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Autovalores e autovetores

2 Autovalores e Autovetores de um Operador Linear

2.1 Autovalores e autovetores

Em muitas situações práticas de ciências puras e aplicadas, dado um operador linear T V: →V, deparamo-nos com o problema de

encontrar vetores não-nulos v tais que o vetor transformado T v( ) seja múltiplo de v. Esse é o problema de autovalores, um tópico mui-

to importante da Álgebra Linear. O termo autovalor provém do adjetivo germânico eigen, que significa “próprio” ou “característico

de”. Do ponto de vista teórico, autovalores e autovetores concen-

tram informações sobre a natureza do operador e tornam-se im- portantes porque nos mostram como o operador funciona.

Definição: Um número real  é um autovalor ou valor próprio do operador linear T V: →V se existe um vetor não-nulo v V∈ tal

que T v( )=v. O vetor v é chamado de autovetor ou vetor próprio

de T associado a . O conjunto V formado por todos os autove-

tores de T associados a um autovalor  e pelo vetor nulo é um subespaço vetorial de V chamado subespaço próprio ou autoespaço associado a .

A partir daí, algumas perguntas que surgem de maneira natu- ral são: quantos autovetores podemos associar a um autovalor? Quantos autovalores podemos encontrar? O que podemos fazer para encontrar autovalores e autovetores? Com o intuito de res- ponder a essas e outras perguntas que aparecerão no decorrer do capítulo, começamos com a observação de que se v é um auto-

vetor de T associado a , então o mesmo acontece com v para qualquer escalar arbitrário não-nulo , já que

( ) ( ) ( ).

T v =vTv = v

Ou seja, qualquer múltiplo escalar de v também V é um autove-

tor de T associado a .

Para ilustrarmos como achar autovalores e autovetores correspon- dentes apresentamos alguns exemplos a seguir.

Exemplo 1: Seja 2 2

:

T ℜ → ℜ , T x y( , )=(2 ,x x+3 )y . Para pro-

curar autovalores e autovetores de T resolvemos a equação

( , ) ( , )

T x y = x y ou (pela definição de T) (2 ,x x+3 )y = ( , )x y . Igualando componentes obtemos o sistema de equações:

2 3 x x x y y   =   + = 

Note que y não pode ser zero, caso contrário obteríamos x=0 e daí (x,y) = (0,0) (ou seja, o vetor nulo v=(0, 0)), o que não pode acontecer pela definição de autovetor. Agora podemos considerar dois casos: x≠0 e x=0. Se x≠0, da primeira equação obtemos

2

 = , e, com esse valor na segunda equação, x= −y. Assim,  =2 é um autovalor de T e v=( ,x − =x) x(1, 1)− , x≠0, é um autove- tor correspondente. Nesse caso, o subespaço próprio associado a

2

 = é V=2={ (1, 1) /xx∈ℜ =} [(1, 1)]− ou, em palavras, V=2 é o

subespaço de ℜ2 gerado pelo autovetor

(1, 1)

v= − que é a reta no

plano que contém v.

Se x=0, da segunda equação segue que  =3 e y pode ser

arbitrário (não-nulo). Portanto,  =3 é outro autovalor de T,

(0, ) (0,1)

v= y = y é um autovetor associado, e V=3 =[(0,1)], que é a reta que passa pela origem e é perpendicular ao eixo Y, é o

O efeito de um operador linear é determinado facilmente e sim- ples de se interpretar geometricamente em ℜ2. Como ilustração,

considere o operador T do exemplo 1 e os vetores v= −( 1,1), e (1, 0)

u= . Dessa forma, T v( )= −( 2, 2)= −2 ( 1,1), isto é, v é trans-

formado em um múltiplo de si mesmo, pois v é um autovetor de T associado ao autovalor  =2 (ver figura 3 a seguir). O efeito do operador sobre u é T u( )=(2,1). Obviamente, u não é autovetor

do operador, pois T u( ) não é múltiplo de u.

y x x v u x x y T (v) = 2v T (u) T

Figura 2.1 - Efeito de um operador linear

Observação: Embora o efeito de um operador em ℜ2 seja simples

de se calcular, a situação pode ser bem diferente quando a di- mensão do espaço é elevada. No entanto, se v é uma combinação

de autovetores v1,,vp de T, por exemplo, v=1 1v + + pvp, e

se ambos j e vj são disponíveis, o efeito de T sobre v pode

ser calculado facilmente. De fato, como T é linear, segue que

1 1

( ) ( ) p ( p)

T v =T v + +  T v e, assim, o efeito do operador pode ser calculado como T v( )= 1 1v1+ +  p pvp, um fato muito

explorado em aplicações da álgebra linear na resolução de proble- mas práticos.

