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5 FUNDAMENTOS E LIMITES À AUTOCOMPOSIÇÃO PELA FAZENDA

5.2.1 Autorização legal x Autonomia da vontade

O princípio da legalidade, ainda que em sentido amplo (juridicidade) sirva justamente para fundamentar a possibilidade de adoção pela advocacia pública das soluções consensuais de controvérsias, posto ser vedado ao agente público postular contra o direito, em seu sentido estrito exige que para tanto exista lei autorizativa para o ato117. Isso porque o Estado, enquanto representante da sociedade, não pode dispor livremente de seus bens e direitos e, portanto, não é dotado de autonomia da vontade, característica que rege as soluções autocompositivas entre particulares, conforme artigo 166 se seus parágrafos do CPC/15. No caso da Administração, ela deve ela agir pautada pela lei, destinando-se a executar as finalidades a ela atribuídas pela lei, conferindo-lhes concretude. Assim, as técnicas negociais previstas no §3º do art. 166 do CPC/15 não são eficazes para “induzir a conciliação nos processos em que a Fazenda Pública figura como parte, porque não tem o condão de proporcionar um ambiente favorável à autocomposição”. (MADUREIRA, 2017b, p. 193). Assim, neste

117 Madureira, ressaltando posicionamento pessoal, entende que a autorização para a composição do

litígio, justamente em razão da acepção ampla do princípio da legalidade, bem como com fulcro no princípio da indisponibilidade e da supremacia do interesse público, independe de autorização legislativa, decorrendo tal permissivo diretamente da Constituição Federal. Já com relação à transação, em razão da exigência de concessões mútuas e da necessidade de análise de risco, deve ser implementada mediante autorização legislativa. (MADUREIRA, 2017, p. 253-254)

contexto, a autocomposição somente poderá se realizar nas hipóteses taxativamente elencadas.

Conte (2017, p. 276), com propriedade, acompanhado por Luciane Moessa (2015, p.222), dispõe que a autorização genérica contida no artigo 32 da Lei nº 13.140/15 em relação à possibilidade de adoção pela Administração das soluções consensuais de controvérsias, não prescinde de autorização legislativa específica, uma vez que a lei não previu as hipóteses em que o Poder Público poderia compor. A regulamentação específica do tema trará uma maior segurança jurídica a seus aplicadores, entre eles incluídos os advogados públicos bem como amparará o administrador, evitando assim também o ataque ao princípio da isonomia no tratamento dos administrados. No âmbito administrativo não se pode admitir o tratamento anti-isonômico entre as partes que se encontrem na mesma situação, servindo a autorização legal, neste sentido, para estabelecer os critérios objetivos para a autocomposição, diminuindo a margem de possíveis distorções e o ajuizamento de ações em razão da quebra da isonomia.

Questão polêmica e diretamente relacionada à questão dos limites da autonomia da vontade pela Administração Pública na realização de autocomposição, na seara processual, se refere à audiência conciliatória de presença obrigatória prevista no art. 334118 do CPC. Pela dicção do art. 334, § 4º a audiência não ocorrerá apenas em duas situações: a) quando ambas as partes manifestarem desinteresse, ou b) o assunto tratado não admitir autocomposição.

Com relação à Administração Pública, uma vez que esta não é dotada de autonomia da vontade, posto que somente pode dispor de interesses se houver previsão legislativa para tanto, o comparecimento obrigatório da Fazenda Pública à audiência afronta os princípios da eficiência, legalidade e economia processual.

Assim, no caso de a Fazenda Pública figurar no em dos polos da relação processual, deve o magistrado enquadrar o conflito na hipótese da inadmissão da autocomposição

118 Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência

liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.

(...)

§ 4o A audiência não será realizada:

I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual; II - quando não se admitir a autocomposição.

(art. 334, §4º, II do CPC/15) para fins de dispensa de designação da audiência preliminar. Por impossibilidade de autocomposição de plano pela Fazenda Pública na audiência conciliatória, em razão da ausência de sem lei que a autorize, deve-se pontuar as seguintes premissas: (i) a Fazenda Pública, por seus procuradores, pode sim compor, desde que haja respaldo para tanto, no caso, expressa autorização legal. (ii) não se pode admitir a obrigatoriedade de comparecimento a audiência em que, em razão dos interesses tutelados, não haverá possibilidade de realização de qualquer acordo naquele momento, por questão de economia e eficiência.

O ideal, segundo Madureira (2017b, p. 195), seria a inclusão, no ato de citação, de intimação para que a Fazenda Pública seja instada a se manifestar acaso exista possibilidade de composição. Em caso negativo, seja apresentada desde logo a peça de defesa, seguindo o processo sua marcha habitual.

Ravi Peixoto (2016, p. 490), quanto ao comparecimento obrigatório do advogado público à audiência do art. 334 do CPC/2015, aduz a possibilidade de que sejam firmados protocolos institucionais entre a Fazenda Pública e o Poder Judiciário, de modo que seja informado, de antemão, quais matérias são passíveis de composição pela Administração119. Por meio destes protocolos institucionais, prévios à instauração dos conflitos, o próprio ente público já pode informar ao Poder Judiciário se a matéria é passível ou não de autocomposição.

Dessa forma, desde que instaurado o processo, não haveria necessidade de qualquer discussão sobre o cabimento ou não da audiência, ao menos do ponto de vista do art. 334, § 4.º, II, pois já se teria conhecimento dos casos em que o direito do ente público poderia ser objeto de acordo. Mesmo que não haja nenhum protocolo institucional, parece possível utilizar-se do conceito de fato notório judicial, que seria o fato de que, embora desconhecido na vida social, é de conhecimento dos magistrados o fato de ser vedada a conciliação pela Fazenda Pública em hipóteses não autorizadas por lei. Outra situação que pode ocorrer é que o juiz já realize o despacho inicial, fundamentado nessa constatação, sem sequer intimar o ente público para participar da audiência e já citá-lo para contestar. Afinal, já seria uma espécie de fato notório

119 Essa, inclusive, é a recomendação contida no Enunciado 573 do Fórum Permanente de

Processualistas Civis (FPPC), segundo o qual: “As Fazendas Públicas devem dar publicidade às hipóteses em que seus órgãos de Advocacia Pública estão autorizados a aceitar autocomposição”

judicial, que, naqueles casos, o ente público não tem qualquer autorização para conciliar ou mediar. Todavia, constitui dever do advogado público em informar ao juízo caso sobrevenha alguma autorização para autocompor em razão da boa-fé e do dever de cooperação. Esse dever foi também destacado pelo Enunciado 573, do FPPC, segundo o qual “As Fazendas Públicas devem dar publicidade às hipóteses em que seus órgãos de Advocacia Pública estão autorizados a aceitar autocomposição”. Assim, diante das especificidades que circundam a Administração Pública, a audiência conciliatória obrigatória prevista no art. 334 do CPC/2015 apenas ocorrerá caso a Fazenda Pública se manifeste por sua possibilidade, em razão de existência de autorização legislativa. Caso contrário ela não se realizará diante da impossibilidade de autocomposição, nos termos especificados.