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4 A FORMAÇÃO PARA O ENSINO DE GEOGRAFIA

5.3 Distância entre crença/discurso/intenção e prática

Ao entrar em contato com a expressão das concepções e práticas avaliativas de alguns professores, nos deparamos com um panorama de distância entre a crença, o discurso, a intenção e a prática. Embora transparecessem crença e intenção formativas, indicavam culminar em práticas tradicionais um tanto contraditórias, arraigadas na verificação e algumas vezes, convertidas para um resultado final de notação e controle. Vejamos como isso pode ser percebido na resposta do Professor 2, quando respondeu no questionário sobre o significado da avaliação da aprendizagem.

Significa diagnosticar o quanto o aluno apreendeu ou não. E retomar conteúdos não apreendidos; é diversificar as formas de cobrar os conteúdos, para que os alunos demonstrem seu conhecimento a respeito dos temas. Avaliar é o começo e o fim de um processo contínuo de melhoria da educação e aprimoramento dos professores. Para avaliar é necessário saber ensinar. O que interessa não é a nota (quantidade), mas a qualidade daquilo que o aluno apreendeu durante o bimestre (P2).

Na fala do Professor 2, podemos identificar uma intenção qualitativa, quando explicita sua concepção da avaliação enquanto diagnóstico do conhecimento dos alunos, o que revela uma visão voltada para a formação dos educandos, respeito ao conhecimento anterior como base do novo conhecimento.

No sentido explicitado pelo Professor 2, podemos compreender a avaliação diagnóstica ou prognóstica como uma ação que precede a formação e que permite ao professor obter informações que auxiliem um ajuste tanto pela reorientação dos educandos quanto dos programas de ensino (HADJI, 2001).

No entanto, quando utiliza termos que se referem a uma concepção quantitativa da avaliação, como ―retomar conteúdos não apreendidos‖ e ―formas de cobrar os conteúdos‖, desvela uma prática estruturada nos conteúdos e não em objetivos de ensino, assim como, denota entender a aprendizagem como um exercício de retenção. Por outro lado, ainda, expressa uma busca pela aprendizagem essencial e significativa para os alunos, ao afirmar que ―O que interessa não é a nota (quantidade), mas a qualidade daquilo que o aluno apreendeu durante o bimestre.‖

Nos relatos dos Professores 22 e 8 também podemos observar dicotomias:

Uma das etapas do processo ensino/aprendizagem a qual permite ao professor verificar se o conteúdo trabalhado em sala vem sendo apropriado pelos seus alunos ou não, se a metodologia utilizada para determinado conteúdo foi pertinente ou se precisa ser revista, traçar caminhos ou linguagens diferentes para tentar superá-las (P22).

A avaliação da aprendizagem é um recurso que o professor deve usar constantemente e de várias formas, que o ajudarão a perceber o quanto seu aluno aprendeu do que lhe foi ensinado e também, até onde, os objetivos a que se propôs ao trabalhar aqueles conteúdos, foram alcançados e se é necessária alguma mudança na forma de apresentar aquele ou outros conteúdos (P8).

Esses professores postulam práticas de verificação, mas, por outro lado, indicam a retomada dos conteúdos, uma revisão da prática, no sentido de regular a aprendizagem, contribuindo para a formação dos educandos. Destacamos,

inclusive, que o Professor 8 trata da avaliação com vistas aos seus objetivos de ensino.

Vejamos o que nos apresenta o Professor 13:

Avaliação significa o retorno de um trabalho ao longo de um período, quando o sujeito avaliado coloca em prática a aprendizagem conquistada. Pode-se definir avaliação como um meio de comunicação entre os sujeitos envolvidos no processo – educandos e educadores, pois estes últimos conseguem reconhecer o nível de apreensão dos conhecimentos e assim retomar os referidos conteúdos. Defende-se que avaliação não é o fim do processo e sim o começo de uma aprendizagem significativa e formativa para os educandos (P13).

Esse professor denota uma concepção de avaliação que possui princípios formativos, no sentido de entender a avaliação como um canal de comunicação entre professor e aluno, de modo a informar ao educador o processo de elaboração do conhecimento pelo educando e sugerir a retomada do trabalho, embora trate da aprendizagem como exercício de retenção de conteúdos. No entanto, transparece certa confusão e incoerência no uso de termos, ou seja, inicialmente, trata a avaliação como um resultado final de um trabalho realizado ao longo de um período, o que significa verificação da ―aprendizagem conquistada‖ e não uma avaliação contínua; para em seguida, colocar que a avaliação ―não é o fim de um processo e sim o começo de uma aprendizagem significativa‖ (P13), o que a nosso ver traz princípios teóricos diferentes, que contradizem a primeira afirmação.

Os discursos que indicam essas dualidades podem estar relacionados a questões formativas, e que são ressaltadas por Vianna (1989), no sentido de refletir sobre o atrelar da ―prática do engano‖ à falta de preparo e de formação para avaliar, para dominar a elaboração consciente de instrumentos eficazes e coerentes de avaliação, assim como, do processo de avaliação.

Perrenoud (1999) considera que esse panorama pode ser explicado por uma atual fase de transição, porque:

Quase todos os sistemas educativos modernos declaram avançar para uma avaliação menos seletiva, menos precoce, mais formativa, mais integrada à ação pedagógica cotidiana. Pode-se julgá-los pelo distanciamento entre essas intenções e a realidade das práticas. Pode-se igualmente salientar que tais intenções são recentes, que datam de meados dos anos 1970-80. Portanto, o período de transição está apenas começando (PERRENOUD, 1999, p. 18).

É necessário destacar a posição de professores que reconhecem essa diferença entre a intenção e o que realmente se realiza, como uma distância entre a teoria e a prática, conforme podemos verificar nos relatos a seguir.

A teoria nunca está vinculada à prática. Eu já tenho uma longa caminhada em que se tratam sempre das mesmas questões, você tem que avaliar o aluno de uma forma diferenciada, você tem que estar prestando atenção em uma série de questões, mas a teoria e a prática ainda caminham longe (P22).

Há uma séria distorção, eu vejo, entre teoria e prática. Na prática quase não existe uma preocupação essencial em discutir avaliação, a preocupação central que se tem, e que eu vejo que predomina, é aquela tradicional, de que: ―Avaliação é a nota final do aluno‖; ―Esse aluno vai ser aprovado?‖; ―Esse aluno vai ser retido?‖ (P24).

Eu falo para meus alunos: ―você vai ter nota, a sua nota está garantida, não se preocupe com ela, se preocupe em entender‖, alguns [...] acabam entendendo muito bem como funciona. Só que é difícil, primeiro, porque nem todos os professores trabalham da mesma forma, não tem uma igualdade, por mais que no início do ano se façam reuniões pedagógicas, infelizmente, muitos só escutam e na hora da prática pouco fazem. Eu tenho que mudar também? Tenho que mudar, não estou me excluindo disso jamais (P23).

Essas posições parecem evidenciar uma descrença no sistema educacional e uma desmotivação desencadeada pelo despreparo, e também, pelas dificuldades que se colocam quando um educador se movimenta no sentido de uma avaliação diferenciada.