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Capítulo III: Os princípios da Biologia do Conhecimento e o ensino-aprendizagem

3.2. Autopoiese é fundamental no ensino-aprendizagem da Matemática

No capítulo primeiro, vimos a relevância da organização dos seres vivos e da autopoiese para a educação. Dando um passo além queremos mostrar como a autopoiese pode ajudar mestres e alunos no desempenho do ensino-aprendizagem da Matemática.

Enquanto organismo vivo, somos um sistema perceptivo e cognitivo. Somos criadores e transformadores do nosso próprio mundo interno.

O fenômeno do conhecer não pode ser equiparado à existência de fatos ou objetos lá fora, que podemos captar e armazenar na cabeça. A experiência de qualquer “coisa lá fora” é validada de modo especial pela estrutura humana, que torna possível “a coisa que surge na descrição”.

Tal encadeamento entre ação e experiência, tal inseparabilidade entre ser de uma maneira particular e como o mundo nos parece ser, indica que “todo ato de conhecer produz um mundo”. (MATURANA e VARELA, 1995, p. 68). E ao conhecer, produzimos o mundo na medida em que nos produzimos (autopoiese).

Werner Heinsenberg, físico alemão que instituiu o famoso princípio da incerteza escreveu: “O que observamos não é a natureza em si, mas a natureza exposta ao nosso método de indagação” (Folha de São Paulo, Suplemento Fovest, 2002, p. especial 2).

Essa observação faz compreender, por exemplo, explicações contrastantes sobre a natureza da luz. Em 1800, Thomas Young, médico e físico inglês, constatou, através de um singular experimento, que a luz solar, ao atravessar fendas bem finas, podia sofrer interferência (fenômeno típico dos movimentos ondulatórios). Young, com a experiência da dupla fenda, estabeleceu de maneira praticamente definitiva, que a luz tinha propriedades de ondas.

Albert Einstein, ao explicar o efeito fotoelétrico, que consiste em fazer saltar elétrons de alguns metais, por meio da incidência de luz ultravioleta, sugeriu que um raio

de luz seria análogo a uma rajada de balas, em que os projéteis de “partículas mínimas de luz ” chamadas fótons ao se chocarem com os elétrons do metal, faziam-nos saltar. Esse fenômeno não é explicado pela teoria ondulatória da luz. A energia com que esses fótons “arrancavam” os elétrons era proporcional à freqüência da luz incidente, sendo maior para a luz violeta e menor para a luz vermelha.

O que podemos concluir é que Young e Einstein explicaram de forma diferente a natureza da luz e ambos estavam corretos. Dessa forma, dependendo do experimento que o observador realiza, a luz pode se manifestar em ondas ou partículas.

Podemos até concluir, segundo Tarso Paulo Rodrigues (Folha de São Paulo, Suplemento Fovest, 2002, p. especial 2), que “as propriedades ondulatórias ou corpusculares da luz dependem da nossa interação com ela”.

Se Maturana e Varela já dizem que todo conhecer produz um mundo, o que podemos concluir é que Einstein com seu conhecimento produziu seu mundo e com sua experiência deduziu que a luz se manifesta através de partículas. (Era Einstein o observador). Young a seu modo, com sua experiência, deduziu que a luz se manifestava através de ondas. (Era Young o observador).

Em Matemática também observamos isto. O professor necessita ter preparo e sensibilidade para tratar seus alunos tendo presente que ambos aprendem a partir do seu mundo e produzem um mundo aprendendo.

Num teste7 que dei a uma turma de alunos meus, pedi que resolvessem da maneira mais lógica o conhecido problema do “velho e o rio”.

Um velho devia fazer passar de uma para a outra margem de um rio: um cachorro, uma galinha e um maço de couves. Ele só conseguiu encontrar uma embarcação que comportava ele próprio e um dos seus pertences. O velho logo percebeu que não podia deixar sozinhos, numa margem do rio, o cachorro e a galinha. Nem a galinha e o maço de couves. Como poderia o velho atravessar pelo rio os seus pertences?.

