 e 212 da CF/88 e deu nova

redação ao art. 60 como mecanismo de indução à descentralização da política de ensino fundamental às esferas locais.

15 O PDDE foi editado pela Medida Provisória n° 2.178-36, de 24/08/2001, em transformação ao antigo

valor mínimo definido nacionalmente de investimento por aluno, funcionando, desta forma, como indutor às esferas subnacionais, na adesão da implementação desta política.

Esta orientação se consolidou com a Lei n° 9.424, de 24 de dezembro de 1996, bem como pelo Decreto n° 2.264, de 27 de junho de 1997 que constituiu o Fundef.

Com a institucionalização do Fundef, uma série de mudanças aconteceu, entre elas, afirmam Castro, Barreto e Corbucci (2000), o aumento da matrícula inicial no ensino fundamental sob a responsabilidade das redes municipais. A título de exemplo, no biênio 1995/96, o crescimento da matrícula inicial nas redes municipais foi de 4,1%, ao passo que nos dois anos seguintes, após a institucionalização do Fundef atingiu 13,9% e 21,5% respectivamente, apresentando decréscimo na matrícula nas outras redes de ensino.

O Fundef é um fundo contábil constituído por 15% dos recursos provenientes das seguintes fontes:

a) parcela do ICMS16, de acordo com os preceitos estabelecidos pelo artigo 155, inciso II, combinado com o artigo 158, inciso IV, da CF/88;

b) Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE), e dos municípios (FPM), previstos no art.159, inciso I, alíneas “a” e “b”, da CF/88, e no Sistema Tributário Nacional de que trata a Lei n°5.172, de 25 de outubro de 1966; e

c) parcela de imposto sobre produtos industrializados, devida aos Estados e ao Distrito Federal, na forma do art. 159, Inciso II, da Constituição Federal e da Lei Complementar n ° 61, de 26 de dezembro de 1989.

Este fundo foi criado para suprir as deficiências com a gestão no ensino fundamental e, desta forma, descentralizar a política e cumprir com a obrigatoriedade Constitucional de o município aplicar, no mínimo, 25% das receitas de impostos e das transferências na educação. O Fundef obriga alocar 60% desses recursos no ensino fundamental, subvinculando 15% das receitas para esse nível de ensino.

Estabelece, também, critérios de aplicação para a profissionalização do magistério, definindo que, no mínimo, 60% dos recursos subvinculados ao ensino fundamental sejam destinados à remuneração dos profissionais do magistério, entendendo, também, como trabalhadores aqueles que exercem atividades na direção e administração escolar.

16ICMS – Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de

Importante também observar que o art. 6° desta lei, obriga a União a complementar os recursos à unidade federativa, cujo valor não alcançar o mínimo definido nacionalmente. Inicialmente, a lei fixou para o primeiro ano da vigência, o valor mínimo anual de R$ 315,00 (trezentos e quinze reais) por aluno.

Segundo Castro, Barreto e Corbucci (2000), em 1998, a União transferiu R$ 424,95 milhões sob a forma de complementação para que fosse atingido o valor mínimo per capita estabelecido. Oito foram às unidades federadas contempladas com esses repasses, sendo sete do nordeste e uma do norte. Isto demonstra as distintas capacidades financeiras dos municípios na alocação de recursos para esta finalidade.

Todavia, ainda que haja cobertura pelo governo federal de um custo mínimo por aluno, Carneiro (2010) afirma que a cifra é irrisória, se comparada com valores praticados pelos países que obtiveram a generalização do acesso e permanência no ensino fundamental.

Como já salientado, o Fundef foi substituído pelo Fundeb, estendendo seu financiamento do ensino fundamental para o ensino médio, a educação infantil e a educação de jovens e adultos. Essa mudança trouxe impacto significativo aos Estados e municípios e nos padrões de despesas, que deixaram de ser exclusivamente ao ensino fundamental, passando a ser compartilhados com essas outras categorias (OCDE, 2010).

Por um lado, Carneiro (2010) argumenta que houve um relativo aumento da participação da União na constituição do fundo, que vedou à instância federal, a utilização do salário-educação para suprir a sua parte na composição do fundo como ocorria anteriormente. Por outro, o autor complementa, ainda, que o financiamento da educação, se efetivamente aplicado, melhora a situação atual, mas não chega a resolver o problema. Isto é, a ampliação de recursos permitirá, no máximo, atender a um número maior de alunos. Entretanto, em condições não muito menos precárias que as atuais, os professores trabalham em regime de hora-aula, com classes numerosas e são obrigados a ministrar muitas horas de aulas semanais para compensarem os baixos salários que vigoram nos municípios e Estados.

