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2 A CONSTRUÇÃO DO SUPORTE TEÓRICO: PRODUÇÃO, CORREÇÃO E

2.1 Correção e avaliação

2.1.5 Avaliação, correção e reescrita

Para simplificar a idéia a que se precisou chegar sobre avaliação, tomaram-se as

palavras de Demo em resposta a uma entrevista: “Se se aceita a idéia de que a função do

professor é fazer com que o aluno aprenda, então ele precisa avaliar para saber se o aluno

aprende. Daí estou dizendo também que a única função da avaliação é a aprendizagem”

(DEMO, 2003, p.5). De acordo com o repórter José Paulo Tupynambá, que entrevistou este

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quem espera algo mais refinado. E é através dessa linguagem “simples e direta” que Demo

manifesta a seguinte linha de pensamento:

[...] se você fizer o aluno trabalhar todas as semanas, escrever, elaborar, argumentar, participar da produção do conhecimento diretamente, então tem no fim do mês um monte de material dele e com isso você pode avaliar com muito mais pertinência e sentido humano, no papel de orientador. [...] Você avalia para dar chance, não para acabar com a chance. (DEMO, 2003, p.5).

Essa visão de avaliação parece realmente estar com os pés no chão da escola.

Observando essa concepção de avaliação e levando-a para o ensino de Língua Portuguesa,

percebe-se que ela consegue enxergar o aluno produzindo, o professor ao lado o orientando,

interagindo ambos numa atuação pedagógica balizada na concepção sócio-discursiva9: alunos

e professor, juntos – numa visão inspirada em Bakhtin – contrastando seus julgamentos de

valor, aproximando seus horizontes sociais, percebendo a ideologia oculta dos discursos,

atentando para o interlocutor, analisando, enfim, a conexão entre elementos como tempo

histórico, lugar social, acento de valor e gênero do discurso mergulhados na composição do

texto. E, ao longo das etapas dessa interação, o professor avaliando, através do que todos vêm

produzindo, se vai ocorrendo aprendizagem. Para tanto, seriam necessários critérios para

adequar certos pressupostos da avaliação às atividades de produção de texto. Hoffmann

(2002, p.53, grifo da autora) afirma que

a avaliação nunca será totalmente “verdadeira” em relação ao objeto avaliado, mas uma leitura subjetiva e seletiva (de alguns aspectos), exigindo, pois, o diálogo, o entendimento de pontos de vista entre avaliador e avaliado para buscar uma maior aproximação das concepções de qualidade de ambos.

Apontar erros, retificá-los, corrigi-los não é avaliar. Avaliar significa ler cooperativamente, interpretar analiticamente textos, com o objetivo de apontar indicadores claros ao escritor sobre as possibilidades de melhoria e de orientá-lo pedagogicamente nessa direção.

É por esse tipo de afirmação que se reforça a pertinência de atender ao grande

desafio que esta pesquisa se propôs: avaliar textos a partir de uma abordagem sócio-discursiva

sem agredir a própria essência da abordagem. Avaliar, então, seria “dialogar com os alunos e

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suas produções e, nesse diálogo permanente, aprender mais e mais sobre língua portuguesa”

(SUASSUNA, 2000, p.85).

Hoffmann (2003, p.46) diz que “as tarefas avaliativas são sempre pontos de

passagem”. Em seguida, toma o cuidado de alertar que não se podem definir pontos de

chegada se o aluno começou a caminhar ou está a caminho. Com esse mesmo intuito, alguns

pesquisadores e professores já têm investido sua boa vontade e conhecimento em

metodologias de trabalho que dêem conta de acompanhar os “pontos de passagem”. Uma

dessas metodologias prevê a reescrita de textos como uma atividade importante na atuação

avaliativa, não a supondo como uma tarefa de apenas corrigir erros ligados a aspectos mais

notacionais da língua.

