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Autocomposição em processos envolvendo a Fazenda Pública : possibilidades, fundamentos e limites

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Academic year: 2021

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ANDRESSA OLIVEIRA CUPERTINO DE CASTRO

AUTOCOMPOSIÇÃO EM PROCESSOS ENVOLVENDO A FAZENDA PÚBLICA:

POSSIBILIDADES, FUNDAMENTOS E LIMITES

VITÓRIA 2018

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AUTOCOMPOSIÇÃO EM PROCESSOS ENVOLVENDO A FAZENDA PÚBLICA:

POSSIBILIDADES, FUNDAMENTOS E LIMITES

Dissertação apresentada no

Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito Processual.

Orientador: Prof. Dr. Cláudio Penedo Madureira

VITÓRIA 2018

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)

(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil) Bibliotecária: Sônia Regina Costa – CRB-6 ES-000315/O

Castro, Andressa Oliveira Cupertino de, 1980-

C355a Autocomposição em processos envolvendo a Fazenda Pública : possibilidades, fundamentos e limites / Andressa Oliveira Cupertino de Castro. – 2018.

112 f.

Orientador: Cláudio Penedo Madureira.

Dissertação (Mestrado em Direito Processual) –

Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas.

1. Brasil - Procuradoria Geral da Fazenda Pública. 2. Acesso à justiça. 3. Administração pública. 4. Conciliação (Processo civil). 5. Autocomposição. I. Madureira, Cláudio Penedo, 1973-. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas. III. Título.

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A Arthur Ferrari, filho amado, para estímulo.

A minha mãe Norma e minha avó Elisa, pelo exemplo.

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Agradeço primeiramente a Deus por ter me amparado durante toda a jornada acadêmica, por ter aberto meus caminhos, por me fortalecer e por ter me feito companhia nas horas de escrita e solitude.

Para a elaboração deste trabalho, contei com o auxílio de muitas pessoas, razão pela qual registro os meus sinceros agradecimentos pela contribuição de cada uma delas, sobretudo: à minha família, pelo suporte, pela presença e pela paciência, em especial o meu filho Arthur, companheiro de todos os minutos, que entendeu como um adulto, apesar da tenra idade, as ausências maternas em razão dos estudos; ao Professor Doutor, meu Orientador, Cláudio Penedo Madureira, pelo exemplo de dedicação à ciência do Direito, pelos ensinamentos, pelo exercício de humildade e pela grande contribuição ao meu trabalho; aos funcionários e à Coordenação do curso de pós-graduação em Direito da UFES, em nome da Professora Doutora Adriana Pereira Campos, pelo tratamento sempre cordial e prestativo a mim dispensado; aos colegas de mestrado que tanto me engrandeceram com discussões acadêmicas memoráveis e pelo exemplo de solidariedade; ao Procurador-Chefe da Fazenda Nacional no ES, Dr. Renato Mendes Souza Santos e ao Procurador-Chefe Substituto da Fazenda Nacional no ES, Dr. José Francisco Saraiva Gomes, pelo amparo profissional e pelo apoio nesta caminhada acadêmica a que me propus. Sem a contribuição de todas essas pessoas, este trabalho não seria possível.

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O trabalho adota como problema de pesquisa a constatação do assoberbamento enfrentado pelo Poder Judiciário em razão do estímulo à litigiosidade para resolução dos conflitos verificados em nossa sociedade. Milhões de ações são ajuizadas anualmente, muitas das quais não precisariam ser submetidas à decisão impositiva de um magistrado, caso as partes adotassem uma postura ativa e estivessem dispostas ao diálogo. O número crescente de ajuizamento de ações dificulta, ao Poder Judiciário, o provimento de uma decisão justa, tempestiva e satisfativa, eis que se constata, atualmente, uma taxa de congestionamento de 73% para o encerramento dos litígios por esta via. O Poder Púbico, por representar os interesses da coletividade e por ter como dever a tutela dos direitos e garantias previstos na Carta Magna de 1988, configura-se como um dos maiores litigantes do país, tanto no polo ativo quanto no polo passivo dos conflitos, contribuindo para o excesso de litigiosidade. Baseado nessas constatações, o trabalho adota como premissa teórica o fato de o Código de Processo Civil ter feito uma opção pela resolução consensual de conflitos, em seu art. 3º, §3º, estendendo tal ideia para o Poder Público (art. 3º, §2º e art. 174). Com este dever de estímulo à adoção das soluções consensuais, inclusive para a Administração, passou-se a desenvolver no estudo o meio pelo qual tal política poderia ser implantada, com ênfase à realização da autocomposição por meio da celebração de acordos, defendendo-se tal possibilidade. Para tanto descreve-se os fundamentos legais, as justificativas teóricas e os limites a descreve-serem respeitados para a autocomposição pela Fazenda Pública. Conclui-se então pela possibilidade da celebração de acordos pelo Poder Público como forma de conter a litigiosidade, bem como forma de atender os princípios da legalidade, da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, desde que observados os limites determinados pelo ordenamento jurídico. A adoção da autocomposição pela Administração também possibilita a concessão de uma tutela adequada, efetiva e justa ao conflito, contribuindo para a redução da litigiosidade e para que seja atendido o princípio do acesso à justiça (art. 5º, XXXV da Constituição Federal).

Palavras-chave: Soluções consensuais. Administração Pública. Autocomposição. Acesso à justiça. Litigiosidade. Fazenda Pública. Conciliação.

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The work adopts as a research problem the verification of the slowness faced by the Judiciary because of the stimulus to the litigation to solve the conflicts verified in our society. Millions of lawsuits are filed annually, many of which would not need to be submitted to a judge's decision if the parties took an active role and were willing to engage in dialogue. The increasing number of lawsuits makes it difficult for the Judiciary to provide a fair and satisfactory decision, since a congestion rate of 73% is currently observed for the end of a lawsuit. The Administration, once it represents the interests of the community and has the duty to protect the rights and guarantees set forth in the Constitution of 1988, is one of the largest litigants in the country, both in the active and in the passive poles of litigation, contributing to the excess of litigiousness. Based on these findings, the paper adopts as a theoretical premise the fact that the Code of Civil Procedure has made an option for the consensual resolution of conflicts, in its art. 3, paragraph 3, extending this idea to the Admonistration (article 3, paragraph 2 and article 174). With this duty to stimulate the adoption of consensual solutions, especially for the Administration, the study began to develop the means by such a policy could be implemented, with emphasis on the realization of self-composition through agreements, defending such possibility. For this purpose, the legal grounds, the theoretical justifications and the limits to be respected for the self-composition by the Administration are described. The conclusion the study came up with was that the agreements by the Government can be considered as a way to contain litigiousness, based on the odedience duty of principles like legality, supremacy and the unavailability of the public interest, and since are observed the limits defined by the legal system. The adoption of consensual solutions by the Administration also makes it possible to grant adequate, effective and fair endings to the conflict, contributing to the reduction of litigation and increasing the right to access justice by the citizens (article 5, XXXV of the Federal Constitution).

Keywords: Consensual solutions. Public Administration. Autocomposition. Access to justice. Contention of litigation. Conciliation. Alternatives disput resolutions.

