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CAPÍTULO 1: MOTIVAÇÃO PARA APRENDER MATEMÁTICA NO CURSO

1.2. Autorregulação da aprendizagem

1.2.1. Autorregulação da aprendizagem: origem e conceitos

A pesquisa sobre autorregulação da aprendizagem acadêmica emergiu para responder à pergunta de como o aluno tornava-se “dono” de seu processo de aprendizagem. A autorregulação, ao contrário das medidas de capacidade mental, refere-se aos processos de autocrenças, auto-orientação que permitem aos alunos transformarem suas habilidades mentais em habilidades de desempenho acadêmico, admitindo o estabelecimento de metas, seleção e aplicação de estratégias e automonitoramento da eficácia (ZIMMERMAN, 2008).

Os estudos sobre a autorregulação da aprendizagem ganharam destaque a partir da década de 1980 e, inicialmente, enfatizaram as estratégias de aprendizagem. Porém, nos últimos anos, pode-se perceber uma preocupação crescente com fatores afetivos e motivacionais, como emoções, autoeficácia, autoavaliação, dentro deste processo, promovendo um estudo mais amplo e integrado (BORUCHOVITCH, 2014).

7Melin (2013) analisou estatisticamente dados coletados por meio de um questionário.

8Neste trabalho, entendemos metacognição como a “autoconsciência dos processos cognitivos e a habilidade de controlá-los” (FLAVELL, 1979 apud BORUCHOVITCH, 2014. p. 403).

Um momento muito importante para a pesquisa no campo da autorregulação da aprendizagem foi o Simpósio da Associação Americana de Pesquisa Educacional, em 1986, onde foi publicada uma edição especial da Contemporary Educational Psychology. Esse trabalho reuniu, sob uma mesma ótica, estudos de vários pesquisadores, como Monique Boekaerts, Lyn Corno, Steve Graham, Karen Harris, Mary McCaslin, Barbara McCombs, Judith Meece, Richard Newman, Scott Paris, Paul Pintrich, Dale Schunk, que abordavam temáticas diferentes, como, por exemplo, estratégias de aprendizagem, percepção de autoconceito, autocontrole e estratégias volitivas. Segundo Zimmerman (2008), um resultado relevante do simpósio foi a definição do constructo autorregulação da aprendizagem como o grau com que os alunos participam do seu processo de aprendizagem, considerando sua motivação, seu comportamento e sua metacognição.

Do ano de 1980 até os dias atuais, a autorregulação da aprendizagem vem sendo objeto de estudo em muitas investigações. Diversos pesquisadores têm trabalhado nessa área e construído definições e caracterizações acerca desse tema. No quadro 01, apresentamos algumas delas.

Quadro 01 – Algumas definições e caracterizações sobre a autorregulação da aprendizagem

Autor Definição

Panadero e Alonso-Tapia (2014)

“A autorregulação pode ser definida como o controle que o aluno exerce sobre seus pensamentos, emoções, ações e motivações para alcançar os objetivos estabelecidos”9 (PANADERO E ALONSO- TAPIA, 2014, p.451 – tradução nossa). O controle de pensamento apresentado na definição refere-se ao componente cognitivo da autorregulação, chamado de metacognição, que tem por base o domínio estratégico dos processos cognitivos. O controle das ações e das emoções implica o domínio da conduta para alcançar os objetivos traçados. E o controle da motivação implica a vontade/empenho para iniciar uma tarefa e para manter o interesse e concentração durante o desenvolvimento da mesma. Já os objetivos referem-se a três grandes orientações motivacionais: aprendizagem, resultado e evitação.

Azzi e Polydoro (2009) A autorregulação é um processo “consciente e voluntário de governo que possibilita a gerência dos próprios comportamentos, pensamentos e sentimentos, voltados e adaptados para obtenção de metas pessoais e guiados por padrões gerias de conduta” (BANDURA, 1991, AZZI E POLYDORO, 2008, ZIMMERMAN, 2000 apud AZZI E POLYDORO, 2009, p. 75). O processo de autorregulação opera por meio de três subfunções: a auto-

9Original: “La autorregulación La definimos como “el control que el sujeito realiza sobre sus pensamientos, acciones, emociones y motivación a través de estratégias personales para alcanzar los objetivos que há establecido”.

observação, que permite ao indivíduo identificar o próprio comportamento, as condições em que ele ocorre e seus efeitos; julgamento, na qual ações e escolhas são avaliadas considerando o próprio comportamento, as circunstâncias em que ocorre, as referências pessoais e as normas sociais; e a autorreação, que representa a mudança autodirigida no curso da ação, com base em consequências autoadministrativas. As três subfunções ocorrem de forma integrada e atuam em interação com o ambiente.

