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Na prática, o que vemos acontecer neste processo de gerenciamento das escolas públicas com vias à sua eficiência e eficácia, é a criação de atividades rotineiras e burocráticas que esvaziam o conteúdo da escola, comprometendo a qualidade de ensino.

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Pelo próprio movimento da concepção gerencial junto à proposta de democratização do ensino na sociedade e pelas instabilidades pelas quais passam as escolas e o ensino público no país, o que temos acompanhado na atualidade é a dualidade: gestor autoritário, detentor do poder ou gestor democrático, próximo dos problemas educacionais, como se esta fosse uma questão pessoal, uma opção individual. Temos uma grande preocupação com esta ideia, posto que a mesma traga implícita uma gestão que pouco considera (se é que não desconsidera) os aspectos sociais, políticos, econômicos e históricos que constituem a gestão escolar.

A ênfase no indivíduo, segundo Lima (2004), acaba por colocá-lo como o responsável primeiro pelo sucesso ou fracasso da escola, assentando-a claramente a uma perspectiva mercadológica. Ora, esta perspectiva “aproxima-se da concepção da propalada Gestão de Qualidade Total (GQT), uma vez que atribui grande importância à satisfação do cliente (comunidade/aluno), ao papel de liderança exercido pelo diretor e ao envolvimento da comunidade.” (p. 84)

Vale lembrar que este profissional trabalha completamente envolvido e codependente do contexto, à mercê de fragilidades, não possuindo, portanto, a autonomia muitas vezes imaginada. Segundo Paro (2008), esta situação confunde as leituras das pessoas em relação ao contexto de fato, donde o administrador é sempre codependente das possibilidades – potencialidades, fragilidades, relações – que cercam a instituição escolar. Alguns problemas são facilmente resolvidos por surgirem em determinados momentos e apresentarem especificidades que permitam resoluções rápidas, ou, solicitações que chegam até ele e encontram uma conjuntura propícia à sua efetivação. Estes, muitas vezes, são vistos como profissionais interessados, competentes, democráticos. Em outras circunstâncias, nas quais problemas estruturais, sociais, econômicos e/ou políticos emperram as decisões e os encaminhamentos necessários ou solicitados pelo grupo, o administrador é visto como autoritário e inflexível. Muitas vezes pensa-se inclusive que a pessoa do administrador está passando por problemas que o fizeram tomar determinada atitude e não outra.

É certo que os perfis autoritários e conservadores existem, assim como os democráticos; contudo, nenhum deles está livre das amarras postas pela realidade. Em nossa concepção, não se trata simplesmente de perfil, de característica individual. Não há tamanho poder, autonomia e possibilidades no indivíduo, na pessoa, desvinculada do contexto no qual se insere. Esta é uma das ilusões liberais inculcadas (e assumidas) nos sujeitos sociais. Em se tratando de algo tão pessoal, não haveria como debater a GED, sequer como propô-la. É

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essencial exercitarmos esse olhar. Os projetos criam corpo e vida na prática e, para isso, carecem de condições materiais e humanas.

A materialização e a historicidade humanas constituem-se na convivência contraditória e dialética do viver em sociedade. Assim, a hominização é processo que se constrói mediado pelas relações dos homens entre si. A administração educacional escolar precisa superar a visão personalista, se objetiva superar o modelo conservador e instituir de fato a democratização. Além do que, não há como praticar a GED sem se conquistar a descentralização, um de seus pilares. Como discutir descentralização se a condição é pessoal? Se moldarmos esta questão – que é realidade em muitos contextos – e a naturalizarmos, estaremos acomodando a absolutização da administração.

Para que esta ideia seja superada, uma das temáticas a serem retomadas é a natureza da escola e em quais condições reais se constitui. Paro (2008) chama a este exercício incremento

da racionalidade da escola, acreditando ser esta a maneira de a mesma participar da

transformação social. Ao incrementar a racionalidade da escola, ela atinge os fins educacionais determinados utilizando-se para isto princípios, métodos e técnicas adequados. Este processo exigiria, por extensão, uma maior valorização do trabalho do professor, bem como a constituição prática de todas as necessidades para que a escola funcione com a qualidade necessária.

