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4 A FORMAÇÃO PARA O ENSINO DE GEOGRAFIA

5.1 Avaliação da aprendizagem: concepções e práticas

É comum não nos darmos conta de que avaliar é um ato cotidiano, e o praticamos tão naturalmente, por muitas vezes, despercebidamente. Praticamos avaliação em atos corriqueiros, quando observamos, quando confrontamos informações com a finalidade de nos fundamentar em nossas tomadas de decisões.

Podemos dizer que o ato de avaliar é algo implícito ao ser humano, em diferentes situações. Sem temer a repetição, retomamos, de acordo com Vianna, ao citar Robert E. Stake19, a ousadia de dizer que ―a avaliação surgiu com o próprio homem, [...] o homem observa; o homem julga, isto é, avalia‖ (VIANNA, 2000, p. 22). No entanto, a avaliação em seu sentido pedagógico, mais precisamente, a avaliação da aprendizagem, ao adentrar no âmbito da escola, perde essa naturalidade com que aflora no cotidiano e ganha ares de procedimento estanque, às vezes, subestimado, desprezado e relegado; outras vezes, a avaliação é tomada como processo difícil, embaraçoso, trabalhoso, complicado. No entanto, também é desempenhada com propriedade por professores que trabalham pela formação do aluno.

A avaliação da aprendizagem passou a ser reconhecida, desde aproximadamente o século XVI e XVII, já com característica rigorosa e com intuito

19 Segundo Vianna (1989), Stake contribuiu para os estudos sobre avaliação da

aprendizagem, já na década de 1960, propondo a avaliação responsiva, em crítica às proposições quantitativas de Ralph W. Tyler, e que possibilitasse uma compreensão do processo, fundamentada em levantamentos de informações, visando uma tomada de decisão respaldada em bases realistas.

de controlar e coagir (LUCKESI, 1999). No século XVIII, já era praticada de maneira mais estruturada e constante (DIAS SOBRINHO, 2002). Desde o século XIX, passou a ser parte indissociável do ensino de massa (PERRENOUD, 1999). De acordo com Dias Sobrinho (2002), a noção de seleção e de organização social estiveram tão impregnadas nas práticas avaliativas que até a atualidade estão arraigadas a elas.

De acordo com estudos de Romão (1998), alguns mitos imperam no meio educacional, e, entre eles, julgamos importante destacar dois, concernentes aos conceitos e práticas de avaliação da aprendizagem, e que se colocam antagonicamente.

Um deles é o de que avaliar é tarefa fácil e pode ser realizada por qualquer pessoa. O outro mito se refere, contrariamente ao primeiro, à concepção de que avaliar é algo extremamente complicado e que, por isso, ―se torna, praticamente, impossível fazê-lo de forma correta‖ (ROMÃO, 1998, p. 47).

Tal mito, anunciado por Romão, se descortina como realidade em nossa pesquisa, ao nos depararmos com declarações explícitas de dificuldade, frustração e impotência em relação à avaliação da aprendizagem, como podemos verificar no relato do Professor 24 que comenta:

Para ser sincero, é uma questão muito difícil essa da avaliação. Quando você está trabalhando, em sala de aula, com 40 alunos, 35 alunos, e você tem uma pluralidade muito grande, não só do ponto de vista da aprendizagem, do déficit ou não, mas também quando você tem alunos que são multi-repetentes, que estão com a idade escolar muito atrasada, então, você tem assim uma grande dificuldade de estabelecer um padrão de avaliação, que você consiga trabalhar de maneira plena para todos. E ao mesmo tempo, isso inviabiliza o trabalho individualizado do professor, porque o professor não consegue dar conta de pegar o aluno que tem o déficit de atenção e trabalhar separado, o aluno que é mais desenvolvido, os alunos que são os atrasados por questões diversas. Então, você tem uma dificuldade de estabelecer um critério comum, uma base comum para

se cobrar, para se praticar uma avaliação. Então, acho que isso é uma dificuldade muito grande (P24).

