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Desde os primórdios da Royal Society no século XVII o trabalho cooperativo era visto como um modo de promover novas pesquisas, especialmente entre pares (MEADOWS, 1999, p. 107). Na primeira metade do século XIX as atividades de Justus von Liebig da

universidade de Giessen (Alemanha) apontavam para o caminho que a colaboração iria cada vez mais seguir, ou seja, a cooperação hierárquica em equipes (MEADOWS, 1999, p. 108). Essa forma de trabalho científico em equipe como atividade orientada desenvolveu-se

efetivamente no século XX após a Segunda Guerra Mundial especialmente nas áreas de física nuclear e pesquisa espacial (MEADOWS, 1999, p. 108), sendo a pesquisa colaborativa uma das ênfases da chamada Big Science, junto com as equipes direcionadas para problemas interdisciplinares de importância global, requerendo instalações (facilities) e equipamentos caros (CRAWFORD, 1996, p.3 e HURD; WELLER; CRAWFORD, 1996, p.98-99)conforme visto anteriormente.

Os projetos de grande escala, experimentais ou de observação, são os que mais exigem colaboração, enquanto estudos teóricos são menos exigentes de cooperação em equipes, como a matemática.

Katz e Martin (1997, p.4) 9, sintetizaram relatos de outros autores com vários fatores a serem considerados para o crescimento da autoria múltipla em artigos:

1. mudanças nos padrões ou níveis de financiamento;

9 Os autores declaram que o trabalho é primeiramente sobre colaboração na "ciência", embora alguns argumentos possam ser aplicados na colaboração em ciências sociais (KATZ; MARTIN, 1997, p.1)

2. o desejo de pesquisadores de incrementar sua popularidade, visibilidade e reconhecimento;

3. expansão da demanda por racionalização da força de trabalho científica; 4. requisitos de instrumentação cada vez mais complexa;

5. incremento da especialização na ciência;

6. o avanço das disciplinas científicas o que significa que pesquisadores requerem mais e mais conhecimento para fazer avanços significativos, demanda que frequentemente só pode ser atendida com esforço conjunto;

7. a crescente profissionalização da ciência;

8. a necessidade de ganhar experiência ou treinar pesquisadores iniciantes de forma mais efetiva

9. o desejo crescente de obter fertilização cruzada entre disciplinas;

10.a necessidade de trabalhar em estreita proximidade física com outros de forma a beneficiar-se de suas habilidades e de seu conhecimento tácito.

Já Meadows (1999, p.108-109) apontou como razões básicas da colaboração científica apenas o crescimento e a especialização da atividade de pesquisa.

Katz e Martin (1997, p.4) advertem que alguns daqueles fatores por eles relacionados podem ocorrer com mais frequência do que outros. Deve-se considerar também que a colaboração é um processo social e como qualquer forma de interação social existem tantos fatores contribuintes quantos indivíduos envolvidos. O mesmo estudo aponta as seguintes razões para o crescimento da colaboração nos 20-30 anos anteriores (KATZ; MARTIN, 1997, p. 9):

1. escala de custos de condução da ciência básica (fundamental science) na fronteira de pesquisa. Os recursos têm que ser compartilhados a nível regional, nacional ou internacional, forçando a colaboração entre os pesquisadores envolvidos;

2. queda dos custos de viagens e de comunicação, acompanhada pelo crescimento da disponibilidade e facilidade de acesso;

3. a ciência é uma instituição social onde os avanços dependem crucialmente da interação entre cientistas. Em alguns campos isso obriga a criação de colaboração

formal enquanto em outros apenas ligações informais como “colégio invisíveis” e “redes”10;