Rosário, Núñez e González- Pienda (2006)

“(...) refere-se a pensamentos, sentimentos e ações que são planejadas e adaptadas, quando necessário, para incrementar a motivação e a aprendizagem” (SCHUNK, 1994; ZIMMERMAN 2000 apud ROSÁRIO, NÚÑEZ e GONZÁLEZ-PIENDA, 2006, p. 16). Quando aplicado ao campo da educação, a autorregulação apresenta um leque de estratégias como: o estabelecimento de objetivos; a atenção e concentração na instrução, utilizando estratégias de codificação, organização da informação aprendida; a construção de um ambiente de trabalho favorável ao rendimento escolar; a gestão do tempo disponível e a procura da ajuda necessária junto a colegas e familiares, entre outros.

Kremer-Hayon e Tillema (1999)

A autorregulação refere-se à consciência e ao conhecimento que o indivíduo tem sobre seu processo de aprendizagem. Esse constructo também alude à cognição e seu controle, uma vez que essa habilidade é fundamental para o desenvolvimento da aprendizagem. Zimmerman (2008) Refere-se aos processos de auto-orientação e autocrenças que

permitem aos alunos transformar suas habilidades mentais, como, por exemplo, aptidão verbal em uma habilidade de desempenho acadêmico, como a escrita. A autorregulação da aprendizagem pode ser vista como um processo pró-ativo que permite ao aluno estabelecer metas, selecionar e implantar estratégias e monitorar a eficácia, e não apenas como um componente reativo.

Fonte: Elaborado pela pesquisadora

Analisando as definições, percebemos que elas apresentam mais elementos comuns que divergentes. Como descrevem Azzi e Polydoro (2009), observamos ainda que alguns pesquisadores, como Zimmerman, Rosário, Núñez e González-Pienda, compartilham da perspectiva da teoria Social Cognitiva, de Albert Bandura.

A partir dos estudos que realizamos sobre o tema, abordamos, neste trabalho, a autorregulação da aprendizagem como o processo pelo qual o indivíduo planeja, executa e reflete sobre sua aprendizagem, considerando os aspectos sociais, motivacionais, cognitivos, e o ambiente no qual está inserido.

Dentre os diversos modelos de autorregulação de aprendizagem existentes, é consenso que ela envolve, de modo geral, o controle dos processos de cognição, das emoções e do pensamento (BORUCHOVITCH, 2014). Ainda, segundo os estudiosos da área, há convergência quanto ao grande valor das estratégias de aprendizagem, as variáveis motivacionais e afetivas para a aprendizagem autorregulada.

Na presente pesquisa nos apoiamos no modelo de Zimmerman, apresentado pela primeira vez no ano 2000. Uma breve análise de outros modelos pode ser observada no apêndice A, p. 123. O modelo de aprendizagem autorregulada de Zimmerman baseia-se na teoria social cognitiva de Bandura. Na perspectiva dessa teoria, a autorregulação “é entendida como resultante da interação entre os aspectos comportamentais do estudante e das variáveis ambientais” (BORUCHOVITCH, 2014, p. 404).

Neste modelo, existem três tipos de autorregulação: comportamental, ambiental e interna. A autorregulação comportamental ocorre por meio da auto-observação e dos ajustes estratégicos dos fatores pessoais e comportamentais. Já a ambiental ocorre por meio da observação e envolve a adequação entre os fatores ambientais e comportamentais. A autorregulação interna envolve o monitoramento e controle dos aspectos cognitivos e afetivos dos fatores ambientais, comportamentais e pessoais (BORUCHVITCH, 2014). Zimmerman propõe três fases cíclicas para explicar seu modelo: a fase de previsão, a de controle volicional/execução e a de controle autorreflexivo/autorreflexão.

Figura 01: Fases e processos da autorregulação (Modelo de Zimmerman e Moylan - 2009). Fonte: PANADERO e ALONSO-TAPIA, 2014, p. 452.

A fase de antecipação e previsão antecede qualquer ação. Refere-se à atividade de análise e antecipação da tarefa pelo estudante. Ela envolve o estabelecimento de objetivos e o planejamento de estratégias para a realização das tarefas, associados à análise de crenças motivacionais, ou seja, motivação intrínseca, crenças de autoeficácia, expectativas de resultado e as metas de realização (AZZI e POLYDORO 2009).

Figura 02: Fases de planejamento (Modelo de Zimmerman e Moylan - 2009). Fonte: PANADERO e ALONSO-TAPIA, 2014, p. 453.

