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Uma das questões essenciais é: de que autonomia tratamos? Como esta se interliga aos demais conceitos chave para democratização no contexto atual? Em continuidade às nossas reflexões, percorramos algumas conceitualizações assumidas pelos autores âncoras.

Para Libâneo (2003), autonomia é

o fundamento da concepção democrático-participativa de gestão escolar, razão de ser do projeto pedagógico, [...] faculdade das pessoas de autogovernar-se, de decidir sobre seu próprio destino.[...] Em uma instituição significa ter poder de decisão sobre seus objetivos e suas formas de organização, manter-se relativamente independente do poder central, administrar livremente recursos financeiros. [...] Precisa ser gerida implicando uma co-responsabilidade consciente, partilhada, solidária, de todos os membros da equipe escolar, de modo a alcançar, eficazmente, os resultados de sua atividade – formação cultural e científica dos alunos e o desenvolvimento das potencialidades cognitivas e operativas. (p. 115-116).

Este autor apresenta a autonomia como um dos princípios – e o fundamento – da concepção de gestão democrático-participativa. Em suas análises, propõe a dependência relativa do sistema escolar em relação às políticas e gestão educacionais, remetendo-nos às chamadas ações educacionais autossustentáveis, portanto de alcance limitado, posto que reduza o poder de decisão e intervenção dos sujeitos escolares apenas à sua instância primeira de atuação. Portanto, ao propor a participação dos sujeitos escolares, define campos e modalidades participativas que, à luz dos direcionamentos e definições do que intitula políticas globais, assume autonomia localizada, a nosso ver, pseudoautonomia.

A transferência de decisões para o âmbito da escola que desoneram o poder público de suas responsabilidades e, ao mesmo tempo, o indeferimento da participação daquela nas discussões e deliberações relativas a temáticas radicais como condições de trabalho, salários, qualidade da educação escolar, define ações desconcentradas e não descentralizadas. E, como

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entendemos, na desconcentração a autonomia não possui a solidez necessária à superação, portanto, não possui existência efetiva; daí a destacarmos como pseudoautonomia.

Lück (2006), por sua vez, discute que

o conceito de autonomia da escola está relacionado a tendências mundiais de globalização e mudança de paradigma que têm repercussões significativas nas concepções de gestão educacional e nas ações dela decorrentes. Descentralização do poder, democratização do ensino, autogestão, instituição de parcerias, flexibilização de experiências, sistema de cooperativas, multidisciplinaridade são alguns dos conceitos relacionados a essa mudança. Entende-se como fundamental, nesse conjunto de concepções, a mobilização da massa crítica devidamente capacitada, para se promover a transformação e sedimentação de novos referenciais de gestão educacional para que os sistemas de ensino e a escola atendam às novas necessidades de formação social a que cabe à escola responder. (p. 62).

O conceito de autonomia assim concebido gera inquietações significativas. Dentre elas destacamos o risco de se colocar em um mesmo processo – neste caso a GED – ações cujos alicerces são tão distintos, como é o caso de descentralização do poder e do sistema de

parcerias. O sistema de parcerias contrapõe a lógica da descentralização, desenvolvendo uma

gestão adjetivada como democrática. Tal fato fica ainda mais claro quando observamos, nos conceitos trabalhados pela autora, uma forte tendência à visão modernizadora de gestão, na qual à luz das tendências mundiais de educação – modelos gerenciais – estrutura-se a gestão em nível local, cujo enfoque direciona-se à desconcentração e assume uma função ideológica que avigora a cisão planejamento/execução, fortalecendo o controle centralizador tal qual se instaura no sistema atualmente preponderante.

Por sua vez, Gadotti (2000), ao conceitualizar autonomia, aclara seu diferencial em relação à autogestão, co-gestão e participação. Fortalece a não neutralidade, bem como o fato de estes conceitos terem suas raízes na ética, destacando o cuidado que devemos ter em não confundi-los. Para o autor, participar significa “engajar-se numa atividade já existente com sua própria estrutura e finalidade. Já a autogestão visa à transformação, e não à participação. Autogestão também não se confunde com a co-gestão36, pois esta significa direção conjunta de uma instituição, mantendo-se a mesma estrutura hierárquica” (p. 44).

36 Para Tragtenberg (2005, p. 55), “A co-gestão comporta co-decisão: uma decisão só pode ser tomada por concordância das partes; se houver representação desigual, pela maioria dos membros que compõem este órgão, ou seja, as duas partes têm o mesmo direito. [...] Co-gestão é entendida oficialmente como equilíbrio de poderes, tendo em vista o bom funcionamento da empresa.”

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Neste sentido, para Gadotti (2000), autonomia caminha junto à descentralização. Opõe-se à uniformização, admitindo a diferença e supondo a parceria; significa criação de novas relações sociais oponentes às relações autoritárias assentadas.

A ampliação da autonomia da escola não pode opor-se à unidade do sistema. Deve-se pensar o sistema de ensino como uma unidade descentralizada. [...] A luta pela autonomia da escola insere-se numa luta maior pela autonomia no seio da própria sociedade. Portanto, é uma luta dentro do instituído, contra o instituído, para instituir outra coisa. A eficácia dessa luta depende muito da ousadia de cada escola em experimentar o novo e não apenas pensá-lo. Mas, para isso, é preciso percorrer um longo caminho de construção da confiança na escola, na capacidade de ela resolver seus problemas por ela mesma e autogovernar-se. (p. 47).

Na defesa da construção de um novo padrão de governabilidade Gadotti propõe a quebra da gestão autocrática e a implantação de um novo modelo – democrático. Para isto, conta com a ousadia dos sujeitos das instituições educacionais escolares que, vivenciando esta nova realidade em meio a erros e acertos, criam novas relações sociais possibilitando a transformação dos indivíduos em cidadãos. O risco de fragilização se desnuda quando, por exemplo, ao tratar a complexidade da construção da autonomia, lançando a multiculturalidade como marca de intensa significância e superação da uniformização, traduzida na efetivação do projeto político-pedagógico da escola e na mudança de mentalidade, minimiza-se o quão enraizada está a proposta educacional que traz em sua base a reprodução da ideologia dominante, obviamente, sob o discurso transformador.

Neste sentido, a autonomia assume um poder superior na defesa da possibilidade de os problemas educacionais serem resolvidos no espaço e pelos sujeitos ali atuantes, restringindo a resolução de problemas às ações locais - entre os muros escolares. A impossibilidade de efetivação desta ação fortalece, a nosso ver, a ideia negada: uma autonomia de raiz neoliberal que, utilizando-se de mecanismos diversos, acaba perpetuando ações controladoras, fortes instrumentos a minimizar distorções dissimulando políticas excludentes pela via das parcerias e da implantação de programas e projetos preconcebidos pelos representantes do poder central.

Como observamos, a defesa da gestão democrática com o desenvolvimento de seus eixos condutores é ponto comum entre os autores em questão. Também comungam a negação da concepção técnico-científica, cujos processos administrativos condizentes são administração clássica burocrática e, mais recentemente, a gestão da qualidade total (GQT), com o desenvolvimento da administração empresarial nas escolas. Ao negar aquela

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concepção, identificam-se com a concepção sócio-crítica defendendo, entretanto, propostas práticas diferenciadas.

1.4 Proximidades entre as concepções em análise: o contexto escolar como