• Nenhum resultado encontrado

Uma percepção mais clara do próprio conceito de autoria e de seus desdobramentos no campo dos periódicos científico pode ajudar na compreensão de problemas enfrentados por editores científicos e instituições interessadas na medição da produtividade científica com o fenômeno da autoria múltipla.

A figura do autor na literatura em geral, especialmente livros, evoluiu através dos

séculos, da punição à proteção (CHARTIER, 1998, p.32-39). Da necessidade de identificação, condenação e eventual punição do responsável pelas idéias disseminadas no texto, a figura do

autor evoluiu para o pensionista virtual a espera de que seus méritos fossem recompensados por uma pensão do seu mecenas. Autores que tentariam viver da sua pena só apareceriam no século XVIII, e neste mesmo século “o autor é reconhecido como detentor de uma

propriedade imprescritível sobre suas obras que exprimem seu próprio gênio. Esta não desaparece com a cessão do manuscrito àqueles que são seus editores” (CHARTIER, 1998, p.49).

Assim, no campo científico, o reconhecimento da propriedade do autor(es) sobre as suas obras vai distingui-lo(s), dependendo do valor distintivo e da originalidade, e contribuir para a acumulação de seu capital científico (BOURDIEU, 1983, p.130-132), e “reconhecendo a parte que lhes cabe na causa comum” (ZIMAN, 2000, p.44), por meio do reconhecimento do seu nome. “Publicar é o primeiro passo e parece representar um grande progresso na conquista de uma reputação” (OLIVEIRA, 1985, p.78).

2.5.1. Autoria em Ciência da Informação

Em relação à autoria na área de Ciência da Informação, um estudo com 163 artigos de todos os fascículos publicados em 1993 nos periódicos Journal of American Society for

Information Science, Information Technology and Libraries, Journal of Information Science e Program, dos Estados Unidos da América e Reino Unido, todos com boa reputação, avaliação

por pares, e conhecidos internacionalmente, mostrou algumas características da autoria na área de Ciência da Informação (SIDDIQUI, 1997, p.8-9, 13 e 20):

• os homens (70%) publicavam 3 vezes mais do que as mulheres (23,5%)15 embora a distribuição de sexo em associações de classe seja inversa, na American Library Association 75% dos membros são mulheres;

• em relação à afiliação o maior percentual é o de autores de bibliotecas acadêmicas (37,4%) seguido por autores de bibliotecas especializadas (22,4%) e faculdades de Biblioteconomia e Ciência da Informação (L&IS faculty) (21,8%);

• metade dos autores é de americanos (50,3 %), destaque para o meio oeste (25%), sudeste (21,6%) e nordeste (20,3) dos Estados Unidos da América, seguidos por autores do Reino Unido (20,7%).

15 O gênero foi obtido pelo primeiro nome do autor. Não foram identificados os gêneros de 6,5% dos autores.

Tais afirmações nos sugerem como perfil provável de autoria na área de Ciência da Informação nos Estados Unidos da América e Reino Unido em 1993 como homem de nacionalidade americana ou inglesa, com atuação profissional em bibliotecas acadêmicas ou especializadas, destacando que os autores acadêmicos são minoria (cerca de 20%).

Já Bohn (2003, p.7,9-10,14,16), em estudo mais recente analisando 86 artigos dos periódicos científicos brasileiros, Ciência da Informação, Encontros Bibli, DataGramaZero e

Informação e Sociedade, publicados em 2001, apontou características bem diferentes na

autoria:

• o maior volume de contribuições é de discentes e docentes de universidades, e profissionais de centros de pesquisas;

• o maior índice em relação à titulação é de doutores (45,36%), seguindo-se os mestres (18,56%), doutorandos (13,40%) e mestrandos (9,28%);

• a predominância de autoria individual (58,15% dos artigos e 37% dos autores), embora a diferença tenha diminuindo em relação aos artigos em parceria;

• as parcerias se estabelecem principalmente entre profissionais da mesma instituição e executando tarefas similares, com pouca integração entre professores

pesquisadores e bibliotecários atuantes em unidades de informação;

• a grande maioria dos artigos é em língua portuguesa (75,39%) e entre os artigos em outros idiomas metade é de autores americanos;

• está diminuindo a diferença do número de autoras, tradicionalmente maior, para o de autores;

• 45,35% dos artigos são de autoras (únicas e em parcerias), e 39,53% dos artigos são de autores (únicos e em parcerias), com apenas 15,12% dos artigos de autores de ambos os sexos;

• nos artigos em autoria única, há equilíbrio entre ambos os sexos (50% dos artigos para cada grupo);

• as bibliografias indicam uso preferencial de apoio de livros (36,98% das referências), artigos (31,22% das referências) e textos eletrônicos (12,57% das referências).

