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Avaliação da proteinúria

Fase 2: Síndrome materna

3.4 Avaliação clínica e Diagnóstico

3.4.2 Avaliação da proteinúria

Como na medição da PA, também a medição da proteinúria está sujeita a recomendações. Todas as mulheres grávidas devem ser avaliadas para uma possível presença de proteinúria. (65) O NICE recomenda o uso de uma fita-teste ou da avaliação do ratio proteína/creatinina numa colheita de 24horas. Se na fita-teste for detetado proteinúria, com um resultado 1+ (≥ 30mg/dL), esta deve ser quantificada na urina através do ratio proteína/creatinina numa colheita de 24horas, mas também deve ser usado um método que avalie a integridade da amostra. Portanto, a presença de

proteinúria durante a gestação é confirmada pela presença de 0,3g/dL numa recolha de urina de 24h, ou por um ratio proteína (mg) /creatinina (mmol) superior a 30 numa amostra de urina. (61,80)

A recolha da urina durante 24 horas oferece uma estimativa quantitativa da excreção de proteína, sendo mais demorado e trabalhoso. Para ser mais eficaz, fiável e menos demorado, o diagnóstico de proteinúria em pacientes não grávidas, recorreu-se à relação proteína/creatinina. Mas o significado clínico propriamente dito durante a gravidez tem sido alvo de muita investigação, sem qualquer opinião consensual. Conclui-se que mais estudos são exigidos para avaliar o seu verdadeiro valor e assim definir a prevalência da proteinúria neste contexto, limitando as intervenções que devem ser seguidas perante um teste positivo ou negativo, e ainda o custo-efetividade do método. (70,89)

Com base na guideline do NICE, a presença de proteinúria é considerada o critério para o diagnóstico de PE na gravidez, pois normalmente aparece no início da HTA. (61) No entanto, o seu início na prática clínica pode ser variável em relação ao início da HTA e/ou outros efeitos dos órgãos-alvo. Por isso, a sua presença não deve ser considerada obrigatória para estabelecer o diagnóstico. (84)

Como explicado no anterior capítulo, na ausência de proteinúria, o diagnóstico de PE é possível, é necessário analisar os sintomas associados e principalmente os parâmetros bioquímicos. Uma vez que a HTA gestacional leve pode rapidamente evoluir para PE, dependendo da idade gestacional (sendo de 50% antes das 32 semanas de gestação), e terminar num parto prematuro e/ou RCIU. E portanto, estas mulheres precisam de uma observação atenta para a deteção precoce da PE, complementando sempre com avaliação do crescimento fetal. (84) Assim para conseguir um diagnóstico e uma monotorização mais específica das possíveis manifestações, o ISSHP definiu um conjunto de testes a nível materno e fetal (anexo 3). (68)

Já, unicamente, na presença de proteinúria no período gestacional (também designada de PE atípica), a mulher deve ser seguida para a deteção precoce da PE, apesar de não existirem estudos que avaliem o risco do seu desenvolvimento. Gestantes com este perfil, devem ser avaliadas para uma possível doença renal pré-existente, nomeadamente pielonefrite crónica, nefrite lúpica, nefropatia por imunoglobulina A e outras nefropatias. No caso de nefrite lúpica é de extrema importância a sua avaliação,

no sentido que esta patologia pode ser tratada na gravidez. Mas se esta proteinúria persistir para além das oito semanas após o parto, deve ser feito uma nova avaliação para outra possível causa renal. Se para além da proteinúria detetada na análise laboratorial, forem evidentes sintomas a nível cardiorrespiratório, ascite e edema pulmonar, a futura mãe deve ser avaliada para uma possível doença cardíaca, como insuficiência cardíaca e cardiomiopatia periparto. (68,76,84)

Para além da presença de proteinúria associada a HTA, o diagnóstico de PE é determinado se a gestação se encontrar depois da 20ª semana. Mas há possibilidade de ser detetada PE e/ou eclâmpsia antes da 20ª semana, tendo como possível justificação, a presença de uma degeneração hidrópica ou molar da placenta, podendo ou não afetar o feto. Tal panorama ainda pode ser justificado novamente pela nefrite lúpica, pela presença da síndrome hemolítica-urémica, a síndrome anticorpo antifosfolipídico e ainda púrpura trombótica trobocitopénica. Uma vez descartada alguma destas justificações clínicas, a mulher grávida deve ser tratada como se de uma PE grave se tratasse. (84)

Recentemente, um estudo concluiu que lípidos e aminoácidos específicos são expressos em diferente ordem numa PE que se inicia antes da 20ª semana e uma PE que se desenvolve depois desse período. Níveis séricos de glutamato, colina, alanina e lactato apresentaram uma expressão significativa, contrastando com a baixa expressão de arginina e citrato numa PE de início antes da 20ª semana de gestação. Mas pesquisas futuras são necessárias, tornando-se promissor na predição e otimização do seu diagnóstico. (90)

Uma PE que se desenvolve depois da 20ª semana pode também ser classificada consoante a sua gravidade, e a conduta a ser adotada vai depender dessa avaliação. Realçando, que uma PE grave requer particular atenção, principalmente pelo mau prognóstico associado. Na tabela 3.8 está explicito as principais diferenças entre uma PE leve e grave. Já a tabela 3.9 explicita situações adversas que aumenta o risco de desenvolver PE grave e o seu efeito sobre os vários sistemas de órgãos. (9,68)

Tabela 3.8- Diagnóstico da PE leve e grave com base em sinais e sintomas caraterísticos.

