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Caso 6 – AAE do County Durham Local Transport Plan 3

8. Avaliação Ambiental Estratégica no Brasil

8.1.

Neste capítulo é apresentada uma breve contextualização a respeito da experiência prática brasileira em Avaliação Ambiental Estratégica, servindo para auxiliar a introduzir os casos selecionados para análise e interpretar os resultados abordados e obtidos ao longo do capítulo 9 (resultados de análise dos relatórios de AAE do Brasil).

Desenvolvimento

8.2.

No Brasil, a prática de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) ainda é incipiente e não há regulamentação ou documento formalmente implementado em âmbito federal que determine a utilização de AAEs ou que sirva como orientação para o uso de procedimentos de Avaliações Ambientais de ações em níveis estratégicos.

As discussões sobre a AAE em âmbito governamental estão, aos poucos, sendo incorporadas de uma forma pontual e ausente de documentos técnicos oficiais com diretrizes e procedimentos específicos (PELLIN et al., 2011). Atualmente, existem algumas iniciativas em tramitação para a regulamentação da AAE, em nível federal, por meio dos Projetos de Lei 261/2011, 4996/2013 e 5716/2013.

O reconhecimento da importância da AAE pelo governo federal foi evidenciado, desde 2002, quando o Ministério do Meio Ambiente (MMA) publicou um guia com foco sobre a superação dos problemas enfrentados pelo licenciamento ambiental e sobre a influência da AAE, em questões mais estratégicas, que interferiam nas discussões e nas negociações envolvidas na análise e na aprovação da AIA de projetos isolados (MMA, 2002). Mais recentemente, em 2010, o MMA

realizou uma consulta pública para a discussão de diretrizes para a aplicação da AAE, embora nada tenha sido reportado até o momento.

Entre as iniciativas estaduais, a AAE está incluída na legislação de 3 estados brasileiros (MG, BA e SP), porém de uma maneira tímida já que ainda não foram definidas diretrizes concretas para a sua aplicação. A iniciativa mais avançada foi implementada no estado de São Paulo, onde foram definidos procedimentos e diretrizes básicas para a avaliação da performance da Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC) por meio da AAE.

O fato de nenhuma das iniciativas apresentadas ter resultado em qualquer ação concreta quanto a aplicação da AAE pode ser considerado consistente com a forma como a agenda de política ambiental tem sido levada em conta pelo governo, com o status de crescimento econômico que vem sendo promovido na última década e com a redução de leis significantes para proteção dos recursos ambientais nos últimos tempos (MALVESTIO; MONTAÑO, 2013), refletindo, inclusive, uma visão política imediatista de decisões e interesses aliados ao “curto prazo” do ciclo eleitoral brasileiro (OLIVEIRA; MONTAÑO; SOUZA, 2009).

Embora não existam regulamentações para a aplicação da AAE em nível federal, a sua aplicação de maneira voluntária tem sido reportada desde a década de 90 (DALAL-CLAYTON; SADLER, 2005; OLIVEIRA; MONTAÑO; SOUZA, 2009; PELLIN et al., 2011) e soma, até os dias de hoje (quase 20 anos após os primeiros relatos de sua aplicação no Brasil), aproximadamente 35 AAEs realizadas ao todo (MALVESTIO; MONTAÑO, 2013).

As experiências de aplicação de AAE no Brasil têm sido motivadas a partir das seguintes situações:

 Reconhecimento, por parte das agências ambientais, de que a AIA não estava conseguindo lidar com problemas relevantes que estavam surgindo a partir dos estudos ambientais em âmbito de projeto (MALVESTIO; MONTAÑO, 2013; PELLIN et al., 2011);

 Interesse de grupos de investidores privados que objetivam antecipar os possíveis conflitos de AIAs de projetos futuros (MALVESTIO; MONTAÑO, 2013);

 Acompanhamento da tendência mundial de consideração das questões ambientais em ações estratégicas e atendimento da necessidade de

um novo instrumento de proteção ambiental, já que a AIA lida apenas com projetos (PELLIN et al., 2011);

 Encorajamento de agências financeiras multilaterais internacionais que requerem a realização da AAE para decidir se aprovam ou não o pedido de empréstimo, como parte de suas políticas de proteção (MALVESTIO; MONTAÑO, 2013; OBERLING; LA ROVERE; DE OLIVEIRA SILVA, 2013; OLIVEIRA; MONTAÑO; SOUZA, 2009; PARTIDÁRIO, 2006; PELLIN et al., 2011).