Um ponto importante a ser enfatizado é que não é raro encontrar operadores lineares que não possuam autovalores. Ilustramos isso com o exemplo 2 a seguir:

Exemplo 2: Seja 2 2

:

T ℜ → ℜ , T x y( , )= −( y x, ). Se  é um au- tovalor de T e v=( , )a b é um autovetor correspondente, então

( )

T v =v ⇔ −( b a, )= ( , )a b . Daí segue que  + =2 1 0, o que é im- possível em ℜ. Ou seja, como não existe  real tal que T v( )=v, concluímos que o operador T não tem nem autovalores nem auto-

vetores. Outro operador 2 2

:

T ℜ → ℜ que não possui autovalores é

aquele que produz rotações no plano, veja a lista de exercícios ao final deste capítulo.

A existência de autovalores de um operador linear não depende da dimensão do espaço. Veja o exemplo a seguir.

Exemplo 3: Seja V =C( )ℜ o espaço das funções contínuas em ℜ. Sabemos que V é um espaço vetorial real de dimensão infinita.

Seja T V: →V o operador linear definido por | 0

( )t t ( )

T f =

f x dx.

Afirmamos que o operador T não possui nenhum autovalor. De

fato, vamos supor que ∈ℜ é um autovalor de T. Então exis-

te f ≠0 tal que Tf =f . Isto é,

0

( ) t ( )

f t f x dx

 =

. Agora, já que pelo primeiro teorema fundamental do cálculo temos  =f ' f , segue que  ≠0, pois f ≠0. Por outro lado, note que a equação diferencial f ' 1 f

= tem solução ( ) ct

f t =e com c=1 /. Substi- tuindo essa solução na equação autovalor-autovetor segue que

0

t

ct cx ct

e e dx e

 =

=  −, e assim  =0, o que contradiz o fato de ser  ≠0. Logo, fica demonstrado que o operador T não tem au-

tovalores.

Sabemos que toda matriz real A n n× define um operador linear

1 1

: nx nx

A

T ℜ → ℜ dado por T vA( )=Av. Note que aqui v denota um

vetor coluna em ℜnx1 e que a imagem do operador é calculada via

produto matriz vetor. Assim, os autovalores e autovetores de A

são, por definição, os autovalores e autovetores do operador TA.

Logo,  é um autovalor de A se existe um vetor não-nulo v em 1

nx

ℜ tal que Av=v. Portanto, podemos concluir que:

 é um autovalor de A ⇔ a equação (A − I) x = 0 em solução não-trivial.

Observe que, nessa equação, I denota a matriz identidade n n× .

No entanto, já que o sistema homogêneo (A−I x) =0 tem solu- ção não-trivial se e somente se A−I é uma matriz singular, ou equivalentemente, se e somente se det (A−I)=0, temos que:

Os autovalores da matriz são as raízes da equação

a)

det (A−I)=0

chamada equação característica, e p( ) =det (A−I) é um po- linômio em  de grau n chamado polinômio característico de

A. Para ver que p( ) é um polinômio de grau n, basta ob-

servar que avaliando o determinante

11 1 1 ( ) det ( ) det n n nn a a p A I a a     −     = − =       

obtemos p( ) =(a11−)(ann − +) termos de grau menor

que n. Isso mostra que o polinômio característico de A é

de grau n.

É importante observar que, se A é uma matriz real n n× ,

então p( ) tem coeficientes reais e, portanto, todas as suas raízes complexas vêm em pares conjugados. Assim, se

a ib

 = + é raiz de p( ) , seu complexo conjugado  = −a ib

(i= −1) também é raiz de p( ) . Formalmente, as raízes complexas de p( ) são autovalores complexos da matriz

A interpretada como operador 1 1

: n n ,

A

T  × →× dado por

( )

A

T x =Ax, x∈n×1. Dessa forma, se  1, 2,,n são os au- tovalores de A (reais ou complexos), então o polinômio ca-

racterístico p( ) pode ser escrito como

1 2

( ) ( ) ( ) ( n )

p  =  −  −   − .

Considerando agora que p( ) =det (A−I)e tomando  =0 nessa equação, segue que

1 2 n p(0) det ( )A

   = = .

Outra conclusão imediata, que provém de comparar o coefi- ciente de ( n 1

 −

− ) da expressão, que resulta de avaliar o deter- minante det (A−I), com o coeficiente de ( n 1

 −

− ) que aparece após desenvolver os produtos (1− ) ( 2−)(n−), é que

1 1 n n j jj j j a  = = =

.

A soma dos elementos da diagonal principal de uma ma- triz quadrada A é chamada de traço de A e é denotada por

( )

tr A .