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ADCT Atos das Disposições Constitucionais Transitórias

ADR Alternative Dispute Resolution

Art. Artigo

Arts. Artigos

AGU Advocacia-Geral da União

CCAF Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal

CF/88 Constituição Federal

CNJ Conselho Nacional de Justiça

CPC/15 Código de Processo Civil de 2015

CPC/73 Código de Processo Civil de 1973

EC Emenda Constitucional

FPPC Fórum Permanente de Processualistas Civis

RPV Requisição de Pequeno Valor

STF Supremo Tribunal Federal

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1 INTRODUÇÃO...10

2 O ACESSO À JUSTIÇA E OS MÉTODOS ADEQUADOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ... 12

2.1 O PROBLEMA DO ASSOBERBAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO ... 12

2.2 PROPOSTA DE RESOLUÇÃO DA PROBLEMÁTICA APRESENTADA: A AUTOCOMPOSIÇÃO E SEUS REFLEXOS NA CONTENÇÃO DA LITIGIOSIDADE ... 18

3 TRIBUNAL MULTIPORTAS ... 26

3.1 O SURGIMENTO DA IDEIA NO DIREITO NORTE-AMERICANO: CONCEITO E EXTENSÃO DO INSTITUTO ... 27

3.2 A ASSIMILAÇÃO DO MULTI-DOOR COURTHOUSE SYSTEM NO DIREITO BRASILEIRO ... 30

3.2.1 A Resolução nº 125/2010 do CNJ ... 34

3.2.2 O Código de Processo Civil de 2015 ... 38

3.2.3. Lei da Mediação (Lei nº 13.140/2015) ... 45

3.3 O MICROSSISTEMA BRASILEIRO DAS SOLUÇÕES CONSENSUAIS DE CONFLITOS ... 47

4 A AUTOCOMPOSIÇÃO ENVOLVENDO A FAZENDA PÚBLICA ... 52

4.1 CONCEITO DE FAZENDA PÚBLICA E SUA REPRESENTAÇÃO PELA ADVOCACIA PÚBLICA ... 56

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... .61

4.3 MODALIDADES DE AUTOCOMPOSIÇÃO APLICÁVEIS À FAZENDA PÚBLICA: COMPOSIÇÃO DO LITÍGIO E TRANSAÇÃO...67

4.4 DOS MÉTODOS PARA A OBTENÇÃO DA AUTOCOMPOSIÇÃO: CONCILIAÇÃO E MEDIAÇÃO...74

5 FUNDAMENTOS E LIMITES À AUTOCOMPOSIÇÃO PELA FAZENDA PÚBLICA ... 85 5.1 FUNDAMENTOS ... 85 5.1.1 Da Legalidade ... 85 5.1.2 Interesse Público ... 87 5.1.3 Dever de Cooperação...89 5.2 LIMITES ... 91

5.2.1 Autorização legal x Autonomia da vontade ... 92

5.2.2Formalização ... .95 5.2.3 Precedentes...96 5.2.4 Confidencialidade ... 98 5.2.5 Particularidades de Execução...101 6CONCLUSÃO...104 REFERÊNCIAS ... 107

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1. INTRODUÇÃO

O CPC/15 (art. 3º, §3º) faz, claramente, uma opção pela resolução consensual dos litígios, quando estabelece que a “conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público”, dentro e fora do processo judicial. Tal preceito foi, inclusive, estendido ao Poder Público, na medida em que também previu que “O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos” (art. 3º, §2º) e que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios “criarão câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo (...)” (art. 174, caput). Todavia, é nota corrente na prática jurídica que a Fazenda Pública em geral não faz acordos nos processos em que atua, e tampouco procura conter a sua litigisiodade (pela via da abstenção da apresentação de defesa e recursos, por exemplo), porque sua atuação é condicionada pelo princípio da indisponibilidade do interesse público.

Parece haver, então, um hiato entre o que determina a lei processual e a prática jurídica e, sob certa ótica, isto é, desde que confirmada a tese de que a indisponibilidade do interesse público impede a disposição, pelos advogados da Fazenda Pública (comumente chamados de advogados públicos ou procuradores), do direitos e deveres deduzidos em juízo pelo poder público, parece haver também uma possível antinomia entre o disposto no CPC/15 e o regime jurídico administrativo.

Definido, nestes termos, o meu problema de pesquisa, espero conseguir demonstrar, neste trabalho, que esse apontado hiato entre o que determina a lei processual e a prática jurídica, assim como essa cogitada contradição entre o regime processual e o direito administrativo, podem ser superados, no plano da ciência, pela compreensão segundo a qual o interesse público (interesse primário na concepção de Renato Alessi1) não se confunde com o interesse do Poder Público (interesse secundário), o

1 Quanto a à divisão do interesse público em primário e secundário, divisão propagada por Renato

Alessi com amparo em Carnelutti e Picardi, temos que tal denominação encontrou amparo em nosso ordenamento com Celso Antônio Bandeira de Mello para quem: “ (...) o Estado, tal como os demais particulares, é, também ele, uma pessoa jurídica, que, pois, existe e convive no universo jurídico em concorrência com todos os demais sujeitos de direito. Assim, independentemente do fato de ser, por definição, encarregado dos interesses públicos, o Estado pode ter, tato quanto as demais pessoas,

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que remete à necessidade de identificação de um conceito de interesse público que seja compatível com os ditames da legalidade. A confirmação dessa hipótese me possibilitará demonstrar, ainda, que é perfeitamente viável a celebração de acordos (autocomposição) em processos envolvendo a Fazenda Pública.

Para alcançar esse objetivo, procurarei relacionar, no primeiro capítulo, a temática do acesso à justiça e a utilização dos métodos adequados para a resolução de conflitos como alternativa ao encerramento de todas as contendas por decisões judiciais (heterocomposição estatal); contexto em que empregarei o conceito, desenvolvido pela doutrina norte-americana, de Tribunal Multiportas (de que me ocupo no capítulo 2); para depois discorrer sobre as peculiaridades da autocomposição em processos envolvendo a Fazenda Pública (Capítulo 3) e procurarei detalhar, no último capítulo, os seus fundamentos (legalidade, interesse público e cooperação) e limites (substituição da autonomia da vontade pela legalidade, formalizaç confidencialidade, particularidades da execução).

interesses que lhe são particulares, individuais, e que, tal como os interesses delas, concebidas em suas meras individualidades, se encarnam no Estado enquanto pessoa. Estes últimos não são interesses públicos, mas interesses individuais do Estado, similares, pois, (sob o prisma extrajurídico), aos interesses de qualquer outro sujeito. (...) o Estado, concebido que é para a realização de interesses públicos (situação, pois, inteiramente diversa da dos particulares), só poderá defender seus próprios interesses privados quando, sobre não se chocarem com os interesses públicos propriamente ditos, coincidam com a realização deles. Tal situação ocorrerá sempre que a norma donde defluem os qualifique como instrumentais ao interesse público e na medida em que o seja, caso em que sua defesa será, ipso facto, simultaneamente a defesa de interesses públicos, por concorrerem indissociavelmente para a satisfação deles. Esta distinção a que se acaba de aludir, entre interesses públicos propriamente ditos – isto é, interesses primários do Estado – e interesses secundários (que são os últimos a que se aludiu), é de trânsito corrente e moente na doutrina italiana, e a um ponto tal que, hoje, poucos doutrinadores daquele país se ocupam em explicá-los, limitando-se a fazer-lhes menção, como referência a algo óbvio, de conhecimento geral”. (MELLO, 2010, P. 65-66)

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2. O ACESSO À JUSTIÇA E OS MÉTODOS ADEQUADOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

Neste capítulo serão apontadas as dificuldades encontradas pelo Poder Judiciário para garantir o efetivo acesso à justiça frente ao número de demandas pendentes de julgamento no País em decorrência da cultura da litigiosidade, passando-se, posteriormente, a defender uma das possíveis formas de ampliar a consecução de uma decisão justa, efetiva, adequada e tempestiva, especialmente por meio da autocomposição.