A fase de controle de desempenho ou volição refere-se às ações e comportamentos reais que os alunos realizam durante o processo de aprendizagem. Nessa fase, é importante que o aluno mantenha a concentração nas atividades e utilize estratégias de aprendizagem adequadas para alcançar sucesso acadêmico e para manter- se motivado (PANADERO e ALONSO-TAPIA, 2014).

De acordo com Panadero e Alonso-Tapia (2014), os dois principais processos, durante a fase de execução, são a auto-observação e o autocontrole. A auto-observação subdivide-se em outros dois processos: o automonitoramento e o autorregistro.

O automonitoramento consiste em comparar o que está sendo feito, utilizando algum tipo de critério que permita avaliar sua execução, é um tipo de trabalho similar à autoavaliação final do trabalho, porém, nesse contexto, a autoavaliação ocorre durante o processo.

O autorregistro refere-se às anotações das ações que foram utilizadas durante o desenvolvimento da tarefa. Essa estratégia de aprendizagem ajuda no processo de reflexão, após o desenvolvimento da tarefa. Já o autocontrole do desempenho e da motivação implica a utilização de uma série de estratégias metacognitivas e

motivacionais como gestão de tempo, autoinstrução, construção de imagens mentais, controle do ambiente de trabalho, para evitar elementos capazes de causar distração, o pedir ajuda quando necessário e o pensar nas consequências (PANADERO e ALONSO- TAPIA, 2014).

Figura 03: Fase de execução (Modelo de Zimmerman e Moylan - 2009). Fonte: PANADERO e ALONSO-TAPIA, 2014, p. 456.

A autorreflexão é a fase que ocorre após o planejamento e execução das atividades, em que os alunos se autoavaliam quanto à eficácia das estratégias utilizadas e às metas alcançadas (BORUCHVITCH, 2014). Ao tratar das razões para justificar os resultados obtidos, os alunos podem experimentar emoções positivas e negativas que podem influenciar na sua motivação e em sua capacidade de autorregulação no futuro (PANADERO e ALONSO-TAPIA, 2014).

Figura 04: Fase de autorreflexão (Modelo de Zimmerman e Moylan - 2009). Fonte: PANADERO e ALONSO-TAPIA, 2014, p. 458.

Boruchovitch (2014), ressalta que, embora o modelo de Zimmerman apresente as fases separadamente, elas não podem ser analisadas como eventos isolados, elas são dinâmicas e cíclicas. O que nos leva a pensar na autorregulação como uma variável em termos de grau de um continuum.

Boruchovitch (2014) aponta que, entre os vários modelos de autorregulação de aprendizagem, o modelo de Zimmerman é um dos mais completos, por abranger maior número de variáveis que possibilitam a compreensão da inter-relação entre os aspectos afetivos, motivacionais, metacognitivos. Essa autora ainda destaca a ênfase dada às características internas dos estudantes (como motivação, comportamento, crenças, entre outras), nas pesquisas relacionadas à autorregulação. Panadero e Alonso-Tapia (2014) também destacam a relevância do modelo de Zimmerman, como base teórica que permite determinar sobre em quais aspectos intervir para melhorar a motivação dos alunos na sala de aula.

Para compreendermos o papel da autorregulação no contexto escolar, precisamos caracterizar os alunos autorregulados. Zimmerman, Bandura e Martinez- Ponz (1992, p. 664 – tradução nossa) reforçam que os “alunos autorregulados não são diferenciáveis apenas por sua orientação proativa e desempenho, mas, também, pelas suas capacidades automotivadoras”10. Zimmerman (2010) relata que alunos autorregulados possuem altas crenças de autoeficácia, interesse intrínseco nas tarefas,

10 Original: “Self-regulated learners are not only distinguished by their proactive orientation and performance but also by their self-motivative capabilities”.

são persistentes durante a atividade, buscam conselhos e ajuda quando necessário, e utilizam estratégias para otimizar a aprendizagem. Além disso, eles são cientes do que sabem e das habilidades que possuem.

Montalvo e Torres (2004 apud AZZI e POLYDORO, 2009, p. 79) também denotam que o aluno autorregulado é aquele que aprendeu “planejar, controlar e avaliar seus processos cognitivos, afetivos, motivacionais, comportamentais e contextuais, possui autoconhecimento sobre o próprio modo de aprender, suas possibilidades e limitações”.

Com base na revisão de alguns estudos Kremer-Hayon e Tillema (1999) atestam que alunos autorregulados são seguros em suas estratégias, definem metas para alcançar seus objetivos, sustentam sua motivação, além de ter consciência de como seu conhecimento e suas crenças implicam a abordagem, durante as tarefas. São também mais flexíveis e adaptam-se mais facilmente aos desafios da sala de aula.