A Ruiz (1998), por exemplo, interessou investigar a resposta que o aluno dá às

intervenções que o professor realiza a propósito da correção. Ela entende a revisão como

trabalho de reescrita, reestruturação, refacção, reelaboração textual, retextualização, via

correção, com vistas a uma maior legibilidade do texto do aluno. Este trabalho não deve ser,

segundo ela, um trabalho solitário, apesar da solitude imanente da tarefa. É, por outro lado,

um trabalho a quatro mãos já que deve levar em consideração a participação efetiva do

mediador (o professor). Silva A. (2003) cita Garcez (1998) para explicar que o texto, objeto

de comentário, propicia o diálogo entre os interlocutores. Então, por um processo que é

dialógico e interpessoal, há uma reelaboração intrapessoal da própria produção; isso

sustentado por uma parceria que constrói uma nova visão dos elementos constituintes do texto

e de seu funcionamento real. Já Conceição (2002) teme que a reescrita, ao invés de se

constituir um excelente exercício de reflexão sobre a linguagem, um trabalho de (re)

construção do discurso, passe a ser uma tarefa escolar, cansativa e sem muito resultado. Mas,

o que a autora realmente pretende com seu trabalho é “levar o aluno a construir, a partir da

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ânimo de produzir deliberados efeitos de sentidos sobre bem determinados interlocutores”

(CONCEIÇÃO, 2002, p.49). A autora parece ter privilegiado o fato de que o texto é coisa

pública, que é escrito como resposta a outros textos e que seus recursos lingüísticos são

voltados para “quem” e “para que”, o que, por conseqüência, determinará o “como”. É isso,

pois, que faz o autor chegar às tantas reescritas quantas achar necessárias, visto que o objetivo

é a manutenção de um diálogo contundente com o leitor. O que se verifica, enfim, é que o

texto deve apresentar condições discursivas mínimas que determinem a condição da

interlocução.

Assumindo que a reescrita é imprescindível ao processo de aprendizagem, foi

necessário que ela fizesse parte de uma atividade cuidadosamente planejada e que movesse

constantemente a participação ativa do professor além da do próprio aluno, já que ambos são

protagonistas da aprendizagem. Sobre essa ligação em torno do conhecimento, Hoffmann

(2003, p.56) esclarece que

A avaliação, enquanto relação dialógica, vai conceber o conhecimento como apropriação do saber pelo aluno e também pelo professor, como ação-reflexão-ação que se passa na sala de aula em direção a um saber aprimorado, enriquecido, carregado de significados, de compreensão. Dessa forma, a avaliação passa a exigir do professor uma relação epistemológica com o aluno – uma conexão entendida como reflexão aprofundada a respeito das formas como se dá a compreensão do educando sobre o objeto do conhecimento.

A preocupação da autora é elucidar o papel da relação dialógica na construção

do conhecimento, construção que não coloca o professor como alguém que sabe e o aluno

como alguém que não sabe. Então, o professor é deslocado para a posição de busca do

conhecimento junto ao aluno (simetria), aproximando-se dele, através de ações como a

correção e a avaliação, para saber como ele se apropria do que se lhe ensina. Essa relação

ideal é verificada pela autora através de um de seus estudos, o qual parte da análise de

perguntas formuladas por professores a seus alunos. Segundo a autora, as perguntas sugeriram

uma forma – que não a ideal – de os sujeitos se relacionarem diante da produção do

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objeto muito positivista, baseada em uma visão comportamentalista (idéia de modificação de

comportamentos em alguns alunos). O que faz supor isso é detectar que o comprometimento

dos professores com relação à avaliação ainda é o de observar seu aluno – objeto de

conhecimento – e, sobre ele, coletar e registrar dados. O resultado dessa visão, por

conseqüência, é a não evolução de uma prática avaliativa que se apóie sobre dois princípios: o

do acompanhamento reflexivo e o do diálogo. Então, a autora passa a desligar esses dois

princípios das concepções que não são as orientadas pela avaliação mediadora, alertando que:

Estes dois termos, atrelados a uma visão de conhecimento positivista, podem estar sendo utilizados de forma reducionista. Através do diálogo, entendido como momento de conversa com os alunos, o professor despertaria o interesse e a atenção pelo conteúdo a ser transmitido. O acompanhamento significaria estar junto aos alunos, em todos os momentos possíveis, para observar passo a passo seus resultados individuais.

O que significa que tanto o acompanhamento quanto o diálogo, assim concebidos, não conduziriam o professor, obrigatoriamente, a uma prática avaliativa mediadora. (HOFFMANN, 2003, p.55).

Então, em contraposição à visão reducionista que não se pode ter, a autora revisa

as concepções de acompanhamento e diálogo diante de uma avaliação mediadora.