Paro (2008), citando Saviani, reforça as análises que tratam de uma das características próprias da educação, que é o fato de na mesma o produto não ser separado da produção59. Assim, enquanto se processa a aula, a aprendizagem também acontece, ou seja, a produção e o consumo são concomitantes. Esta característica – trabalho não-material – traz um diferencial único à prática educativa, que lhe permite, segundo os autores, impedir que o modo de produção capitalista se generalize no espaço escolar. Esta condição possibilita um refinamento na natureza do fenômeno educativo, para o qual Paro explora: o papel do

59 Paro (2008), apesar de concordar em partes com Saviani, destaca que o autor, ao defender que o trabalho imaterial da escola é assim definido pelo fato de o consumidor partilhar do momento da produção, alega que: “Acredito, entretanto, que a presença do consumidor, aí, não está necessariamente ligada a uma não-separação entre produção e produto, já que, [...] a partir de uma concepção abrangente de produto escolar, este pode sim separar-se do processo de produção. [...] Dizer que o aluno é o objeto da educação, implica vê-lo muito mais do que como simples consumidor; implica considerá-lo como verdadeiro „objeto de trabalho‟ do processo produtivo escolar, já que ele se constitui na própria realidade sobre a qual se aplica o trabalho humano, com vistas à realização do fim educativo.” (p. 141).

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educando no processo de produção pedagógica; o conceito de produto da educação escolar; e a natureza do saber envolvido no processo educativo escolar.60

Neste contexto, a administração escolar para a transformação social é vista como movimento de superação da administração autoritária reinante nas instituições educacionais escolares. A superação do modelo capitalista gerencial é, portanto, questão primeira. Para isto, é imprescindível que se utilize como ponto de partida a realidade posta, suas limitações, potencialidades, pontos de tensão, internos e em relação ao contexto social, econômico e político; a natureza e os objetivos da educação escolar; a diversidade dos sujeitos a constituírem-se autores no processo, dentre outros. A GED exige participação; porém, uma participação consciente, direcionada à transformação social.

Diante disso, Paro (2008) reforça: a importância de os envolvidos terem ciência das condições anteriormente descritas; o domínio de conhecimento técnico por parte do administrador; as condições concretas para que a participação aconteça de fato; a apropriação do saber historicamente acumulado conciliado ao desenvolvimento da consciência crítica do contexto e as relações nele estabelecidas. A atuação do gestor escolar comprometido com a transformação social deve considerar o conhecimento técnico tecido junto à consciência política transformadora para a construção de uma nova modalidade gestora. Nem a gestão nem a escola são instâncias redentoras da sociedade, mas são parte imprescindível à ação dos sujeitos na/para a construção de uma sociedade mais politizada e mais consciente, na qual a autoria dos sujeitos seja aspecto radical.

Paro (2008) emprega a nomenclatura racionalidade interna para definir a construção de um pilar que aborde a utilização racional de recursos para alcance dos objetivos educacionais propostos pela escola, sua natureza, seu sentido de existir. Destaca que tais objetivos, se alcançados, transcendem os limites da escola, repercutindo na vida social –

racionalidade externa ou racionalidade social – de maneira questionadora e avessa ao

modelo autocrático instalado. É o desenvolvimento da práxis administrativa transformadora. Há que se lembrar que este processo, ainda idealizado, deve considerar cada um dos pontos nodais existentes para que sua concretização seja possível, sob o risco de mais uma vez criarem-se propostas, projetos, reformas, coletividades, que fiquem na superficialidade não colaborando para o debate e a conscientização referentes à raiz da questão. Tais ações são

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por nós consideradas indispensáveis se o que se pretende é a superação do modelo posto, donde as relações entre os contextos micro e macro são condições radicais à compreensão do projeto social e político implantado e da materialização de um novo projeto de sociedade e, consequentemente, de um novo projeto de GED.