2.1 O PROBLEMA DO ASSOBERBAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO

Questão relevante, e que tem preocupado a comunidade jurídica brasileira, é a relação entre o direito de acesso à justiça e o problema da morosidade2 do Poder Judiciário3.

O direito de acesso à justiça constitui cláusula pétrea (insuscetível de alteração, nem mesmo por Emenda Constitucional) insculpida no art. 5º, XXXV da Constituição Federal, que trata da inafastabilidade da jurisdição. Conforme Ada Pellegrini Grinover (2016, p. 76), o acesso à justiça deve ser entendido não como o direito a uma decisão judicial, mas como aquele “que gera acesso à ordem jurídica justa, por intermédio de uma tutela adequada que solucione os conflitos e leve à pacificação social”.

Diante do leque abrangente de garantias tuteladas pela Carta de 19884, notou-se em nossa sociedade contemporânea o incremento da cultura conflitiva, alicerçada na

2 Sobre o tema, Madureira (2017, p.107) sustenta ser questão recorrente a crise da realização do

Direito, destacando neste tema, inclusive, as discussões relativas à demora do Poder Judiciário em dar respostas aos conflitos submetidos à sua apreciação.

3 No mesmo sentido Maria da Glória Costa Gonçalves de Sousa Aquino dispõe: “A demanda excessiva

de processos acompanhada de um Poder Judiciário acessível, porém desaparelhado, ensejou um

déficit na estrutura orgânica judiciária, o que motivou uma crise institucional no Poder Judiciário – visto

que as instituições judiciais não estavam preparadas para atender toda a demanda por justiça que se desenvolveu no país e, tampouco, contavam com o aporte funcional e o aparelhamento sistêmico adequado a permitir o fluxo transitório das excessivas demandas”. (AQUINO, 2017, p. 122)

4 Para Barroso a constitucionalização abrangente, assim considerada aquela que trouxe para a

Constituição de 1988 inúmeras matérias que antes eram deixadas para o processo político majoritário e para a legislação ordinária, foi uma das causas da judicialização excessiva (entendida como a decisão, pelo Poder Judiciário, de questões de larga repercussão política ou social, e não pelas instâncias políticas tradicionais). Segundo o texto: “A Carta brasileira é analítica, ambiciosa, desconfiada do legislador. Como intuitivo, constitucionalizar uma matéria significa transformar Política

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necessidade de efetivação destas garantias no plano empírico. Em face desse cenário, o Poder Judiciário foi cada vez mais instado a solucionar os mais diversos tipos de litígios, o que resultou no aumento da taxa de congestionamento dos processos, fazendo com que o número de novas demandas superasse o número de demandas resolvidas5. Entendia-se, equivocadamente, que o direito de acesso à justiça, perpassava, obrigatoriamente, pelo direito a uma decisão judicial.

Tal afirmação pode ser confirmada pelo número de ações judiciais em trâmite no País. Números do CNJ6 apontam que o Poder Judiciário finalizou o ano de 2016 com quase setenta e nove milhões e setecentos mil de processos em tramitação. Mesmo tendo baixado vinte e nove milhões e quatrocentos mil de processos de seu estoque, ingressou durante o ano de 2016 exatamente a mesma quantidade, sendo verificada ainda uma taxa de congestionamento de 73% (setenta e três por cento).

Número ainda mais expressivo e que retrata a afirmação acima, acerca do ambiente conflitivo da sociedade brasileira contemporânea, é o dado de que, em média, a cada grupo de 100.000 (cem mil) habitantes, 12.907 (doze mil, novecentos e sete) ingressaram com novas ações apenas no ano 20167. Nalini (2017, p.27) ao se debruçar sobre o tema, ancora-se no pensamento de que o homem estaria em permanente conflito com o outro (o homem como lobo do homem), como defendeu Thomas Hobbes na obra Leviatã (NALINI, 2017, p.17). O eterno litígio, neste contexto,

em Direito. Na medida em que uma questão – seja um direito individual, uma prestação estatal ou um fim público – é disciplinada em uma norma constitucional, ela se transforma, potencialmente, em uma pretensão jurídica, que pode ser formulada sob a forma de ação judicial. Por exemplo: se a Constituição assegura o direito de acesso ao ensino fundamental ou ao meio-ambiente equilibrado, é possível judicializar a exigência desses dois direitos, levando ao Judiciário o debate sobre ações concretas ou políticas públicas praticadas nessas duas áreas”. (BARROSO, 2009, p.3)

5 Maria da Glória Costa Gonçalves de Sousa Aquino, ao ressaltar a contribuição da edição da Carta de

1988 para o engessamento do Poder Judiciário em razão da expansão dos direitos e garantias alçados ao status constitucional, asseverou: “A Constituição Federal de 1988, fruto do movimento democrático vivenciado no Brasil em meados da década de 80 e resultante de uma intensa participação popular erigiu-se sob a “soma de fatores reais de poder”, além de representar um marco regulatório no reconhecimento de direitos e garantias fundamentais baseados em um conjunto de princípios, dentre os quais se destacam o princípio do livre acesso à jurisdição (CRFB/88, art. 5º, inciso XXXV), o princípio do devido processo legal (CRFB/88, art. 5º, inciso LV), e o princípio à prestação jurisdicional em tempo razoável (CRFB/88, art. 5º, inciso LXXVIII). Esse momento de estruturação democrática em que se encontrava a sociedade brasileira, adicionado ao processo de conscientização da cidadania, dado o reconhecimento da centralidade conferida aos direitos fundamentais na CRFB/88, acarretou o ingresso de inúmeras demandas judiciais perante o Poder Judiciário, motivadas pelo conhecimento e efetivação de direitos individuais, sociais e políticos. ” (AQUINO, 2017, p. 116)

6http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/09/e5b5789fe59c137d43506b2e4ec4ed67.pdf.

Acesso em 16/02/2018.

7http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/09/e5b5789fe59c137d43506b2e4ec4ed67.pdf.

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seria algo inerente à condição humana, e seria exatamente esta a sensação que o Brasil transmite ao mundo: “uma população de 202 milhões de habitantes propicia o espetáculo de mais de 100 milhões de processos judiciais, como se toda a nação estivesse a demandar”.

No mesmo sentido, justamente em razão da “atávica característica do cidadão brasileiro de promover uma delegação da resolução de conflitos ao judiciário” é que Dierle Nunes, Natanael Lud Santos e Silva, Walsir Edson Rodrigues e Moisés Mileib de Oliveira (2017, p. 692) defendem a necessidade de se valorizar cada vez mais a adoção de outras medidas para resolução dos conflitos que não apenas a obtenção de uma decisão judicial.

O corolário da duração razoável do processo (acrescentado à Constituição Federal pela EC 45/2004), foi uma das medidas encontradas pelo legislador para garantir não somente o acesso à justiça, mas também a resolução do conflito, justamente visando a efetivação da tutela tempestiva e adequada garantida aos cidadãos. Humberto Theodoro Júnior (2016, p.23), no mesmo sentido, defende que o direito à duração razoável do processo refere-se ao não apenas ao direito à prolação de uma sentença, mas também à ultimação da atividade satisfativa, para quem ainda “a condenação sem execução não dispensa à parte a tutela jurisdicional a que tem direito”. Frise-se que a duração razoável do processo não deve equivaler à celeridade a qualquer custo, mas sim ao tempo necessário para a prolação de uma decisão justa e efetiva, sem dilações indevidas e recursos procrastinatórios, devendo-se levar em conta, por evidente, as peculiaridades do caso concreto, o devido processo legal e o contraditório.