Em relatório emitido pela OCDE (2010), sobre a educação no Brasil este organismo internacional apresenta, como um dos principais desafios do Fundeb, no Estado de Santa Catarina, a competição entre os sistemas escolares das redes municipais e estaduais. Consideram que, com a inclusão de todas as modalidades de educação básica para usufruir do fundo, os limites de responsabilidades das escolas governamentais ficaram obscurecidos. Isto

é, a educação infantil, o ensino fundamental e o Ensino de Jovens e Adultos (EJA), não estão desenhados de forma precisa. E como a municipalização do ensino fundamental é uma prioridade no Estado, as redes municipais e a estadual competem pelos mesmos recursos, ao invés de cooperarem.

Sobreira e Campos (2008), realizando uma análise dos efeitos da política do Fundef sobre o desempenho dos alunos da rede pública de ensino fundamental brasileira, constataram que o Fundef tem seus méritos, no sentido de assegurar a descentralização e dar sustentabilidade ao ensino fundamental, todavia, é visível que a qualidade da educação ainda está distante. Para os autores, o investimento público é um importante instrumento para a reversão desse quadro caótico em que se encontra a educação no Brasil, para descentralizar a política, mas não é a solução integral.

Corroborando este pensamento, Franco e colaboradores (2011) reconhecem que o acesso ao ensino fundamental foi fortalecido pelo sistema de incentivos, proporcionado pelo financiamento do Fundef descentralizando a política. Entretanto, dizem os autores, para o desafio da qualidade, estas propostas políticas não se mostram eficazes como o foram para a descentralização e a universalização da educação fundamental.

Vasquez (2007), numa análise sobre a política de correção das desigualdades interestaduais, avalia a capacidade deste fundo de promover uma política nacional de equidade. Sua conclusão é de que a falta de liberdade na aplicação dos recursos, por razões legais ou estruturais, impede que estes sejam canalizados para determinadas áreas, e fique na dependência das decisões de quem está no poder. Isto é, a descentralização de recursos financeiros não é suficiente nem para corrigir as desigualdades regionais ou inter-regionais, em face da falta de poder de decisão sobre a aplicação dos recursos, constrangendo a institucionalização da autonomia tão anunciada.

Numa investigação realizada por Rodrigues (2007), sobre os gastos públicos municipais como instrumento de análise político-ideológica, o autor, ao longo do seu trabalho, desenha o perfil dos partidos políticos no poder, por meio da variável “gastos públicos municipais por função de governo”, durante duas gestões em Santa Catarina. Os resultados de suas análises evidenciaram que as preferências alocativas dos governos não são privilegiadas no exame dos municípios catarinenses, pois a margem de manobra na alocação dos recursos é muito pequena.

A transferência de recursos “carimbados”, como são classificados os recursos que têm destino definido previamente pelo financiador, que possui como intenção a de impedir ou reduzir o desvio de recursos públicos, acaba por constranger a autonomia da escola, reduzindo sua capacidade de decidir sobre a alocação dos recursos financeiros, na solução de problemas específicos que surgem no desenvolvimento das atividades de ensino.

Esta constatação levou o governo federal brasileiro, com o intuito de ampliar a autonomia financeira da escola, a implantar o Programa Dinheiro Direto na Escola

(PDDE). Inicialmente este programa se chamava Programa de Manutenção e

Desenvolvimento do Ensino Fundamental (PMDE) e também visava o incentivo à institucionalização de Conselhos escolares. Em 200117 passou a se chamar PDDE.

O PDDE compõe o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e sua finalidade é prestar assistência financeira suplementar às escolas públicas do ensino fundamental das redes estaduais, municipais e do Distrito Federal e às escolas de educação especial, qualificadas como entidades filantrópicas ou por elas mantidas, desde que registradas no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) (MP-2.178-36,2001). O objetivo é melhorar a infraestrutura física e pedagógica, reforçar a autogestão escolar e elevar os índices de desempenho da educação básica (MEC, 2009a).

Este programa atua na transferência de recursos, calculado com base no número de alunos matriculados no ensino fundamental, de acordo com o censo escolar do ano anterior. O dinheiro deve ser aplicado na aquisição de material permanente, manutenção, conservação e pequenos reparos da unidade escolar; aquisição de material de consumo para o funcionamento da escola; na avaliação de aprendizagem; implementação de projeto pedagógico; e no desenvolvimento de atividades educacionais (MEC, 2009a).

Esta iniciativa vem corroborada pela LDB/96, art. 75, § terceiro, em que “[...] a União poderá fazer a transferência direta de recursos a cada estabelecimento de ensino, considerando o número de alunos que efetivamente frequentam a escola [...]”. (MEC, 2009b).