Adaptado de: Lindheimer et al, 2009 (9)

PE leve PE grave Estadio da gravidez PAD Dor de cabeça Distúrbios visuais Dor abdominal Oligúria Creatinina (TFG) LDH e AST na urina Implicações na saúde fetal

≥34ª Semana de gestação <100mmHg Ausente Ausente Ausente Ausente Normal Normal a moderada Ausente ≥35ª Semana de gestação >110mmHg Presente Presente Presente Presente Elevado Elevado (>3g/24h) Presente

Legenda: PAD: Pressão arterial diastólica. TFG: Taxa de filtração glomerular. LDH: Lactato desidrogenase.

Tabela 3.9- Condições adversas que aumentam o risco do aparecimento de PE grave e consequências adversas provocadas pela mesma entidade patológica. Adaptado de: Magee et

al, 2014 (68)

Sistema de órgãos afetado Condições adversas PE grave

Sistema Nervoso Central - Dor de cabeça/sintomas visuais.

- Eclampsia; - SEPR;

- Cegueira cortical ou deslocamento da retina;

- Escala Glasgow de coma <13; - AVC, AIT, ou DINR

Cardiorespiratório

- Dor de peito/dispneia; - Saturação de oxigénio <97%.

- HTA severa incontrolável; - Suporte inotrópico positivo; - Isquemia do miocárdio ou enfarte. Hematológico - Leucócitos elevados; - Tempo de protrombina elevado;

- Número de plaquetas reduzido.

- Plaquetas <50x109/L; - Transfusão de sangue. Renal - Creatinina sérica elevada;

- Ácido úrico elevado.

- Dano renal agudo (creatinina> 150µM sem doença renal prévia);

- Indicação para diálise. Hepático

- Náuseas e vómitos;

- Dor epigástrica e dor no quadrante superior direito; - AST, ALT, LDH e bilirrubina sérica elevada;

- Albumina plasmática reduzida.

- Disfunção hepática;

- Hematoma hepático ou rutura.

Feto-placental

- RCIU;

- Oligohidramios;

- Fluxo diastólico ausente ou reverso pela dopllervelocimetria.

- Deslocamento com evidência de compromisso materno e fetal; - Parto prematuro.

Legenda: SEPR: Síndrome de encefalopatia posterior reversível. AVC: Acidente vascular cerebral. AIT: Ataque

isquémico transitório. DINR: Défice isquémico neurológico reversível. AST: Aspartato aminotransferase. ALT: Alanina aminotransferase. LDH: Lactato desidrogenase. RCIU: Restrição do crescimento intrauterino.

A evolução de uma PE grave pode resultar na sua forma mais grave, a eclâmpsia. Antes pensava-se que as convulsões aconteciam antes do parto, mas houve vários relatos que evidenciaram o seu diagnóstico no período pós-parto, desde 48horas após o parto até semanas depois. Foi relatado em grávidas aparentemente estáveis ou com ligeira elevação da PA. Portanto, após o diagnóstico de PE e consoante o restante perfil gestacional, pode ser necessário hospitalização. Mas segundo a literatura, depois do parto, qualquer mulher com convulsões 48horas depois, hipertensa, com proteinúria ou outros sintomas/sinais de PE deve ser diagnosticada eclâmptica, se outras causas forem despistadas (tabela 3.10). (9,84)

Tabela 3.10- Diagnóstico diferencial de eclâmpsia. Adaptado de: Sibai et al, 2009 (84)

Acidentes cerebrovasculares: - Hemorragia;

- Rutura de aneurisma;

- Trombose ou embolismo arterial; - Trombose cerebral venosa; - Encefalopatia isquémica; - Angiomas;

Doença trofoblástica gestacional metastizada;

Síndrome leucoencefalopatia reversível posterior; Síndrome antifosfolipidico catastrófica;

Púrpura trombocitopénica trombótica; Vasculites cerebrais.

Encefalopatia hipertensiva; Desordens convulsivas;

Tumor cerebral não diagnosticado; Doenças metabólicas.

Após intervenção clínica, se rapidamente as convulsões não forem controladas, deve ser realizado exames neurológicos (ressonância nuclear magnética ou angioressonância) a fim de excluir alguma complicação neurológica. (76)

Por vezes, o parto é a última opção para mulheres com PE ou ainda com a síndrome HEELP. (84) O aparecimento da síndrome HELLP é variável, desde quadros clínicos assintomáticos, até aos com a presença de dores epigástricas ou no hipocôndrio direito, e ainda a possibilidade de cefaleias intensas com ou sem alterações visuais. Ainda pode estar presente, mal-estar geral ou até sinais evidentes de PE. (71) Apesar do quadro de manifestações possíveis, o seu diagnóstico precoce é, sobretudo, laboratorial, e deve ser aplicado sistematicamente em mulheres com PE grave/eclampsia. (47) Bioquimicamente, a síndrome HELLP pode ser confundida com um quadro de púrpura trombótica trobocitopénica, de uma síndrome urémica hemolítica, e de uma exacerbação do lúpus eritematoso sistémico, o que clinicamente exige medidas de atuação imediatas. (71)

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