Entretanto, partindo-se de uma concepção transversa do direito à inafastabilidade da jurisdição, os destinatários do texto constitucional passaram a se valer da tutela judicial para os mais variáveis assuntos, desde aqueles que poderiam ser resolvidos de forma autônoma pelas partes, passando por aqueles em que a tutela judicial realmente se fazia necessária, fazendo com que o Judiciário não mais resolvesse, de forma rápida efetiva, o grande número de demandas, ferindo, ainda, por consequência, o princípio da razoável duração do processo.

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São várias as causas apontadas para esse assoberbamento, como a extensa gama de recursos e peças possíveis de apresentação, a necessidade de maiores investimentos e infraestrutura no Poder Judiciário e a má utilização do processo pelas partes.

Independente da causa eleita, o problema do assoberbamento do Judiciário está posto8 e a violação a preceitos constitucionais como o direito de acesso à justiça e da duração razoável do processo, diante da morosidade constatada, são preocupações que ocupam os cientistas do direito, motivo pelo qual são buscadas outras soluções para a prolação de uma solução justa, efetiva e adequada, ainda que não representada necessariamente por uma decisão judicial.

O preâmbulo da Carta Cidadã elegeu como premissa “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça” como valores máximos de uma sociedade “fraterna, pluralista e sem preconceitos” e, em especial o objetivo de buscar “a solução pacífica das controvérsias”.

O direito de acesso à justiça e a garantia à razoável duração do processo, ambos insculpidos no artigo 5º, XXXV e LXXVIII da CF/889, são direitos que garantem a tutela dos preceitos assegurados no preâmbulo da Carta Magna, e, em razão de sua importância, são considerados cláusulas pétreas, ou seja, não podem ser abolidas nem mesmo por Emenda Constitucional10.

8 Como demonstrado no introito deste trabalho, a taxa de congestionamento no ano de 2016 no Poder

Judiciário Brasileiro foi de 73%, ou seja, menos de 30% das ações em curso foram finalizadas no prazo de 12 meses, mesmo havendo um incremento na informatização, no investimento em pessoal e melhora na produtividade.

9

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; (...)

LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

10 Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

(...)

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes;

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O acesso à justiça, neste contexto, funciona como veículo garantidor do efetivo cumprimento dos direitos assegurados pela Carta Maior, a fim de evitar que os mesmos se tornem apenas retóricos, destinando-se a coibir abusos por parte da Administração e servindo de parâmetro à atuação legislativa.

Entretanto, conforme bem pontuam Cambi e Vasconcelos (2016, p.132), diante da extensa relação de direitos garantidos constitucionalmente, do baixo nível de organização e atuação política da sociedade civil e da ampla possibilidade de análise dos dispositivos constitucionais por meio dos controles de constitucionalidade difuso e concentrado, o direito de acesso à justiça provocou o aumento das responsabilidades atribuídas ao Poder Judiciário. Para garantir a tutela dessa vasta gama de direitos, foi exigida dos magistrados uma postura cada vez mais intervencionista, resultando em um fenômeno denominado pelos Autores, reportando-se à Luís Roberto Barroso11, de “judicialização das políticas públicas”.

Esta judicialização das políticas públicas levou a um aumento substancial no ajuizamento de ações judiciais na medida em que, com a observação empírica da dificuldade experimentada pelos demais poderes em garantir o que lhes compete por disposição constitucional, coube ao Judiciário essa atribuição.

O fenômeno da judicialização das políticas públicas traz outro problema: o risco de decisões anti-isonômicas, especialmente em razão da própria concretude da decisão emanada pelo Poder Judiciário, eis que esse Poder age mediante provocação e não são todos os jurisdicionados levam seus conflitos à sua apreciação.

O risco de decisões conflitantes decorrentes desta tutela discriminatória foi acentuada por Cambi e Vasconcelos (2016, p. 142), ao aduzirem que, quando o controle judicial atende, de forma individual, um direito à prestação positiva do Estado, com prejuízo à efetivação de políticas públicas de toda a população, “compromete-se o princípio da

IV - os direitos e garantias individuais. (GN)

11 “Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo

decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas. Algumas delas expressam uma tendência mundial; outras estão diretamente relacionadas ao modelo institucional brasileiro”. (BARROSO,2009, p.3)

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isonomia entre os cidadãos”. Este desequilíbrio entre jurisdicionados em uma mesma situação não se pode admitir, a não ser em ultima ratio, e apenas para garantir o gozo de um direito que foi negado ao cidadão, apesar de devido.

Diante deste quadro de assoberbamento do Poder Judiciário e da demonstração de que a tendência é a questão se tornar mais grave em razão das novas demandas a serem propostas, é necessário o redimensionamento do significado da expressão “acesso à justiça”.

Para Cappelletti e Garth (1988, p. 2) o significado de “acesso à Justiça” é expressão de difícil definição, mas que tem por finalidade determinar duas funções do sistema jurídico: deve servir para que as pessoas possam reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado, e deve, ainda, garantir que esses resultados sejam individual e socialmente justos.

Na busca de viabilizar o amplo acesso à justiça e, tendo em vista o número de processos em trâmite no Judiciário, juristas brasileiros como Ada Pellegrini Grinover (2016), Fredie Didier Jr. (2015;2017), Kazuo Watanabe (2005), Humberto Dalla Bernardina de Pinho (2015), Rodrigo Mazzei (2011), Marco Antônio Rodrigues (2016), entre outros expoentes, passaram a estudar outras formas para que os jurisdicionados efetivamente tivessem suas pretensões atendidas.

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2.2 PROPOSTA DE RESOLUÇÃO DA PROBLEMÁTICA APRESENTADA: A AUTOCOMPOSIÇÃO E SEUS REFLEXOS NA CONTENÇÃO DA LITIGIOSIDADE

Definidas, nestes termos, as dificuldades enfrentadas pelo Poder Judiciário para garantir uma tutela justa, tempestiva e adequada12 o presente tópico apontará as soluções a serem consideradas a fim de possibilitar um amplo acesso à justiça, assim entendido como o direito efetivo à solução do conflito em tempo razoável, com especial enfoque para o estímulo à autocomposição.

Para este fim deve-se deixar claro que por acesso à justiça deve-se compreender “o direito a uma tutela efetiva e justa para todos os interesses dos particulares agasalhados pelo ordenamento jurídico”, e não necessariamente o direito a uma decisão judicial. (THEODORO JR, 2016, p. 22).

Luciane Moessa de Souza (2012, p. 41) descreve as seguintes causas para a morosidade do Poder Judiciário, apontadas pelos próprios juízes: (i) má-utilização da justiça pelas partes, (ii) problemas infraestruturais e; (iii) o grande número de recursos existentes na legislação. Já para Maria da Glória Gonçalves de Souza Aquino (2017, p. 123), a conscientização da sociedade em torno dos novos direitos, trazidos pela Carta de 1988, somada à inoperância estatal em tratar de forma isonômica os cidadãos, e por fim, o desaparelhamento do Poder Judiciário, foram os motivos determinantes para a crise institucional do órgão13.

Entre as soluções proclamadas para a redução da denominada “crise do judiciário” e a ampliação do acesso à justiça, portanto, aponta-se a introdução de modificações na legislação processual, de modo a reduzir a possibilidade de interposição de recursos e a concessão de prazos elastecidos, garantindo assim um trâmite mais célere das

12 Fredie Didier Júnior (2015, p.12) dispõe que o devido processo legal, cláusula geral processual

constitucional, prestigia o princípio da efetividade. Por este princípio tem-se que não apenas os direitos devem ser reconhecidos, mas a execução dos mesmos também deve ser garantida.