Para cada autovalor

b) , os autovetores associados são solu- ções não-triviais do sistema homogêneo

(A−I x) =0.

Observação: Uma dificuldade de ordem prática no cálculo de au-

tovalores para matrizes n n× , n>4, é que equações polinomiais de grau maior que 4 não são solúveis por radicais, ou seja, essas equações não podem ser solucionadas usando fórmulas análogas àquelas usadas para equações de segundo ou terceiro graus. Por isso, na prática, o cálculo de autovalores é feito computacional- mente através de métodos iterativos. Métodos iterativos que usam transformações ortogonais são implementados em muitos siste- mas interativos como MATLAB, SCILAB, OCTAVE, MAPLE etc.

Os exemplos a seguir ilustram o procedimento para encontrar au- tovalores e autovetores associados.

Exemplo 4: Considerando a matriz 3 2

1 0 A=  −   , a equação carac- terística é: 3 2 det ( ) 0 (3 ) (0 ) 1( 2) 0. 1 0 AI     − − − = = ⇔ − − − − = −

Daí vemos que os autovalores da matriz A são raízes da equa- ção 2

3 2 0

 − + = :  =1 2, e  =2 1. Para encontrar os autovetores

associados a  =1 2, devemos encontrar soluções não-triviais do

sistema homogêneo (A−1I x) =0: 1 1 1 2 3 2 0 1 0 0 x x    − −      =             .

Esse sistema reduz-se à expressão x1−2x2 =0, da qual vemos que

todas as soluções não-triviais desse sistema, ou seus autovetores associados a  =1 2, são da forma

2 1

x=    

escalar não-nulo. Procedendo analogamente, podemos verificar que os autovetores associados com  =2 1 são da forma

1 0

x=      ,  sendo qualquer escalar não-nulo.

Exemplo 5: Neste exemplo consideramos a matriz

3 1 0 1 2 1 0 1 3 A  −    = −  −   .

Para esta matriz, a equação característica é:

3 2 3 1 0 det ( ) 1 2 1 0 8 19 12 0 0 1 3 A I        − − − = − − − = ⇔ − + − + = − − .

As raízes da equação característica fornecem os autovalores  =1 1,

2 3

 = ,  =3 4. Para encontrar o autovetor associado a  =1 1, re-

solvemos o sistema homogêneo (A−1I x) =0, que nesse caso tem

a forma 1 1 2 1 1 2 3 2 1 3 (3 ) 0 (2 ) 0 (3 ) 0 x x x x x x x    − − =  − + − − =   − + − = 

Escalonando, obtemos o sistema equivalente

1 2 3 2 3 0 2 0 x x x x x − + =   =

que possui grau de liberdade 1 (ou seja, há uma variável livre). Tomando x3 como variável livre, o autovetor associado a  =1 1

tem a forma 3 3 3 3 1 2 2 3 x x x x x         = =  

, para x3 não-nulo e arbitrário. Pro-

cedendo analogamente, para  =2 3 temos que o autovetor asso-

ciado é 1 0 1 x      =    − 

, sendo não-nulo, enquanto que para  =3 4

o autovetor é 1 1 1 x      =  −    

Para cada matriz A n n× , as seguintes propriedades podem ser

provadas (consulte Noble e Daniel (1998)):

Existe pelo menos um autovetor associado com cada auto-

1)

valor de A.

Se

2) { ,1 ,s} é um conjunto de autovalores distintos e se

1

{ ,p ,ps} é um conjunto de autovetores associados, então

1

{ ,p ,ps} é linearmente independente. Conseqüentemente, se A tem n autovalores distintos, então existe um conjunto

linearmente independente de n autovetores e a matriz A

pode ser decomposta como

1 A= ΛP P− ,

em que P=[p1,,pn] é uma matriz n n× cujas colunas pi

são autovetores de A associados aos autovalores i, e Λ

é uma matriz diagonal com os autovalores i na diagonal

principal. Diferentes maneiras de ordenar os autovetores na matriz P levam a diferentes decomposições da matriz A

e, assim, a decomposição acima não pode ser única. Reci- procamente, se existe alguma matriz P, não-singular, e a

decomposição acima vale com Λ diagonal, então as colunas de P são autovetores de A associados respectivamente aos

autovalores i, em que i é a i-ésima entrada da diagonal

principal de Λ.

Se existe uma matriz P não-singular tal que B=P AP−1 , então

2 1 1 1 2 B =P APP AP− − =P A P− , 3 2 1 1 2 1 3 B =BB =P APP A P− − =P A P− ,  1 1 k k k B =BB − =P A P− , k ≥1.