4. a necessidade crescente de especialização em certos campos científicos,

especialmente naqueles que requerem instrumentação muito complexa. As várias tarefas necessárias para executar pesquisas em alguns campos da Big Science, como física de alta energia, são muito difíceis de serem bem executadas por uma só

pessoa. A abordagem da equipe é essencial com a divisão clara e formal de trabalho; 5. a importância crescente da interdisciplinaridade. Alguns dos avanços científicos

mais significantes são resultado de integração ou "fusão"11 de campos separados. Poucos indivíduos possuem a necessária habilidade nos diversos campos. A única opção é juntar cientistas de disciplinas relevantes e forjar a colaboração entre eles. Associado a isso os avanços em certas áreas de pesquisa básica são cruciais para o desenvolvimento de tecnologias genéricas, como biotecnologia e novos materiais. Tais pesquisas frequentemente envolvem colaboração não só entre disciplinas, mas também entre setores, i.e., universidades e indústrias;

6. fatores políticos que encorajam maior colaboração entre pesquisadores, como a integração européia a parir de 1992 e instituições internacionais do pós-guerra como o CERN, são vistos como formas de construir laços mais fortes entre nações por meio da colaboração.

A colaboração também é vista como uma forma de transmissão de capital científico “puro”12 (em oposição ao capital científico institucional):

“...extremamente difícil de transmitir na prática (ainda que, diferentemente do profeta, do costureiro ou do poeta, o grande pesquisador possa transmitir a parte mais formalizada de sua

competência científica, mas somente por um longo e lento trabalho de formação, ou melhor, de colaboração, que leva muito tempo; e mesmo se ele pode também, como todos os detentores de capital simbólico, "consagrar"13 os pesquisadores, formados ou não por ele, fazendo sua reputação, assinando com eles, publicando-os, recomendando-os para as instâncias de consagração etc.)” (BOURDIEU, 2004, p.36-37).

10 Destaque no original. 11 Destaque no original. 12 Destaque no original. 13 Destaque no original

2.4.1. Os níveis de colaboração científica

A cooperação direta entre dois ou mais pesquisadores é a unidade fundamental de colaboração, que tem outros níveis – entre grupos de pesquisa em um departamento, entre departamentos de uma instituição, entre instituições, entre setores, entre regiões geográficas e países. A maioria das políticas tem como alvo incentivar colaboração nos níveis mais altos (KATZ; MARTIN, 1997, p.9).

Além dos níveis de colaboração precisamos reconhecer também que a colaboração ocorre dentro e entre os diversos níveis, i.e., colaboração internacional e intranacional. Às vezes a colaboração não pode ser classificada claramente pois pode pertencer tanto a categoria intra como inter dependendo da perspectiva, i.e., a colaboração entre três instituições é

interinstitucional, mas se uma das instituições é de outro país ela passa a ser também

intranacional e internacional. Assim, dependendo do problema sob investigação podemos ter colaboração homogênea ou heterogênea (mistura de formas intra e inter), como na Tabela 1 (KATZ; MARTIN, 1997, p.10).

Tabela 1 – Diferentes níveis de colaboração e distinção entre formas inter e intra14

Intra Inter

Indivíduo - Entre indivíduos

Grupo Entre indivíduos de mesmo grupo de pesquisa Entre grupos no mesmo departamento Departamento Entre indivíduos ou grupos no mesmo

departamento

Entre departamentos na mesma instituição Instituição Entre indivíduos ou dep. na mesma instituição Entre instituições

Setor Entre instituições de mesmo setor Entre instituições de setores diferentes Nação Entre instituições de mesmo país Entre instituições de países diferentes

2.4.2. Benefícios da colaboração científica

Dentre os benefícios da colaboração científica destacam-se (KATZ ; MARTIN, 1997, p.15):

• o compartilhamento de conhecimento, habilidades e técnicas, assegurando um uso mais efetivo de talentos;

• a transferência de conhecimento, especialmente tácito, ou habilidades, como habilidades sociais e gerenciais necessárias para trabalhar em uma equipe; • o confronto de visões, a fertilização cruzada de idéias que por sua vez pode gerar

novas percepções ou perspectivas que indivíduos trabalhando sozinhos não teriam

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captado, ou não com a mesma velocidade. Portanto, a colaboração é maior do que suas partes;