Alguns autores (MALVESTIO; MONTAÑO, 2013; PELLIN et al., 2011) têm destacado que a prática de AAE realizada no Brasil pode ser considerada apenas como “rotulada com o nome AAE”. Para Malvestio e Montaño (2013), a atribuição desta nomenclatura se deve ao fato da aplicação do instrumento ser marcada por diferentes tipos de avaliações, com diferentes propostas e abordagens metodológicas, que ainda não alcançaram nenhuma consistência.

Para Pellin et al. (2011), o motivo desta nomenclatura se deve ao fato das AIAs de projetos estarem sendo “rotuladas como AAEs”, já que algumas AAEs tratam-se na realidade de AIAs de megaempreendimentos com o intuito de apresentar uma visão mais abrangente dos benefícios, impactos e riscos sociais e ambientais de projetos individuais, mas não de PPPs.

Um ponto negativo frequentemente observado na experiência prática brasileira tem sido o caráter pouco estratégico das AAEs. Este fato é reconhecido e destacado em diversos trabalhos (MALVESTIO; MONTAÑO, 2013; OLIVEIRA; MONTAÑO; SOUZA, 2009; PELLIN et al., 2011; PIZELLA; SOUZA, 2012; SÁNCHEZ; SILVA-SÁNCHEZ, 2008; SILVA et al., 2014b) como um dos principais desafios a serem enfrentados neste contexto.

Pellin et al. (2011) destacam que a forma como a aplicação da AAE tem sido incentivada pelas agências financeiras multilaterais internacionais tem implicado sobre a ocorrência de várias limitações para a sua operacionalização prática como, por exemplo, a utilização do instrumento em um momento muito tardio do processo decisório, após terem sido tomadas todas as decisões estratégicas possíveis. Oliveira et al. (2009) alertam para a existência de um risco do propósito real da AAE ser destorcido nestas situações em que a prática do instrumento não parte como iniciativa espontânea do próprio país.

O desafio de influência prática da AAE em níveis mais estratégicos também tem sido frequentemente abordado como resultante do hábito de utilização do instrumento para projetos estruturantes com foco sobre o preenchimento das lacunas do processo de licenciamento ambiental, utilizando a mesma abordagem aplicada para a AIA de projetos habitual (como pode ser observado nos trabalhos de Malvestio e Montaño, 2013; Sánchez e Silva-Sánchez, 2008; e Silva et al., 2014).

Para Partidário (2006), a metodologia semelhante a AIA de projeto utilizada para a avaliação de megaprojetos considerados estratégicos pelos países latino americanos tem suscitado dúvidas quanto a natureza estratégica do instrumento utilizado e quanto a adequabilidade da sua aplicação a proposta argumentada.

Segundo Partidário (2006), a aplicação de uma AAE neste contexto de megaprojetos apenas poderia ser eventualmente considerada adequada se não fosse dirigida ao megaprojeto, mas fosse dirigida aos problemas de desenvolvimento que requerem opções estratégicas para a sua solução, onde uma das opções poderia incluir o megaprojeto. Entretanto, se o foco da discussão for o megaprojeto em si, e os impactos que o mesmo provoca na região, a AAE não seria o instrumento adequado e neste caso deveria ser conduzida uma AIA.

Para Oliveira et al. (2009), esta utilização avessa de um instrumento concebido para níveis estratégicos sendo realizado sobre níveis muito pouco ou quase nada estratégicos (para o licenciamento de empreendimentos) é consequência de um processo de AAE fomentada pelas lacunas existentes no processo de AIA de projeto e responde, claramente, a um entendimento equivocado dos conceitos que embasam o potencial da AAE.

Este erro conceitual desdobrado em prática preenche o universo brasileiro de AAEs e pode ser evidenciado a partir da pesquisa de Malvestio e Montaño (2013), em que os resultados da análise demonstraram que a performance de aproximadamente 30% dos casos de aplicação de AAE brasileiras tem sido completamente influenciada pela racionalidade da AIA de projetos.

Malvestio e Montaño (2013) ressaltam como recomendações a necessidade de melhoria sobre a lógica de AAE que vem sendo aplicada no país. Fortes Westin et al. (2014) acrescentam que a aplicação de AAE no Brasil seria mais efetiva se fosse considerada previamente ao processo de licenciamento ambiental de projetos, evitando inclusive o desperdício de tempo e dinheiro.

Outro importante desafio relacionado a ineficiência da prática de AAE tem sido atribuído à aplicação do instrumento sem orientações quanto a sua proposta e os seus procedimentos de operacionalização dentro do contexto brasileiro, de uma forma que os resultados do processo raramente apresentam possibilidades de influenciar os conceitos e as alternativas que são desencadeados em decisões inferiores até o nível de projeto (OLIVEIRA; MONTAÑO; SOUZA, 2013).