Uma administração com base democrática só conseguirá se efetivar se alicerçada em ações pela democratização desenvolvidas em nível macro. Para isto, é preciso que os sujeitos assumam-se corresponsáveis no processo. A construção do novo trabalhador coletivo é um desafio e deve ser enfrentado. Ir contra o administrador não auxilia; é preciso agir a favor da escola e da autoria dos sujeitos na defesa de uma educação e uma sociedade justa, coerentes com as propostas democratizantes, num processo de enfrentamento à democracia liberal e problematização recorrente do modelo implantado.

É um aprendizado urgente e necessário. O conhecimento é condição primordial. “É na práxis administrativa escolar, enquanto ação humana transformadora adequada aos fins educativos de interesse das classes trabalhadoras que se encontrarão as formas de gestão mais adequadas a cada situação e momento histórico determinado.” (PARO, 2008, p. 161).

Considerar as adversidades, as múltiplas determinações a que estamos expostos, o momento de calmaria vivenciado após tanta luta pela democratização, a necessidade urgente de se superar as condições subumanas em que hoje se encontram a maioria das escolas públicas do país, a precarização do trabalho do professor, o distanciamento das instâncias de educação superiores que, pela via dos profissionais pesquisadores, necessitam abrir canais de aproximação e superação das lacunas existentes entre esta instância e a educação básica... São alguns dentre os tantos desafios que temos diante de nós. Assumir esta responsabilidade é compromisso primeiro.

Assim, políticas públicas comprometidas com objetivos democráticos, constituintes de uma nova qualidade do ensino, não podem ignorar a necessidade de propor os meios adequados para a realização desses objetivos, dentre os quais se incluem mudanças na própria estrutura escolar, ou mesmo a instituição de uma estrutura didática e administrativa inteiramente nova. (PARO, 2007, p. 31).

Segundo Paro (2007), a qualidade da educação insere-se no campo ético/político, educação para a democracia, envolvendo a formação intelectual, o desenvolvimento da consciência crítica, a formação moral e a consciência ética, aquisição do saber–cultura. A constituição do sujeito em sua individualidade e em sua coletividade tem na escola um de

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seus espaços basilares de existir. Pesquisas demonstram que, muitas vezes, os próprios educadores têm dificuldades em definir o que seja qualidade de ensino. Ao serem perguntados sobre o papel da escola na contemporaneidade, se mostram confusos em responder61.

A própria individualização característica do neoliberalismo promove esta dificuldade de compreensão da complexidade e da propriedade dos sujeitos sociais na constituição histórica da humanidade, posto que os educadores assumam postura de busca aos culpados para as dificuldades enfrentadas, individualizando os poderes de ação tanto quanto os de superação destes problemas.

Estas questões são essenciais e carecem de uma base descentralizada e ética para acontecer. É importante que, para que as autorias sejam assumidas de fato, o exercício do poder descentralizado se instale. Lutar por isso é urgente. Esta é uma das condições que jamais será dada aos sujeitos sociais, devendo ser conquistada, construída. E, como dito anteriormente, é na fervura, fora da zona de conforto que se constroem processos democráticos. Entender-se e assumir-se autor significa assumir responsabilidades, compromissos, desafios. Neste plantio, além de se trabalhar muito, colhem-se louros, mas também erva daninha; obtêm-se ônus, mas também bônus; é preciso estar inteiro, entender que na práxis é que este projeto criará corpo, constituir-se-á.

É a efetivação da práxis na superação do grande vácuo conteúdo/forma. As amarras burocráticas são um dos grandes empecilhos. Já estão tão arraigadas aos modelos postos, que parece termos saído do movimento da indignação e entrado no de frágil reclamação isolada e resignada, com o agravante de corrermos em busca das conquistas exigidas socialmente, sob o risco de não sobrevivermos – no sentido literal do termo – a ele.