• o companheirismo intelectual. Pesquisa pode ser uma ocupação solitária e o indivíduo pode superar parcialmente esse isolamento intelectual colaborando com outros, formando relações de trabalho e talvez relacionamentos pessoais. Além disso, a colaboração tem o efeito de 'plugar' o pesquisador em uma rede de contatos mais abrangente. Ademais a colaboração pode melhorar a visibilidade potencial do trabalho, usando sua rede de contatos para difundir as descobertas tanto formalmente ou em discussões informais. Juntos colaboradores podem chegar a decisões mais informadas, como qual o melhor periódico para publicar os resultados ou o mais provável de aceitar o artigo. Uma vez publicado, o artigo pode ser encontrado nas buscas bibliográficas pela varredura por trabalhos produzidos por qualquer um dos autores colaboradores, multiplicando as chances de localização e uso por outros. Em média, é provavelmente mais citado e tem maior impacto.

O resultado de todos esses benefícios da colaboração é que a pesquisa pode, em princípio, se realizar de forma mais efetiva (KATZ; MARTIN, 1997, p.15).

2.4.3. Custos da colaboração científica

Entretanto, a colaboração científica também implica em alguns custos (KATZ; MARTIN, 1997, p.15-16):

• financeiros – embora a colaboração possa resultar em economia de fundos para agencias de fomento, no entanto exige custos adicionais. Nas colaborações interinstitucionais, intersetoriais e internacionais custos de viagens e subsistência acontecem quando os pesquisadores se deslocam. Equipamentos e materiais também têm que ser transportados, instalados, às vezes requerendo assistência de técnicos da instituição original, incorrendo em mais custos;

• tempo – o que para alguns pesquisadores é um recurso mais importante do que recursos financeiros. O tempo pode ser gasto preparando propostas ou obtendo conjuntamente fundos de dois ou mais patrocinadores, e na definição conjunta dos problemas de pesquisa e abordagem de planejamento. Partes diferentes da pesquisa podem ser realizadas em diferentes locais implicando em mais perda de tempo. Tempo pode ser gasto para manter todos os colaboradores inteiramente informados dos progressos bem como da decisão do que fazer em seguida. Diferenças de opinião são quase inevitáveis e também demandam tempo para serem resolvidas

amigavelmente. Descrição de resultados em conjunto pode tomar tempo onde houver desacordo sobre as descobertas e sua significância, ou sobre quem deve ser incluído entre os co-autores e em qual ordem eles devem aparecer. Além disso, há custos indiretos de tempo com efeitos de viagem, trabalho em ambiente não familiar, desenvolvimento de novas relações pessoais e contatos com os

colaboradores;

• administrativos – com mais gente e talvez mais instituições envolvidas, é requerido maior esforço para gerenciar a pesquisa. Se a colaboração for grande ou atravessar distância geográfica considerável, ela pode demandar procedimentos gerenciais mais formais que podem criar problemas burocráticos. Uma estrutura mais formal pode também sufocar a criatividade dos pesquisadores, anulando benefícios da fertilização cruzada. Além disso, onde duas ou mais instituições estão colaborando existe

sempre o problema de conciliar diferentes culturas gerenciais, sistemas financeiros, regras sobre direitos de propriedade intelectual e assim por diante. Também existem diferenças sobre sistema de recompensa, critérios de promoção e escalas de tempo e mesmo confrontos mais gerais sobre o qual a pesquisa é mais importante de

perseguir, como realizá-la ou sobre implicações comerciais e éticas, todas essas diferenças potenciais precisam ser reconciliadas se os problemas sérios não romperem a colaboração.

Neste ponto cabe observar que a colaboração não significa necessariamente co-autoria, ou autoria múltipla, pois artigos de pesquisadores que realizam trabalhos independentes podem ser publicados tanto de forma individual como de forma coletiva. Por outro lado pesquisadores que colaboram podem publicar separadamente, ou até mesmo não publicar. Assim, é importante separar estes dois fenômenos, colaboração e co-autoria, que apesar de estarem relacionados não são sinônimos, como veremos em mais detalhes a seguir.

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