Repercutindo, desta maneira, em uma situação na qual a implementação de projetos de desenvolvimento é frequentemente submetida a decisões judiciais, como consequência das limitações bem conhecidas da AIA de projetos (OLIVEIRA; MONTAÑO; SOUZA, 2013), um processo que naturalmente é quase sempre repleto de conflitos e batalhas judiciais, e que pode resultar frequentemente em interrupções e obstruções na implementação de projetos (HANNA et al., 2014).

Segundo Pellin et al. (2011), a forma como a AIA foi regulamentada no país (apenas para projetos) resultou em uma expectativa, frequentemente frustrada, da obtenção de respostas que não competem a este instrumento e acabam sobrecarregando e colocando-o em descrédito.

Como exemplo da AAE do Rodoanel, que segundo Sánchez e Silva- Sánchez (2008), não abordou questões estratégicas e problemáticas de grande importância para a região e nem alternativas de desenvolvimento para o futuro, apesar de ter influenciado seguramente a aprovação do licenciamento ambiental dos trechos do projeto que foram submetidos novamente a AIA de projetos, já que previamente a realização desta AAE estes mesmos projetos tinham sido reprovados. Pellin et al. (2011) destacam que um dos principais problemas da AAE do Rodoanel foi ter sido realizada para uma decisão em âmbito de projeto, quando na realidade a AAE deveria ter entrado no processo de tomada de decisão em um momento muito anterior a esse, durante a discussão das políticas de transporte mais adequadas para a região, e os planos e programas decorrentes.

A falta de sincronia entre as AAEs e as decisões estratégicas também foi observada durante a análise de AAEs realizadas na Bahia. Silva et al. (2014) relatam que a existência de um requerimento formal para a aplicação da AAE não garantiu com que o processo iniciasse anteriormente as decisões estratégicas terem sido tomadas, servindo para evidenciar a falta de compromisso político. Segundo os autores, um compromisso mais efetivo com a realização de AAEs em níveis mais

estratégicos do governo é imprescindível para a efetividade na integração da AAE às ações estratégicas brasileiras.

O desafio da falta de sincronia também pode estar relacionado a algumas dificuldades quanto ao entendimento e a definição de quais são as ações estratégicas manifestadas pelo processo de desenvolvimento brasileiro. Durante a análise de um setor de desenvolvimento brasileiro sem uma estrutura claramente evidente de formação de suas ações estratégicas, Oberling et al. (2013) evidenciaram que a aplicação de AAE no Brasil pode fornecer estrutura ao planejamento e culminar, inclusive, no alcance da integração de várias visões sob o mesmo processo de tomada de decisão.

Os desafios expostos até o momento demonstram que a experiência brasileira na aplicação de AAE ainda não apresenta evidências de uma influência significante sobre decisões estratégicas (OLIVEIRA; MONTAÑO; SOUZA, 2009) e serve muitas vezes, apenas, para a aprovação de projetos polêmicos indeferidos pelo licenciamento ambiental brasileiro, refletindo uma pressão liderada para o atendimento de uma demanda prioritariamente econômica (PELLIN et al., 2011).

Além disso, esta forma de aplicação da AAE no Brasil tem contribuído pouco para o desenvolvimento de modelos próprios, que consideram as características, demandas, experiências, forças e limitações do contexto brasileiro, aumentando ainda mais o risco de serem desvirtuados os propósitos de sua aplicação (PELLIN et al., 2011).

Desta forma, o estabelecimento de uma estrutura político institucional para a realização de AAEs, associado a uma definição clara da sua proposta de aplicação (MALVESTIO; MONTAÑO, 2013), fundamentado por uma discussão dos conceitos e das estratégias para a sua aplicação no contexto da realidade brasileira (OLIVEIRA; MONTAÑO; SOUZA, 2009) e somado ao compromisso e à vontade política para a integração de questões ambientais e de sustentabilidade em tomadas de decisões estratégicas (SILVA et al., 2014b) representam peças fundamentais para a solução do quebra-cabeça da institucionalização e da operacionalização deste instrumento no Brasil.

9. Resultados de análise dos relatórios de AAE do Brasil

Neste capítulo estão descritas todas as informações e observações consideradas importantes a partir das análises realizadas em detalhe para cada um dos três casos de AAEs brasileiras. As análises realizadas para cada situação específica foram divididas em dois subcapítulos, onde o primeiro subcapítulo detalha as informações e os resultados relacionados ao contexto e ao problema de decisão (Descrição e análise do contexto) e o segundo subcapítulo detalha as informações e os resultados relacionados à qualidade dos relatórios de AAE (Análise do Relatório de AAE).