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A autoridade formal é um tipo de poder legitimado que é respeitado e conhecido por aqueles com quem se interage. Como Weber apontou, a legitimidade é uma forma de aprovação social essencial para estabilização das relações de poder, aparecendo quando as pessoas reconhecerem que alguém tem o direito de mandar em alguma área da vida humana e quando aquele que é mandado considera como um dever obedecer. O tipo mais óbvio de autoridade formal na maior parte das organizações e instituições é o burocrático (racional-legal). Na definição de Weber, ainda há dois outros tipos de autoridade: a tradicional, caracterizada por hábitos e costumes; e a carismática, ilustrada por líderes e heróis. Ou seja, ela pode ser representada pela expressão:

Tabela 4 – Definição de autoridade de Weber Autoridade = poder + legitimidade

Esse conceito é relevante e está intimamente ligado ao conceito teórico de “poder brando”, que é o objeto de estudo dessa pesquisa. A iniciativa e uso do “poder brando” cunhada por Joseph Nye têm por objetivo devolver a legitimidade aos Estados Unidos, que sofreram uma crise de autoridade devido à falta de legitimidade. O exemplo da invasão ao Iraque ilustra bem essa situação. Os Estados Unidos têm uma força militar incontestável, mas decidiram atacar o regime de Saddam Hussein a despeito da manifestação contrária do Conselho de Segurança da ONU e de protestos pacifistas ao redor do mundo. A vitória na Guerra do Golfo II, em 2003, e a ocupação do Iraque careceram de legitimidade, visível na dificuldade de mobilizar uma coalizão internacional que não seja os países sob a influência direta americana, como Inglaterra e Austrália. Situação muito diferente da ocorrida no ataque aos talibãs no Afeganistão, logo após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, quando mobilizou um amplo apoio internacional, inclusive de países que não costumam concordar com as diretrizes norte-americanas, como China, Rússia e França. Esse contexto em 2001

levou o sociólogo francês Ignácio Ramonet (2003) a afirmar que os Estados Unidos dominam o mundo como nenhum império jamais dominou devido ao insuperável poder militar e diplomático (mais um argumento defendendo a relevância da política externa na administração pública), limitando ao mínimo a referência e influência da ONU.

As estruturas estatais, assim como as estruturas sociais tradicionais, estão sendo varridas de modo desastroso. O Estado desmoronou e, em alguns países do leste e do sul, as autoridades se retiram ou são expulsas dos territórios periféricos e se transformam em áreas onde não há a autoridade da lei (Ramonet, 2003). Exemplos são o Paquistão, Argélia, Somália, Congo, Colômbia, Filipinas, Sri Lanka, onde entidades caóticas ingovernáveis se desenvolvem e escapam a toda legalidade. Para Ramonet, os perigos que surgem com a globalização se referem à falta de autoridade do Estado, onde o crescimento financeiro descontrolado levou empresas globais e grandes grupos de mídia ou de finanças ao status de ator protagonista das relações internacionais, enfraquecendo o sentido de democracia, haja vista que tais grupos não estão sujeitos ao voto popular. O autor defende a necessidade de criar contra-poderes para restabelecer o contrato social contra o contrato privado, haja vista que a globalização neoliberal permitiu a apropriação pelo mercado (ou setor privado) das esferas pública e social.

Wallerstein (2000) concorda com os argumentos de Ramonet e afirma que a globalização provocou uma crise de acúmulo de capital que, conseqüentemente, leva à perda de legitimidade das estruturas do Estado. Ele chega a citar Schumpeter, que previu que o capitalismo não iria fracassar devido ao seu fracasso, mas devido ao seu sucesso. Wallerstein afirma que a pressão estrutural sobre o acúmulo de capital chega a provocar ironias, como a demanda popular por corte de impostos, mas com o aumento de serviços governamentais. São exigências do que chamou de “democratização”, como instituições educacionais, de saúde e garantia de renda e seguro-desemprego e aposentadoria fornecidos pelo Estado. Entretanto, há o ceticismo quanto à capacidade do Estado de promover as transformações necessárias para manter a ordem social. Outra ironia, segundo o autor, é que os Estados têm menos capacidade de ajudar os capitalistas justo quando eles mais precisam. Um prejuízo também para a população em geral, haja vista que à medida que as estruturas estatais perdem legitimidade, a violência aumenta.

Halliday (2001) argumenta que, ao contrário do que muitos autores afirmam, o papel do Estado continua firme nas relações internacionais e no cumprimento do contrato social exigido da administração pública. Para ele, o Estado como instituição continua sendo o centro de poder administrativo e coercitivo, sendo objeto de legitimidade. Além disso, os Estados controlam comércio, finanças, segurança e o ordenamento jurídico, sendo capaz de cumprir compromissos políticos. Halliday apresenta exemplos que corroboram a autoridade do Estado, como a intervenção estatal na educação, investimentos e sistemas bancários que ajudaram a estimular o desenvolvimento econômico no sudeste asiático e afirma que o nacionalismo nada mais é que a crença da humanidade na legitimidade do Estado. Sobre o argumento de que as organizações não-governamentais (ONGs) teriam alcançado um status de ator protagonista nas relações internacionais, Halliday afirma que as ONGs não são substitutos dos Estados, pelo contrário, elas recebem verba dos Estados e estão sujeitas às suas proibições políticas. A função mais independente das ONGs é fiscalizar as ações do Estado.

A autoridade e legitimidade do estado, principalmente no caso brasileiro, que é o foco deste estudo, ficam mais evidentes quando da análise da suas inserções no âmbito internacional, como será detalhado a seguir.