A dificuldade sentida em avaliar acaba por ser fundamentada, nesse momento pelo professor, com base na característica do grupo de alunos com o qual trabalha e nas condições de trabalho que lhe são postas.

Para Hadji (2001) o ato de avaliar deve estar a serviço das aprendizagens dos alunos, o que caracteriza uma avaliação formativa. Esse autor também nos orienta no sentido de compreender que a avaliação se caracteriza pela intenção com que a realizamos e, ainda, afirma:

A ideia de avaliação formativa corresponde ao modelo ideal de uma avaliação:

 colocando-se deliberadamente a serviço do fim que lhe dá sentido: tornar-se um elemento, um momento determinante da ação educativa;

 propondo-se tanto a contribuir para uma evolução do aluno quanto a dizer o que, atualmente, ele é;

 inscrevendo-se na continuidade da ação pedagógica, ao invés de ser simplesmente uma operação externa de controle, cujo agente poderia ser totalmente estrangeiro à atividade pedagógica.

Nesse sentido, ao avaliar não basta nos atermos a verificar apenas em que ponto nosso aluno se encontra em relação ao que aprendeu ou não. Vejamos o exemplo do Professor 10, no qual podemos notar a preocupação com a contextualização do processo, da consideração com a realidade e das condições vividas pelos alunos.

A aprendizagem está relacionada a uma série de fatores, muitas vezes mais complexos que o simples aprender, está relacionada a questões econômicas, sociais e familiares. Dessa forma podemos entendê-la de diferentes maneiras.

Para avaliá-la [a aprendizagem] devem ser levado em consideração todos esses itens, sendo assim, mais do que estudamos como ensina/aprende/verifica, se não aprendeu/refaz o processo; e sim avaliar todo o sistema [contexto] (P10).

Também não podemos enveredar para os caminhos que responsabilizam os alunos por sua aprendizagem, principalmente devido às suas condições socioeconômicas, eximindo-nos de nossa responsabilidade de ensinar (Charlot, 2005)20, processo ao qual a avaliação é intrínseca. Se ignorarmos todo o envolvimento do ato de avaliar com o processo de aprendizagem do aluno, da relação entre essa aprendizagem e os objetivos de ensino traçados, e entre o fazer pedagógico docente, estaremos admitindo, então, que essa é uma tarefa banal e realizável por qualquer um. Não é o caso.

No entanto, durante muito tempo, a avaliação educacional restringiu seu foco, exclusivamente, nos alunos e em seus problemas de aprendizagem, o que se denominou, segundo Payne apud Vianna (1989), como as microavaliações. Aos poucos, sem deixar esse foco de atenção, veio ampliando sua orientação e ―passou do estudo de indivíduos para o de grupos, e destes para o de programas e materiais instrucionais, [para, atualmente, preocupar-se também] com a avaliação do próprio sistema educacional‖ (VIANNA, 1989, p. 17), configurando, assim, um interesse pelas macro-avaliações.

Entendemos a existência de diferentes níveis da avaliação escolar que, de acordo com Afonso (2005), estão caracterizadas como: as micro-avaliações, conforme citado acima, que ocorrem no âmbito da sala de aula e envolvem situações de ensino e aprendizagem com os alunos; as meso-avaliações, que ocorrem na amplitude de uma instituição educacional, em escolas de um município

20 Um importante estudo sobre o fracasso escolar nos meios populares também é

apresentado na obra de Bernard Lahire, publicação de pesquisa sobre o tema. LAHIRE, Bernard. Sucesso

ou região; as macro-avaliações, que abrangem o âmbito nacional; e das mega- avaliações, que ocorrem no cenário internacional.

Nosso trabalho, no entanto, se dedica ao estudo do fenômeno avaliativo que ocorre na sala de aula, entre professor e aluno, as micro-avaliações, mas não se detém apenas nele nos momentos em que entendemos ser necessário estabelecer relações apropriadas dessas com as meso-avaliações, mas principalmente, com as avaliações de amplo espectro.

5.2 CONCEPÇÕES EMERGIDAS ENTRE OS PROFESSORES SOBRE