13 Ainda sobre o tema Gismondi (2016, p 706) dispõe que “a força normativa dos princípios

constitucionais, a crise da legitimidade da democracia representativa e a correspondente releitura da função jurisdicional fomentaram a utilização cada vez maior do judiciário”. Assim, a crescente quantidade de demandas e a insuficiência do poder judiciário para resolvê-las de modo exclusivo ocasionou um descrédito indesejável da população.

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ações judiciais, e, por consequência, o fornecimento de uma tutela definitiva em menor tempo.

O Código de Processo Civil de 2015 encampou em certa medida essa hipótese, trazendo inovações no campo da contenção da litigiosidade por meio de uma maior racionalidade no trâmite processual, como podemos constatar, a título exemplificativo, pela adoção da teoria dos precedentes14 (artigos. 926 e 927)15. O sistema de precedentes impede a interposição de recursos protelatórios, já que as partes devem observar os precedentes firmados em sua atuação evitando o protocolo de peças apenas para elastecer o iter processual, conferindo ainda maior coerência à decisão dos magistrados, já que estes também devem observar os precedentes, minorando, assim, a possibilidade de decisões conflitantes, o que resultaria no protocolo de recursos até a confirmação final do entendimento já sedimentado por uma Corte Superior.

14“ “O direito brasileiro adotou, com a edição do novo Código de Processo Civil, um modelo normativo

de precedentes formalmente vinculantes que passarão a constituir fonte primária do nosso ordenamento jurídico (ZANETI JR., 2014d). A nova legislação reconhece, no art. 926, caput, o dever dos tribunais manterem sua jurisprudência (rectius: precedentes) estável, coerente e íntegra. (...) A mudança de paradigma consiste em abandonar o caráter meramente persuasivo da jurisprudência anterior (precedentes persuasivos) para assumir o papel normativo dos precedentes atuais (precedentes vinculantes). A finalidade da mudança está em assegurar racionalidade ao direito e, ao mesmo tempo, reduzir a discricionariedade judicial e o ativismo judicial. ” (ZANETI JR., 2015, p. 1305)

15 Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

§ 1o Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais

editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.

§ 2o Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos

precedentes que motivaram sua criação. Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante;

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

§ 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem com

fundamento neste artigo.

§ 2o A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos

repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.

§ 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais

superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

§ 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em

julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

§ 5o Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida

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Entretanto, tal solução, apesar de sua utilidade, encontra resistência quanto à sua implementação de forma mais ampla em razão da necessidade de observância das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, a exemplo do exposto por José Carlos Barbosa Moreira:

Não convém esquecer, por outro lado, que há uma demora fisiológica, consequente à necessidade de salvaguardar na atividade judicial certos interesses e valores de que uma sociedade democrática não ousaria prescindir. Insiste-se na escrupulosa observância de tais ou quais garantias das partes – ao menos, diga-se de passagem – quando se trata de pessoas simpáticas à opinião pública (ou melhor, à opinião publicada, que com aquela somos ingenuamente somos levados a confundir). Ora, um processo de empenho garantístico é por força um processo menos célere. Dois proveitos não cabem num saco, reza a sabedoria popular. É pretensão desmedida querer desfrutar ao mesmo tempo o melhor de dois mundos. (BARBOSA MOREIRA. 2001, P228-238)

Desta forma, a proposta da modificação na legislação pode auxiliar na resolução do problema da morosidade da justiça. No entanto, é necessário que o processo perdure pelo tempo necessário a fim de que garantias sejam respeitadas a bem dos próprios jurisdicionados17. Desta forma, apesar de constituir uma boa estratégia, isoladamente não seria capaz de efetivamente garantir o “acesso à justiça”.

Outro possível caminho para combater a morosidade da justiça é a necessidade de realizar investimentos no Poder Judiciário, em especial no tocante ao aparelhamento, distribuição de Varas, Comarcas, informatização, aumento do número de juízes e servidores, tudo de modo a melhor movimentar a máquina judiciária (SOUZA, 2012, p. 41).

Quanto a este tópico, pertinente a colocação de Nalini (2017, p. 28) quando acentua que o momento econômico pelo qual passamos (PIB negativo, recessão econômica,

17 Este entendimento, inclusive, encontra amparo na jurisprudência do STF, conforme o seguinte

julgado: Ementa: HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO, NA FORMA TENTADA (ART. 121, § 2º, INCISOS II, IV e VII, C/C ART. 14, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL). PRISÃO PREVENTIVA DEVIDAMENTE MOTIVADA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. 1. A decisão que determinou a segregação cautelar apresenta fundamentação jurídica idônea, já que lastreada nas circunstâncias do caso para resguardar a ordem pública, ante a periculosidade do paciente, indicada pelo modo destacado da prática do delito de homicídio qualificado, na forma tentada, contra a sua companheira. Precedentes. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a razoável duração do processo deve ser aferida à luz da complexidade da causa, da atuação das partes e do Estado-Juiz. Inexistência de mora processual atribuível exclusivamente ao Poder Judiciário. 3. Habeas corpus denegado. (GN) HC 138262 / SE – SERGIPE. DJe 01.12.2017.

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estagnação, queda na arrecadação e contingenciamentos) não ampara grandes investimentos na máquina judiciária18, motivo pelo qual as medidas alternativas a estes investimentos financeiros, como a autocomposição, ganham cada vez mais destaque em nosso meio jurídico.

O estímulo à consensualidade também se mostra mais viável devido ao fato de que, ainda que haja grande investimento na área de aparelhamento da justiça, a taxa de congestionamento permanecerá alta e o número de novas demandas continuará a crescer, em números ainda maiores que a quantidade de demandas encerradas, aumentando anualmente o estoque processual19.

Diante de tais propostas e das considerações feitas a cada uma delas, defende-se que as hipóteses aventadas, apesar de válidas e importantes, no momento presente não causariam um maior impacto para o oferecimento aos cidadãos de uma tutela, justa, efetiva e adequada do que o estímulo à contenção da litigiosidade, especialmente por meio da autocomposição.

A proposta do presente trabalho, neste contexto, é demonstrar que a contenção da litigiosidade, com destaque para os métodos autocompositivos, pode melhorar o desempenho do Poder Judiciário, reservando-se à apreciação judicial apenas os processos que efetivamente demandem uma solução impositiva estatal.

Sobre a forma de satisfação do conflito existente, Madureira (2017, p. 78) afirma que uma visão mais fria do cenário posto poderia levar ao entendimento de que “pouco importa aos litigantes que as contendas sejam solucionadas por acordos ou por

18Sengo o CNJ: “As despesas totais do Poder Judiciário correspondem a 1,4% do Produto Interno

Bruto (PIB) do País. (...). Destes recursos, 95% destinaram-se ao custeio de magistrados e servidores ativos e inativos. Não se trata apenas do que comumente se considera salário ou aposentadoria. Incluem-se aí remuneração, proventos, pensões, encargos, benefícios e outras despesas indenizatórias.

http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/09/e5b5789fe59c137d43506b2e4ec4ed67.pdf. Acesso em 16/02/2018.

19 Conforme dados do CNJ, apesar de todos os investimentos financeiros, o estoque do Judiciário só

vem aumentando desde 2009, o que demonstra que tal situação de assoberbamento não está nem perto de chegar ao fim, confira-se: “Tais fatores ajudam a entender o porquê de, apesar de se verificar um número de processos baixados quase sempre equivalente ao número de casos novos, o estoque de processos no Poder Judiciário (79,7 milhões) continua aumentando desde o ano de 2009, conforme demonstra a Figura 40. O crescimento acumulado no período foi de 31,2%, ou seja, acréscimo de 18,9 milhões de processos.

htttp://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/09/e5b5789fe59c137d43506b2e4ec4ed67.pdf. Acesso em 16/02/2018.