Acompanhar está associado a favorecer o desenvolvimento do aluno, orientá-lo nas tarefas,

oferecer-lhe novas leituras ou explicações, ampliando-lhe o saber; é responsabilizar-se pelo

seu aprimoramento, pela sua superação. Para tanto, não pode considerar suas falhas e seus

argumentos incompletos algo indesejável, porque, numa perspectiva dialógica, o erro é

fundamental à produção de conhecimento pelo ser humano. O diálogo é justamente o

meio para tal aproximação porque requer que o professor se adapte ao aluno, tornando-se

epistemólogo da inteligência deste. A opção epistemológica está, esclarece a autora, em

corrigir e refletir sobre a tarefa do aluno, não se tratando, certamente, de corrigir para

ver se o aluno aprendeu (paradigma positivista), mas para refletir a respeito da

produção de conhecimento dele, encorajando-o a reorganizar o saber.

Ora, se a concepção de avaliação mediadora pressupõe professor e aluno como

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reflexão passa a ser não apenas do aluno, mas também do professor. Sendo assim, a reescrita

passa a ser o momento ideal para a co-participação em busca da correção e da reflexão sobre

esta correção. A ação de reescrever, banhada por essa óptica, passa a ser revista como uma

garantia a ser dada ao conhecimento compartilhado, numa atitude de parceria em torno do

saber. Dessa maneira, sente-se que o professor não será o juiz de um parecer final e

irreversível ao corrigir o texto do aluno, mas aquele que fornecerá ao seu aluno, por meio do

que se convencionou chamar de correção, diretrizes de como ele pode melhor orientar seu

(modo de) dizer segundo objetivos discursivos previamente estabelecidos. Como já disse

Hoffmann (2003, p.53), o professor poderá “ler cooperativamente, interpretar analiticamente

textos, com o objetivo de apontar indicadores claros ao escritor sobre as possibilidades de

melhoria e de orientá-lo pedagogicamente nessa direção”. Portanto, não há reescrita sem

cooperação, e a cooperação é um meio, não um fim. Essa cooperação passa a ser possível

através de um revisar de postura diante do corrigir e do avaliar textos.

Hoffmann ainda se manifesta, ao tratar do tema avaliação da aprendizagem, que

“apontar erros, retificá-los, corrigi-los não é avaliar” (HOFFMANN, 2002, p.53); o que ela

propõe é que se apontem “indicadores claros ao escritor sobre as possibilidades de melhoria”,

orientando-o pedagogicamente. Em outra sua obra, a autora assim expressa: “explicações

individuais e correções imediatas são menos significativas na remoção de obstáculos de

aprendizagem do que situações desafiadoras interativas” (HOFFMANN, 2003, p.46). O que

se depreendeu, portanto, dessas afirmações é que a ação de corrigir parece estar dentre as

preocupações de um avaliador, porém não pode receber dele uma atenção maior do que

propor situações desafiadoras e do que mediar uma orientação. Afinal, se há de se apontar

indicadores claros para melhoria – e adequação – de um texto, presume-se que a noção de

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quais se pautar. Este trabalho quis criar, pois, condições de aproximação desses “padrões” por

meio de um vínculo com a teoria dos gêneros do discurso.

Para finalizar, retorna-se à Proposta Curricular de Santa Catarina, concluindo-se

que certos padrões de correção/erro/adequação para uma produção textual estão ainda muito

voltados para o respeito aos aspectos notacionais da língua (como acentuação gráfica,

pontuação, estrutura sintática...). Volta-se também ao que foi citado anteriormente,

concluindo-se que estes certos padrões se estabeleceram por razões sócio-históricas,

científicas e culturais. Então, já que há aqui o compromisso com a diversidade, relacionou-se

essa perspectiva a um estudo dos pressupostos teóricos que relêem Bakhtin, pressupostos

estes que se integraram a uma prática pedagógica de produção textual antenada ao problema

dos gêneros do discurso, do enunciado e do caráter sócio-histórico e dialógico da linguagem,

os quais, ainda, precisaram ser cuidadosamente articulados aos domínios da correção e da

avaliação. É essa articulação que este referencial teórico tem buscado, aprofundando-se, a

partir de agora, nas questões ligadas aos gêneros do discurso.