Pesquisa realizada sobre o PDDE por Alves (2007 apud FRANCO et al., 2011) em sua tese de doutorado, com foco na qualidade do ensino fundamental em instituições públicas nas capitais brasileiras, revelou que os recursos do PDDE contribuem para a qualidade das escolas que o recebem. Entretanto, não foram significativas a ponto de suprir todas as necessidades de

demanda da escola. Isto é, a insuficiência de recursos financeiros continua sendo um fator de manutenção da dependência financeira da unidade escolar às instâncias de poder superior.

Vale registar que o cálculo do valor a ser repassado pelo PDDE para as escolas, baseia- se no número de alunos matriculados. Assim, em uma pesquisa exploratória realizada por esta pesquisadora em um município catarinense, das 04 (quatro) escolas investigadas, 02 (duas) pequenas e 02 (duas) grandes, verificou-se que as escolas de porte maior, por receberem mais recursos do PDDE, possuem uma autonomia financeira maior frente ao município. Ao contrário, observou-se maior dependência dos municípios, as escolas de pequeno porte, por receberem menos recursos e estes não serem significativos, a ponto de ampliar sua autonomia financeira.

Vale salientar que este programa, assim como o Fundef, também apresentou modificações, ampliando os recursos para toda a educação básica a partir de 2009, reduzindo assim, os recursos canalizados ao ensino fundamental.

Em 2010, o PDDE aportou R$ 1,4 bilhão para o desenvolvimento das ações definidas como prioritárias pelo governo central e o previsto no orçamento do ano de 2011 foi um aporte de R$ 1,5 bilhão. (MEC, 2011d).

O PDDE também atua sobre ações atreladas à qualidade onde as escolas públicas de educação básica que não apresentaram desempenho satisfatório no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Para receber estes recursos estas escolas precisam ter aderido ao Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação e planejado a implementação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) na escola (MEC, 2009a).

As escolas públicas com baixo desempenho no IDEB em 2007, receberam em 2011 entre R$ 15 mil até R$ 75 mil, variando de acordo com o número de alunos matriculados. E as escolas públicas com desempenho abaixo do estipulado no Ideb de 2005, ou que ficaram abaixo da média nacional de 2007, receberam em 2011, de R$ 10 mil até R$ 37.500, dependendo do número de alunos matriculados (MEC, 2011d).

O responsável pelo financiamento, normatização, coordenação, acompanhamento, fiscalização, cooperação técnica e avaliação da efetividade da aplicação dos recursos é o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Ele repassa os recursos diretamente para as Secretarias de Educação dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, desde que as escolas não possuam Unidades Executoras (UEx) e para entidades

mantenedoras, quando o recurso for para escolas privadas de educação especial (MEC, 2009c).

A UEx é constituída por uma sociedade civil com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos e pode ser instituída por iniciativa da escola, da comunidade ou de ambas.

O governo federal incentiva fortemente a criação de UEx, em escolas públicas com mais de 50 alunos, para receberem os recursos direto do PDDE e como forma de promover a autonomia financeira. Somente as escolas que não atendam aos requisitos estabelecidos é que o recurso é repassado diretamente para as Secretarias de Educação (MEC, 2009b).

O mais importante é que a UEx seja composta por representantes de diferentes segmentos: pais; alunos; funcionários; professores; e membros da comunidade. A ideia é consolidar a participação de todos na sua constituição e na gestão pedagógica, administrativa e financeira (MEC, 2009a).

Na prática, o que se tem observado é que a denominação das UEx têm variado, sendo comum encontrar: Caixa Escolar; Associação de Pais e Professores (APP); Associação de Pais e Mestres (APM); e Círculo de Pais e Mestres, atuando como unidades executoras (MEC, 2004).

Esse mecanismo demonstra claramente a inter-relação entre autonomia, gestão democrática e participativa. Inclusive, em pesquisa realizada por Parente e Luck (1999), para verificar as estruturas de gestão colegiadas existentes nas escolas estaduais de ensino fundamental, as pesquisadoras constataram além das já mencionadas, a existência de: Conselho Escolar; Associação de Apoio à Escola e Associação de Apoio; Colegiado Escolar; Associação Escola-Comunidade; Cooperativa Escolar; Conselho de Educação; Direção da Escola; Conselho Deliberativo Escolar; e Congregação que também funcionam como UEx.

Para o MEC, independente do tipo de nomenclatura utilizada para denominar a UEx, o importante é a sua função, de receber e gerir os recursos financeiros para a escola de forma participativa, ainda que incentive a criação de Conselhos escolares para desempenhar outras funções além de UEx do PDDE.

Desta análise percebe-se que os recursos financeiros recebidos diretamente pela escola, por meio deste programa, se projetam como uma influência benéfica à autonomia financeira das unidades escolares, ainda que não supra todas as suas necessidades. Em

complementariedade à análise dos aspectos que envolvem a autonomia, na próxima seção discute-se aqueles relacionados à autonomia administrativa.