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decisões judiciais que enfrentem o mérito da pretensão”. Entretanto, o tema merece uma análise mais aprofundada, eis que muitas das vezes, nos casos adequados, as soluções consensuais se mostram mais satisfativas que a decisão judicial imposta.

Diante desse contexto de assoberbamento do Poder Judiciário e do estímulo às soluções consensuais, a importância da mitigação da cultura da sentença (nas palavras de Kazuo Watanabe)20 e a necessidade de exaltação da cultura da pacificação reside no fato de que em alguns casos a submissão da contenda a uma decisão judicial pode não ser a via mais indicada para a resolução do problema. Deve-se ter em mente que o cidadão recorre ao Poder Judiciário não porque deDeve-seja somente uma sentença favorável, mas porque espera que o seu conflito seja solucionado em definitivo. Assim, caso o cidadão perceba que seu conflito pode ser solucionado de forma efetiva por outro meio que não uma decisão judicial, para ele não haverá qualquer demérito na escolha pela via consensual.

O estímulo à autocomposição para a solução de conflitos, inclusive, já constava no ordenamento jurídico brasileiro desde a Constituição Brasileira de 182421. A Carta então vigente concedeu à conciliação (entendida hoje como autocomposição) status de destaque, determinando fosse adotada a tentativa de consenso como procedimento prévio e obrigatório para se ajuizar demanda judicial. (CAMPOS; FRANCO, 2017.p.267)

Ressalte-se, contudo, que o fato de alguns conflitos poderem ser resolvidos por outros meios além de uma decisão judicial não significa que esteja ocorrendo qualquer tentativa de usurpação de competência deste órgão, mas sim, postula-se a necessidade de averiguação da adequação ao método que melhor solucione o problema sob análise. Frise-se que, mesmo em optando o jurisdicionado pelos

20“Sobre a cultura da sentença pontua ainda Watanabe em citação transcrita por Yarshell e Moraes:

“Disso tudo nasceu a cultura da sentença, que se consolida assustadoramente. Por todas as razões acima citadas, os juízes preferem proferir sentença ao invés de conciliar as partes para obter a solução amigável dos conflitos. Sentenciar é mais fácil e cômodo, para alguns juízes, do que pacificar os litigantes”. (YARSHELL, MORAES, 2005, s.p.)

21 “Pode-se, de certo modo, afirmar que a tradição lusitana da concertação se manteve em solo

brasileiro mesmo depois do rompimento político. Inovou-se, contudo, a autoridade responsável por realizar o procedimento de conciliação e seu caráter de condição essencial para a lide: Art. 161. Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará Processo algum. Art. 162. Para este fim haverá juízes de Paz, os quais serão eletivos pelo mesmo tempo, e maneira, por que se elegem os Vereadores das Câmaras. Suas atribuições, e Distritos serão regulados por Lei. (Grifa-se, BRASIL, 1824). A conciliação tornou-se, assim, preceito constitucional e não processual”. (CAMPOS; FRANCO. 2017, p.267)

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métodos denominados de “alternativos”, ele sempre poderá recorrer à esfera judicial em razão da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF/88).

Sobre o tema expõe Fernanda Tartuce22 (2008, p. 171):

A introdução dos meios alternativos não visa substituir ou enfraquecer o poder judiciário, mas, pelo contrário, a oferecer meios mais adequados de resolução de conflitos e inserir-se no âmbito da modernização do Poder Judiciário, facilitando a efetiva prestação jurisdicional [...].

Portanto, não se trata de atribuir a pecha de ineficiente ao Poder Judiciário ou lhe usurpar qualquer competência, mas sim de adequar o direito de acesso à justiça não somente à decisão judicial, mas também às soluções consensuais, de forma que se forneça uma tutela tempestiva e efetiva, optando-se em cada caso concreto pela melhor via para tanto. Nessa linha, Ada Pelegrini Grinover (2016, p. 71) leciona que o princípio da autonomia da vontade, no caso da opção pelas soluções consensuais de controvérsias, acabou se impondo à ideia do monopólio estatal23, pois partindo da necessidade de busca pelo instrumento mais adequado para a solução de cada conflito, “verifica-se que a Justiça Estatal nem sempre se apresenta como a via melhor, mais eficiente e efetiva”.

Cappelletti inclui as soluções consensuais de controvérsias, dentro de seu estudo, como parte integrante da terceira onda de acesso à justiça, aduzindo que em certas espécies de litígios, a solução tradicional em juízo pode não constituir o melhor caminho, e para buscar a melhor solução, deve-se buscar alternativas aos juízos ordinários e procedimentos usuais, pontuando:

Essa ideia decerto não é nova: a conciliação, a arbitragem, a mediação foram sempre elementos importantes em matéria de solução de conflitos. Entretanto, há um novo elemento consistente em que as sociedades modernas descobriram novas razões para preferir tais alternativas. É importante acentuar que essas novas razões incluem a própria essência do movimento de acesso à Justiça, a saber, o fato de que o processo judicial agora é, ou deveria ser, acessível a segmentos cada vez maiores da

22 “A adoção de meios alternativos de composição de conflitos é uma tendência mundial que vem sendo

estimulada não só em virtude dos problemas dos sistemas jurídicos e judiciários vigentes, mas também pela evolução da sociedade rumo a uma cultura participativa, em que o cidadão seja protagonista na busca da solução por meio do diálogo e do consenso” (TARTUCE, 2008, p.168).

23 Nesse sentido também aponta Guerrero. “Embora as MASC´s não confiram impacto direto nas

formas de case management, que pode se dar com outras medidas, o certo é que se verifica um largo incremento de sua utilização, fazendo com que o Judiciário garanta por meio deles Justiça rápida e efetiva. Isso não quer dizer que tais métodos não tenham impacto para o Judiciário, nem é essa a discussão. Trata-se apenas da constatação de que os MASC´S não substituem o Judiciário, não são a panaceia, mas podem ser importantes instrumentos auxiliadores. (GUERRERO, 2015, p.72)

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população, aliás, ao menos teoricamente, a toda população. Esse é sem dúvida o preço do acesso à Justiça, o qual é o preço da própria democracia: um preço que as sociedades avançadas devem estar dispostas a (e felizes em) pagar. (CAPPELLETTI, 1994, p.87)

Ressaltada a importância do estímulo às soluções consensuais de controvérsias, temos que essas também podem ser consideradas mais atraentes para as partes pois além de poderem ter um custo global mais baixo que o processo, conferem uma maior segurança na efetivação da execução do acordo, eis que a solução encontrada reflete a participação direta das partes envolvidas. Sobre o tema Madureira (2017, p. 97) defende esta mesma premissa ao arguir que “a resolução de um conflito mediante autocomposição traz, potencialmente, menor risco de posterior resistência das partes processuais à satisfação do direito deduzido no processo”.

A solução do conflito, quando existe o envolvimento direto das próprias partes no poder de decisão é dotada de um maior grau de exequibilidade do que aquele que é definido por um terceiro estranho à causa de forma impositiva, como um juiz. As partes, inclusive, possuem importância vital para o sucesso das soluções consensuais de controvérsias, motivo pelo qual torna-se indispensável que as mesmas se conscientizem de que são sujeitos de direito capazes de assumir uma negociação, com a interveniência ou não de um terceiro, e resolver o conflito por elas próprias24.