QuandoA é não-singular, o mesmo ocorre com B, e a proprieda-

de acima vale para qualquer inteiro negativo k. Se, em particu-

lar, B é diagonal (ex.: B= Λ), então Ak = ΛP kP−1, e o cálculo da k-ésima potência de A requer apenas o cálculo das k-ésimas

Definição: Uma matriz quadrada B é dita semelhante a uma ma-

triz A se existe uma matriz não-singular P tal que B=P AP−1 .

Se B é semelhante a A, é dito que B é obtida de A por meio de

uma transformação de semelhança.

É imediato observar que matrizes semelhantes têm o mesmo po- linômio característico, e que a noção de semelhança define uma

relação de equivalência no conjunto das matrizes quadradas no sen-

tido em que:

A

a) é semelhante consigo mesma; Se

b) B é semelhante a A, então A é semelhante a B; e

Se

c) Cé semelhante a Be B é semelhante a A, então Cé se-

melhante a A.

A primeira parte da afirmação será vista no contexto geral de operadores lineares; a segunda parte é simples de se demonstrar e fica como um exercício para você, leitor.

Se observarmos os autovalores e autovetores correspondentes do exemplo 5, na notação do item 2, a matriz A pode ser decompos-

ta como 1 A= ΛP P− , com: 1 2 3 0 0 1 0 0 0 0 0 3 0 0 0 0 0 4            Λ =  =         , 1 2 3 1 1 1 [ , , ] 2 0 1 3 1 1 P p p p     = =    . Também, como 2 2 1 , A = ΛP P− 3 3 1

A = ΛP P− etc, obviamente a ma-

triz k

A é semelhante a Λk.

O exemplo 6 a seguir mostra que, no caso de aparecerem autova- lores repetidos, podem existir autovetores linearmente indepen- dentes associados ao mesmo autovalor.

Exemplo 6: Considere agora a matriz

4 1 6 2 1 6 2 1 8 A −     =    −    .

Procedendo como antes podemos ver que a equação característica para essa matriz é

3 2

13 40 36 0  −  + − =

e que os autovalores são 1= 2 =2 e  =3 9. Agora procuraremos

o(s) autovetor(es) associados ao autovalor repetido. A equação ho- mogênea tem a forma

1 1 2 3 1 1 2 3 1 2 1 3 (4 ) 6 0 2 (1 ) 6 0 2 (8 ) 0 x x x x x x x x x    − − + =   + − + =   − + − =  .

Após escalonamento, o sistema reduz-se à expressão

1 2 3

2x − +x 6x =0.

Daí decorre que o sistema tem dois graus de liberdade (duas va- riáveis livres). Sendo assim, o conjunto de soluções não-triviais pode ser escrito como

1 2 2 3 3 1 / 2 3 1 0 0 1 x x x x x x −             = = +               ,

sendo x2 e x3 arbitrários, e ao menos um deles não-nulo. Assim,

para o autovalor repetido (duas vezes)  =2 podemos associar um autovetor x que resulta de uma combinação linear de dois

vetores linearmente independentes:

1 [1 / 2 1 0 ]

T

v = , 2 [ 3 0 1]

T

v = − .

Esses por sua vez também são autovetores associados ao mesmo autovalor. É possível explicar tal afirmação devido ao fato de que, para o autovalor repetido  =2, podemos associar dois autoveto- res linearmente independentes.

Como já sabemos achar os autovalores e autovetores de uma ma- triz, vamos estudar agora como encontrar os autovalores de um operador linear qualquer definido num espaço vetorial real de dimensão finita. A chave do assunto vem na proposição a seguir.

Proposição: Seja  ={ ,v1 , }vn uma base de um espaço vetorial

real V e T V: →V um operador linear, então T e a matriz de T

Prova: Sabemos que para cada v V∈ existem números reais xj tais

que v=x v1 1+ + x vn n. Sabemos também que, se xv =[x1xn]T, então existe um isomorfismo 1

:V nx

 → ℜ definido por ( )v =xv

e que ( ( ))T v =[ ]T xv. Logo, se  é um autovalor de T e v

um autovetor associado, usando a notação acima e o isomorfis- mo  segue que [ ]Txv =( ( ))T v = ( v)=xv. Daí vemos

que é autovalor de [ ]T e xv um autovetor corresponden-

te, pois xv é não-nulo. Reciprocamente, se  é um autovalor

de [ ]T e nx1

x∈ℜ um autovetor associado, via isomorfismo  podemos encontrar um único v V∈ tal que ( )v =x. Logo,

( ( ))T v [ ]T x x ( )v ( v)

 = =  =   =  . Isto é, ( ( ))T v = ( v), e assim T v( )= v, pois  é um isomorfismo.

2.2 Polinômio característico e

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