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Nessa dissertação tenho recorrido muitas vezes às minhas experiências em sala de aula, porque esse trabalho tem sido para mim um grande aprendizado no sentido de buscar aplicar na minha prática os

O aluno A respondeu o que se considerava mais lógico:

Primeiro ele leva a galinha, volta, e pega a couve. Quando ele for voltar para pegar o cachorro que ficou na primeira margem, ele pega novamente a galinha da segunda margem e volta com ela para a primeira margem deixando-a lá. Pega o cachorro e o leva para a segunda margem, e por último volta para a primeira margem para pegar a galinha. Assim todos estariam na segunda margem.

O aluno B respondeu da seguinte maneira:

O velho deveria fazer um assado da galinha e como acompanhamento picar a couve. Junto com o cachorro, o prato seria saboreado. Depois os dois, tendo a galinha e a couve guardado em segurança nos estômagos, atravessariam livremente o rio. Assim os 4 estariam na outra margem.

Segundo o aluno foi pedido somente que os pertences deveriam atravessar o rio sem especificar se cozidos, vivos ou mortos. Considerei as duas respostas certas. Nas duas, havia lógica. Ambos resolveram o problema de forma diferente, mas há coerência em ambas as respostas. Cada aprendente constrói a realidade a partir do seu mundo.

Um problema, em geral, possui diversos caminhos para que se chegue à solução. Lembro de um problema que resolvi com meus alunos da 2º série do Ensino Médio.

O enunciado era o seguinte: Como é possível retirar de um rio exatamente 6 litros de água dispondo apenas, para medir a água, de dois recipientes: um com 4 litros e outro com 9 litros de capacidade?”.

(Como os recipientes não são marcados, não há condição de colocar água até a metade).

1) Enchemos o vasilhame maior.

2) Derramamos o conteúdo do vasilhame maior no menor, até completá-lo. 3) Devolvemos ao rio a água do vasilhame menor, esvaziando-o.

4) Voltamos a derramar o conteúdo do vasilhame maior no menor, até completá- lo. Resta 1 litro de água no vasilhame maior.

5) Voltamos a esvaziar o vasilhame menor.

6) O vasilhame menor recebe o litro de água do vasilhame maior. 7) Tornamos a encher o vasilhame maior.

8) Despejamos água do vasilhame maior até completar o vasilhame menor. 9) Restarão 6 litros de água no vasilhame maior.

Um segundo aluno deu uma solução visual para o problema.

Um terceiro aluno poderia ter dado uma solução através de códigos conforme nos mostra o professor Bigode em seu livro Matemática Hoje é feita assim. (2000, p. 44).

Codificou: A = recipiente de 9 litros B = recipiente de 4 litros R = rio

A(5) = recipiente maior com 5 litros de água B(4) = recipiente menor com 4 litros de água

A Seta -> indicava a ação de esvaziar ou encher. 1. R -> A(9) 2. A(9) -> A(5) e B(4) 3. B(4) -> A(5) e B(0) 4. A(5) -> A(1) e B(4) 5. B(4) -> A(1) e B(0) 6. A(1) -> A(0) e B(1) 7. R -> A(9) e B(1) 8. A(9) -> A(6) e B(4)

A(6) é a resposta procurada

Com estas soluções, podemos levar o aluno a refletir, a ter seu próprio espaço, e com certeza a aula de Matemática não será monótona.

Se o aluno for protagonista da própria aprendizagem e construir a própria realidade (autopoiese), estará no caminho que vai fazer dele, em um futuro, alguém que irá exercer os seus direitos de cidadão.

A “falta de base” que foi citada por vários professores como uma das dificuldades apresentadas pelos alunos para a obtenção de um bom desempenho na Matemática, poderia encontrar na autopoiese uma ajuda.

Hugo Assmann (2001, p. 136) cita a autopoiese como um autofazimento, e explica que num sistema autopoiético existe a produção de ingredientes, componentes e padrões que regeneram continuamente através de suas transformações e interações, a própria teia que os produz.

A “falta de base” é uma falha que pode “ser regenerada”. A aprendizagem, num sistema autopoiético, irá produzir componentes que irão regenerar estas falhas, diminuindo as dificuldades dos alunos. E é esta “falta de base” que, na maioria das vezes, faz aparecer o “aluno evitante” conforme relato no capítulo II do prof. R. B.. A autopoiese pode ajudar a evitar que alunos fujam da Matemática por não conseguirem acompanhá-la.