A importância do papel das partes para o sucesso das soluções consensuais de controvérsias foi exposta por Siviero e Vincenzi (2016, s.p.) ao aduzirem que a justiça consensual remonta a uma postura dicotômica das partes na construção de uma solução para o problema, enquanto os processos judiciais apresentam estrutura triádica, ou seja, cabe a um terceiro estranho à lide prolatar uma decisão imperativa, pondo fim ao litígio. Nesse contexto, os métodos de solução de conflitos fundados no consenso ajudam a suplantar as insuficiências próprias da justiça adjudicada e permitem que os cidadãos participem diretamente da formação do acordo, bem como assumam os riscos e consequências do processo decisório, aduzindo:

24 No sentido de que as soluções consensuais de controvérsias permitem um maior empoderamento

do indivíduo, o que acaba por ocasionar aos poucos uma mudança na postura demandista que hoje vivenciamos, colacionam-se as palavras de Brunela Vieira Vincenzi e Ariadi Sandrini Rezende (2017, p. 538): “sendo o conflito inerente ao processo natural do homem, este passa a entendê-lo e resolvê-lo com a humanização dos problemas e com os princípios humanos, respaldados em meio ao diáresolvê-logo da mediação, no sentido de valorizar a pessoa humana diante do litígio, torna-se capaz de solucionar os conflitos respeitando o processo de reconhecimento dos indivíduos”.

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[...] a autocomposição também instrumentaliza o processo de emancipação social e de consolidação das liberdades individuais dos cidadãos, pois autonomiza os indivíduos a assumirem o controle sobre o desfecho de seus relacionamentos conflituosos, instando-os ao debate e ao exercício de se colocar no lugar do outro para entender seus anseios e pretensões [...] (SIVIERO; VINCEZI, 2016. s.p)

No tocante à importância das soluções autocompositivas para a contenção da litigiosidade, bem como seu papel no empoderamento do indivíduo enquanto sujeito de direitos, Madureira (2017, p. 78) expõe que, diante da solução impositiva prolatada pelo Poder Judiciário, a parte sucumbente pode se sentir injustiçada em face das razões de decidir do magistrado, caso em que poderá lhe parecer que apesar de ter lhe sido conferido o direito de acesso ao Judiciário, não lhe foi conferido o direito a uma decisão justa. Esta irresignação experimentada pela parte sucumbente pode levar a uma série de interposição de recursos, elastecendo o iter processual e tornando a justiça ainda mais morosa.

Neste esteio, a autocomposição, por levar em conta a participação de todas as partes para o desfecho do processo, permitiria uma maior celeridade no resultado final, contribuindo para a contenção da litigiosidade em razão da inexistência de recursos, bem como aumentaria as chances de um cumprimento espontâneo do acordado, decorrente do sentimento de legitimidade impresso pelo papel desempenhado pela parte no termo final do acordo. Ravi Peixoto (2017, p. 106) também destaca este importante reflexo das soluções consensuais de controvérsias no sentido de empoderamento e validação das partes ao estimularem os interessados a se perceberem reciprocamente como seres humanos merecedores de atenção e respeito, bem como possibilita a configuração de um método mais eficiente de resolução de conflitos futuros em razão da experiência obtida na autocomposição.

Assim, resta evidente que as soluções consensuais de controvérsias podem ser instrumentos de pacificação social ainda mais eficazes para alguns casos do que a própria decisão judicial, possibilitando o reconhecimento das partes enquanto sujeitos capazes e aptos a alcançar o consenso em seus próprios conflitos, onde não existirão vencedores ou vencidos, apenas agentes colaborativos.

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3. TRIBUNAL MULTIPORTAS

O problema do assoberbamento do Poder Judiciário e de sua dificuldade em prover, isoladamente, uma decisão justa, adequada e tempestiva parece residir na cultura da litigiosidade que se estabeleceu em nossa sociedade, demonstrada pelo número de ações judiciais em trâmite no Brasil e pela alta taxa de congestionamento. Ada Pellegrini Grinover (2016, p. 83) defende que a justiça não se realiza apenas pelo acesso aos tribunais, mas sim pelo acesso à ordem jurídica justa. Dentro deste panorama, a meta do acesso a esta ordem jurídica justa é a pacificação social, que poderá ocorrer, em maior ou menor grau, de acordo com os métodos processuais empregados para atingir a resolução dos litígios. Kazuo Watanabe (2005, p. 685), ao criticar a cultura da litigiosidade, dispõe que toda ênfase, no meio jurídico, é dada à solução do conflito por meio de decisão judicial, por sentença, sobressaindo a sistemática da decisão imperativa proclamada pelo representante do Estado, sem qualquer espaço para a adequação, para o concurso das vontades das partes e observando-se as especificidades do caso, ressaltando ainda que nem sempre esta será a melhor opção.

Essa compreensão tem orientado uma mudança de postura. Na busca por uma solução ao problema da morosidade da justiça, países da common law, especialmente dos Estados Unidos e Inglaterra25, se dedicaram ao estudo dos métodos alternativos de resolução de conflitos. Tal movimentação pode ser verificada, no Brasil, por meio da evolução normativa observada até então através da legislação extravagante, podendo ser indicado, a título de exemplificativo, a Lei dos Juizados Especiais (Lei nº

25“A tendência de aposta nos meios alternativos de solução de conflitos não é exclusiva do direito

brasileiro. Nos EUA, entre 1980 e 1998, o Congresso Americano elaborou cinco diferentes legislações incentivando a utilização desses meios alternativos. Na União Europeia, foi editado, em 2008, uma Diretiva da Mediação e, mais recentemente, em 2013 foi editada a Diretiva sobre a Resolução Alternativa de Litígios de Consumo. A Alemanha, por exemplo, também tem apostado nos meios -alternativos e pacíficos de resolução de conflitos, editando, desde 2000, algumas legislações incentivando-as, inclusive, permitindo que os Estados da Federação imponham, em algumas causas, um procedimento de conciliação obrigatório prévio. A Itália, também, foi outro país em que a legislação foi reformada para incentivar a utilização dos meios alternativos e pacíficos de solução de conflitos6 e há uma efetiva tendência de valorização da temática na Europa. Esses métodos de resolução alternativas de conflitos fazem parte de um projeto de acesso à justiça, mas o seu objetivo não é servir como armas a serem utilizadas para efetivar a duração razoável do processo, embora indiretamente possam ter esse efeito”. (PEIXOTO, 2016, p. 467 – 497)

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9.099/95), a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.306/9726) e a Lei dos Juizados Especiais Federais (Lei nº 10.259/01), entre outras.

Uma vez demonstrada a importância das soluções consensuais de controvérsias para o novo modelo de “acesso à justiça” de modo a permitir a obtenção de uma tutela justa, adequada e efetiva, bem como sua contribuição para a contenção da litigiosidade, passar-se-á a esmiuçar como elas estão reguladas no direito brasileiro.

Para tanto, será demonstrada a adoção, pelo direito brasileiro, do Tribunal Multiportas, bem como a existência, em nosso ordenamento jurídico, de um microssistema consensual, formado pela Resolução nº 125 do CNJ, pela Lei da Mediação (Lei nº 13.140/2015) e pelo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015)27.

3.1 O SURGIMENTO DA IDEIA NO DIREITO NORTE-AMERICANO: CONCEITO E EXTENSÃO DO INSTITUTO

O termo Multi-Door Courthouse foi pela primeira vez suscitado na cidade de Washington em 1976, na denominada Pound Conference, organizada pela American Bar Association (ABA) e capitaneada por órgãos estatais e presidentes de tribunais norte-americanos. O jurista Frank Sander, professor da Universidade de Harvard, convidado a palestrar no evento, vislumbrou um modelo múltiplo de organização judiciária, privilegiando a adequação do conflito ao melhor meio para sua resolução, colocando em cheque o protagonismo do Judiciário.