Zimmerman (2010) alerta para a importância de distinguirmos os processos de autorregulação (como, por exemplo, as percepções de autoeficácia) das estratégias desenvolvidas para aperfeiçoar esses processos (como a definição de objetivos intermediários).

Para esse autor, as estratégias de autorregulação referem-se às ações dos alunos dirigidas aos processos de aquisição de habilidade, informação, instrumentalidade. De certo modo, a maioria dos estudantes utiliza esses processos regulatórios em algum grau. Porém, estudantes autorregulados distinguem-se pela consciência das relações estratégicas entre os processos regulatórios e os resultados da aprendizagem, e também porque conseguem usar as estratégias para alcançar seus resultados acadêmicos.

Um aspecto importante das teorias da autorregulação da aprendizagem é que a aprendizagem e a motivação devem ser tratadas como processos interdependentes, não podendo ser compreendidos de forma isolada (ZIMMERMAN, 2010). As percepções de autoeficácia dos estudantes, “por exemplo, são um motivo para aprender e subsequentes resultados das tentativas de aprender”11 (SCHUNK, 1984,1985 apud ZIMMERMAN, 2010, p. 6 – tradução nossa). Ainda como nos aponta Zimmerman (2010), com base em seus estudos sobre Bandura (1989), a maior motivação desses estudantes é definir metas superiores para si, diante do fato de já terem alcançado as metas definidas anteriormente.

11Original: “For example, student perceptions of self-efficacy are both a motive to learn and a subsequent outcome of attempts to learn”.

Assim, a autorregulação é mais do que uma capacidade de executar uma resposta de aprendizagem por si mesmo, e de ajustar respostas de aprendizagem diante de um feedback negativo. Ela envolve esforços proativos para lucrar com as atividades de aprendizagem. Nessa perspectiva, os aprendizes não são autorregulados somente num sentido metacognitivo, mas também motivados. A sua vontade e suas habilidades são componentes integrados de autorregulação (ZIMMERMAN, 2010).

A autorregulação da aprendizagem também não possui uma natureza associal. Cada processo ou comportamento autorregulatório pode ser ensinado ou modelado pelos colegas, pais e professores (ROSÁRIO, NÚÑEZ e GONZALÉZ-PIENDA, 2006). Certamente, alunos autorregulados sempre estão dispostos a melhorar a qualidade de sua aprendizagem.

Paris, S.G. e Paris, A.H. (2001) acreditam que a compreensão da autorregulação da aprendizagem pelos alunos pode ser reforçada de três maneiras: indiretamente, por meio da experiência, diretamente, por meio de instrução, e eliciada, através da prática. Primeiro, a autorregulação pode ser induzida de repetidas experiências, por exemplo, alunos podem perceber que, controlando seu trabalho, obterão maior precisão e gastarão menos tempo para a realização das tarefas. Em segundo lugar, o professor pode fornecer instruções explícitas sobre a autorregulação. Quando, por exemplo, expõe uma estratégia e explica seu benefício com relação à aprendizagem, ou quando analisa cada termo em uma história de um problema matemático. Em terceiro lugar, quando a autorregulação é adquirida através de situações nas quais a própria autorregulação é pertencente à natureza da tarefa. Podemos usar, como exemplo, o projeto de aprendizagem colaborativa, no qual cada aluno deverá contribuir com uma parte do projeto global. Se a contribuição for insuficiente, a necessidade de uma reformulação do trabalho pode tornar-se aparente. Também pode haver apontamentos explícitos de seus pares sobre a necessidade de melhoria. Nesse caso, a autorregulação apresenta-se como parte da atividade.

Raramente os alunos utilizam apenas um dos modos apresentados acima para reforçar sua autorregulação. Provavelmente, todos eles operam juntos na sala de aula, para que o aluno seja capaz de administrar sua aprendizagem (PARIS, S.G. e PARIS, A.H., 2001). Devemos lembrar que as características individuais e do ambiente podem levar os alunos a diferentes níveis de regulação da aprendizagem.

A autorregulação da aprendizagem é mais provável, quando os professores criam ambientes de sala de aula em que os alunos tenham a oportunidade de buscar desafios,

refletir sobre seu progresso, e tomar responsabilidade e orgulho de suas conquistas (PARIS, S.G. e PARIS, A.H., 2001). O professor pode ajudar seus alunos a obterem um controle maior sobre sua aprendizagem. Mas, para isso, parece fazer sentido que ele seja um profissional autorregulado. Dessa forma, se quisermos compreender a autorregulação no contexto escolar, é necessário que voltemos nossos olhares à formação de nossos docentes.

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