Tais dados sugerem um perfil de autor na área de Ciência da Informação no Brasil de professora com titulação mínima de mestrado que utiliza como apoio bibliográfico livros em português e artigos de periódicos em inglês ou português.

2.5.2. A autoria múltipla

Na sua forma mais comum o conceito de autoria múltipla, também conhecida na literatura científica como co-autoria, autoria colaborativa, autoria em parceria, ou

simplesmente colaboração, corresponde à crença dos editores de que “todo aquele que houver sido relacionado como autor terá contribuído de modo significativo para a pesquisa”

(MEADOWS, 1999, p.176). Já no entendimento da lei de direito autoral “considera-se como co-autor aquele cujo nome, pseudônimo ou sinal convencional for utilizado” (MARTINS FILHO, 1998, p.185).

Uma das questões importantes relacionadas com autoria múltipla é o da perda de valor distintivo apontada por Bourdieu (1983, p.132-133), uma vez que há uma redução do “valor distinto a cada um dos signatários” no processo de acumulação de autoridade científica. Isso nos ajuda a compreender estratégias “que visam minimizar a perda de valor distintivo” e explicam porque indivíduos que já possuem capital científico acumulado, laureados com o Prêmio Nobel por exemplo, não aparecem no início das autorias múltiplas como era de se esperar tal como observado por Harriet A. Zuckerman16 (BOURDIEU, 1983, p.132-133). Tais indivíduos aparecem no final das autorias múltiplas tendo menor destaque visual, o que é interessante para minimizar a perda de valor distinto, e por outro lado indicando uma "gentileza" com os demais autores, ou seja, noblesse oblige.

Outra questão relevante diz respeito a quem deve ou não constar como co-autor,

considerando o tipo de participação na pesquisa ou na publicação do artigo. Petroianu (2002, p.61) aprofunda-se na questão e propõe uma tabela de pontos (ver Tabela 1) para definir quem deve constar na lista de autores de um trabalho e em que ordem, sendo que aqueles que não atingirem sete pontos devem constar nos agradecimentos. Conclui que “o mérito da autoria científica deve ser restrito aos participantes que tiveram uma colaboração intelectual ao trabalho realizado, aliado a uma contribuição efetiva para a pesquisa ser realizada e concluída” (PETROIANU, 2002, p.60). Interessante notar a variedade de atividades

16 ZUCKERMAN, H.A. Patterns of name ordering among authors of scientific papers: a study of social symbolism and its ambiguity. American Journal of Sociology, v.74, n.3, nov.1968, p.176-291.

importantes para a elaboração de uma publicação científica e que podem ser executadas em colaboração.

Tabela 2 – Pontuação para autoria, de acordo com a participação no trabalho.

Participação Pontos

Criar a idéia que originou o trabalho e elaborar hipóteses 6

Estruturar o método de trabalho 6

Orientar ou coordenar o trabalho 5

Escrever o manuscrito 5

Coordenar o grupo que realizou o trabalho 4

Rever a literatura 4

Apresentar sugestões importantes incorporadas ao trabalho 4

Resolver problemas fundamentais do trabalho 4

Criar aparelhos para a realização do trabalho 3

Coletar dados 3

Analisar os resultados estatisticamente 3

Orientar a redação do manuscrito 3

Preparar a apresentação do trabalho para evento científico 3

Apresentar o trabalho em evento científico 2

Chefiar o local onde o trabalho foi realizado 2 Fornecer pacientes ou material para o trabalho 2 Conseguir verbas para a realização do trabalho 2 Apresentar sugestões menores incorporadas ao trabalho 1 Trabalhar na rotina da função, sem contribuição intelectual 1

Participar mediante pagamento específico -5

Terão direito a autoria os colaboradores que tiverem alcançado 7 pontos. A seqüência dos autores será em ordem decrescente de pontuação. Fonte: PETROIANU, 2002, p.61.

É importante ressaltar que, de acordo com Meadows (1999, p.109-110), os trabalhos mais citados são escritos em colaboração e, em geral, envolvem os pesquisadores mais

produtivos e eminentes, são mais visíveis e tem mais qualidade. Quanto à evolução da autoria múltipla, a tendência geral é de crescimento em todas as áreas, tanto no âmbito acadêmico como em empresas, embora seja maior nas ciências e menor nas humanidades.

A seguir passaremos a abordar em maior profundidade o conceito de colaboração científica, antes de abordar as diversas implicações da autoria múltipla na colaboração, na visibilidade e no impacto da literatura.

Documentos relacionados