Por este modelo, a decisão judicial não mais seria a primeira e principal via de acesso à justiça para a resolução de conflitos e passaria a ser um dos meios para elucidar a questão posta à apreciação, de acordo com a natureza e as especificidades de cada caso. O acesso à justiça se ampliaria e haveria a possibilidade, com a redução dos processos judiciais, de soluções mais justas, rápidas e tempestivas para as lides.

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Nas palavras do próprio Frank Sander, em algum momento as cortes de justiça foram o lugar principal para as resoluções de conflitos, mas isto se tornou passado. Com o desenvolvimento das leis administrativas, a delegação de certos problemas a órgãos especializados se tornou comum, ainda que dentro do próprio judiciário também se tenha criado fóruns especializados para lidar com litígios familiares e tributários, entre outros. Essas divisões foram entregues a entidades com bastante experiência nas áreas respectivas, gerando o questionamento de que se não seria agora o momento de elevar tais métodos alternativos a meios primários de resolução de conflitos. (SANDER, 1979, s.p.)

Diante das ideias reveladas na Pound Conference de 1976, a ABA (Ordem dos Advogados dos Estados Unidos) publicou uma revista para divulgar o evento, retratando a ideia do expositor sobre a multiplicidade de meios para o acesso à justiça como uma grande quantidade de portas a serem escolhidas pelas partes para solucionar os mais diversos tipos de conflitos. Daí adveio a ideia do nome Multi-Door

Courthouse. O nome originalmente veiculado pelo criador seria “Centro Abrangente

de Justiça”. Tribunal Multiportas se consolidou como mais representativo.

Dierle Nunes, Natanael Lud Santos e Silva, Walsir Edson Rodrigues e Moisés Mileib de Oliveira (2017, p. 695), ao escreverem acerca do ocorrido na Pound Conference, disseminaram o entendimento de que, desde aquele evento, Sander já estava lançando as diretrizes para um Centro de Justiça Global, onde seriam estabelecidas uma série de métodos de soluções alternativas de disputas (alternative dispute resolutions), tais como mediação, arbitragem, conciliação, med-arb, entre outros; com o intuito de buscar a solução mais adequada para cada conflito, reduzindo a quantidade de litígios a serem resolvidos por uma decisão judicial.

No Brasil, em 2012, pela iniciativa conjunta da Fundação Getúlio Vargas e da Universidade de Saint Thomas foi realizada uma palestra, transcrita posteriormente em um livro, para apresentar pesquisa realizada pelo International ADR Research Network (programa representado pela professora Mariana Hernandes Crespo). Sander e Crespo discorreram sobre a dinâmica do Tribunal Multiportas e sua função de ampliar o acesso à Justiça.

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A ideia inicial é examinar as diferentes formas de resolução de conflitos: mediação, arbitragem, negociação e “med-arb” (combinação de mediação e arbitragem). Procurei observar cada um dos diferentes processos, para ver se poderíamos encontrar algum tipo de taxonomia para aplicar aos conflitos, e que portas seriam adequadas a quais conflitos. Venho trabalhando nessa questão desde 1976, porque na verdade o Tribunal Multiportas é uma simples ideia, cuja execução não é simples, porque decidir que casos devem ir para qual porta não é uma tarefa simples. É nisso que temos trabalhado”.

(SANDER, 2012, s.p.).

Madureira (2017, p. 90), citando Vinícius José Corrêa Gonçalves, conceitua o Tribunal Multiportas como um “sistema pluriprocessual de resolução de controvérsias”, que tem por finalidade disponibilizar processos com características específicas que sejam adequadas às especificidades do caso concreto.

Nessa palestra, posteriormente transcrita para livro, os interlocutores expressam que o Tribunal Multiportas é eficiente porque permite que as partes concluam o conflito de forma relativamente barata e rápida. Pode, ainda, o instituto do Multi-Door Courthouse ser considerado efetivo porque direciona as partes ao método mais apropriado para a resolução de seus conflitos, possibilitando, dessa maneira, o seu nível de satisfação com o resultado, além de aumentar a probabilidade da execução da solução obtida. Ademais, O Tribunal Multiportas tem ainda o potencial de liberar o Judiciário de ações que são mais apropriadas aos métodos alternativos de resolução de conflitos, mantendo-se apenas aquelas que exijam processo público.

Como visto, o escopo do Tribunal Multiportas é implantar um centro de resolução de conflitos onde a escolha do melhor caminho para a solução da contenda seja feita em razão da adequação do método ao caso concreto, ou seja, todos os caminhos têm a mesma importância, e nem mesmo a via judicial seria superior às demais.

A ideia de buscar outras formas de solucionar conflitos além da decisão judicial se amoldou ao ideal representado pelo Código de Processo Civil de 2015 de estímulo às soluções consensuais de controvérsias, motivo pelo qual defende-se, neste trabalho, a adoção do Tribunal Multiportas pelo novo Codex processual, estímulo que já vinha sendo percorrido desde a edição da Resolução nº125 do CNJ e, posteriormente, foi também adotado pela Lei da Mediação (Lei nº 13.140/2015).

Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (2017, p. 37), no mesmo caminho, atestam que a adoção dos meios alternativos de solução de controvérsias é uma tendência mundial

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que hodiernamente vem sendo estimulada, não apenas para aumentar o acesso à Justiça em razão dos problemas constatados no Judiciário, mas também em razão do desenvolvimento de uma cultura cada vez mais democrática e participativa, onde o jurisdicionado assume papel de destaque na busca pela solução de suas contendas por meio do consenso28.

Nessa seara, o Tribunal Multiportas se afigura como peça essencial na contenção da da litigiosidade, pois nele a contenciosidade dá lugar à sintonia de objetivos e a belicosidade pode dar espaço ao consenso, respeitando a diversidade em detrimento da adversidade. Pode-se visualizar, desta forma, uma nova rota onde todos os interessados têm uma efetiva participação, se “utilizando do verdadeiro instrumento e agente de transformação – o diálogo conduzido pelo mediador – no lugar da sentença que corta a carne viva” (ANDRIGUI e FOLEY, 2008, p.286).

3.2 A ASSIMILAÇÃO DO MULTI-DOOR COURTHOUSE SYSTEM NO DIREITO BRASILEIRO

Diante da relevância do instituto e da constatação de que, pelo menos entre nós, o Poder Judiciário não mais está conseguindo, isoladamente, viabilizar a tutela justa e efetiva em tempo razoável, aos poucos a legislação brasileira passou a incluir e estimular os meios consensuais de solução de controvérsias.

O modelo de processo adotado pelo Código de Processo Civil de 1973, que regulava de forma superficial a autocomposição e colocava em destaque a decisão heterocompositiva fornecida pelo Poder Judiciário, passou a não mais atender aos anseios da população por soluções rápidas, tempestivas e efetivas a seus conflitos,

28 No mesmo caminho atestam ainda os autores que “ é preciso considerar a “adequação” do meio - e

a sua “alternatividade”. Aos olhos do CPC não há superioridade da justiça estatal em relação aos demais meios de solução de controvérsias. Como afirmou a doutrina: “a única relação que, num Estado de Direito, pode legitimamente existir é uma relação de adequação. A mediação e a conciliação serão modos legítimos de resolução e conflitos se forem os modos adequados de resolução destes conflitos. Esta observação não é inconsequente, pois ela repercute efeitos sobre a compatibilidade constitucional de soluções que impliquem a criação de entraves processuais ou desvantagens patrimoniais no acesso aos tribunais”. (DIDIER JR.; ZANETI JR, 2017, p. 37).

Referências

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