• Nenhum resultado encontrado

Avaliação das propriedades funcionais

No documento Susana de Oliveira Matos da Cunha (páginas 38-41)

As proteínas podem servir para diversos fins não-nutritivos em alimentos, mas a função mais comum é contribuir para a estrutura dos alimentos a nível molecular. A capacidade de formar e/ou estabilizar as estruturas reticulares (geles e filmes), espumas, emulsões e soluções coloidais são as principais propriedades funcionais das proteínas. (Foegeding & Davis, 2011)

As proteínas do soro são bem conhecidas pelas suas propriedades funcionais. O uso de concentrados de proteína de soro de leite com este fim representa uma das utilizações mais comuns das proteínas de soro, com especial expressão nas indústrias de lacticínios, panificação e misturas em pó. As propriedades funcionais mais comuns atribuídas aos concentrados de proteínas do soro são: solubilidade, viscosidade, emulsificação, formação de espuma, absorção de água e gelificação. (De Wit, 1998; Sanmartín, et al., 2012; Zall, 1992)

A estrutura tridimensional das proteínas pode dar uma perspectiva das propriedades funcionais esperadas, mas as proteínas alteram a sua estrutura de acordo com as características do sistema alimentar em que são inseridas. A alteração da estrutura das proteínas (desnaturação) deve ser vista em dois passos: um equilíbrio entre a estrutura nativa e a cadeia desdobrada, seguido de reacções de agregação com outras espécies presentes no meio (incluindo outras proteínas), ou duma clivagem irreversível da cadeia proteica. As propriedades funcionais das proteínas variam com cada alteração de estrutura sofrida e com as espécies presentes no sistema alimentar, pelo que o estudo do seu comportamento em diversas condições é fundamental para prever o seu desempenho nos alimentos. (Foegeding & Davis, 2011; De Wit & Klarenbeek, 1984)

A abordagem mais simples para entender a funcionalidade duma proteína é examinar soluções dessa proteína isolada. Por exemplo, β-Lg é uma das proteínas alimentares mais estudadas em relação à funcionalidade. No entanto, as proteínas disponíveis para integração em alimentos são geralmente uma mistura de proteínas e outras moléculas tais como os açúcares e sais minerais (e as proteínas do soro de leite são disso o melhor exemplo). Além disso, uma proteína adicionada a uma fórmula será um de vários ingredientes presentes no alimento e, por conseguinte, a sua funcionalidade irá depender das suas propriedades nesse sistema alimentar complexo. (Foegeding & Davis, 2011)

Assim, existe uma considerável variação nas propriedades funcionais dos concentrados de proteína de soro de leite, dependendo da sua origem (que determina a sua composição) e do processamento aplicado ao soro (que altera também a composição, mas principalmente o estado de desnaturação das proteínas). Os vários processos de preservação e separação de componentes do soro, representados na Figura I.3 (secção 3.3 deste capítulo), produzem concentrados de soro ou soro em pó com diferentes propriedades e aplicações. (Zall, 1992)

Susana Cunha

Neste trabalho pretende-se caracterizar um soro de leite específico (soro de iogurte do tipo grego) com vista à sua valorização na forma não processada ou com um processamento mínimo. Não se encontram na literatura muitos estudos sobre a utilização de soro nestas condições, pelo que avaliar algumas das suas propriedades funcionais permite apreciar a possibilidade da sua utilização como elemento funcional dum alimento. Para tal, escolheu-se avaliar duas das propriedades das proteínas do soro mais estudadas na literatura: as propriedades espumantes e emulsionantes. O estudo das propriedades de gelificação2 foi posto de parte, considerando que as proteínas do soro utilizadas para esse fim são quase exclusivamente utilizadas na forma de soro em pó, para a aumento do teor de sólidos-não-gordura do leite em gelados e sobremesas lácteas (Morr, 1992).

Para compreender as propriedades espumantes e emulsionantes das proteínas do soro, é necessário compreender a importância da sua solubilidade e estado de desnaturação. A completa solubilidade das proteínas é um requisito para a sua funcionalidade pois a capacidade de estabelecer ligações com as outras moléculas presentes no meio é dependente da sua capacidade de se reorientar no solvente (Zall, 1992). O seu estado de desnaturação influencia a exposição dos grupos laterais da cadeia proteica que podem efectuar ligações (hidrofóbicas ou pontes de hidrogénio ou enxofre) com outras moléculas presentes (De Wit & Klarenbeek, 1984).

Para obter as características de formação de espuma e emulsionantes ideais, as proteínas devem ser substancialmente solúveis, difundir-se para a interface recém-formada, desdobrarem-se e reorientarem-se de maneira que baixe a tensão interfacial, e formar filmes coesos e viscoelásticas por polimerização principalmente via pontes de enxofre e interacções hidrofóbicas (Dissanayake & Vasiljevic, 2009). São estas interacções, que resultam na formação de complexos com pesos moleculares mais elevados, a que se referem os termos agregação, precipitação, coagulação e floculação (Patel, et al., 2015).

Um agente emulsionante é aquele que tem a capacidade de estabilizar uma mistura de dois líquidos imiscíveis (por exemplo, óleo e água). O leite é por si uma emulsão de gordura láctea em água, estabilizada pelas caseínas e proteínas do soro. (Bylund, 1995; Patel, et al., 2015) As proteínas do leite desempenham um papel chave na formação e estabilidade das emulsões. A actividade de superfície das proteínas do leite conduz à sua adsorção rápida na interface óleo- água durante a emulsificação, produzindo uma camada estabilizadora que protege as gotículas de óleo contra floculação ou coalescência. (Britten & Giroux, 1991)

Muitas proteínas, incluindo caseína, proteína de soja, proteína muscular, e proteína de ovo têm sido utilizadas em vários produtos alimentares emulsionados. A estabilização de emulsões por proteínas de soro de leite tem sido também alvo de vários estudos. (Yamauchi, et al., 1980)

2 A gelificação é um agregado ordenado de proteínas, formando uma estrutura reticular tridimensional, em que as interacções proteína-proteína e proteína-solvente produzem uma matriz bem ordenada que é capaz de reter quantidades significativas de água (Patel, et al., 2015). É o que acontece durante a coagulação do leite para a produção de iogurte ou queijo, por desnaturação da caseína. As proteínas do soro, quando desnaturam, formam geles com grande capacidade de retenção de água, mesmo em baixas concentrações de proteína (cerca de 15% de proteína em base húmida, 50% em base seca). (Zall, 1992)

Susana Cunha

Destes estudos, concluiu-se que o desempenho das proteínas do soro como agente emulsionante depende de factores extrínsecos que afectam os níveis de desnaturação, agregação e interacção proteína-proteína a nível molecular, e que incluem temperatura, concentração de proteína, pH, força iónica e do tipo de ião, condições de processamento, e de energia externa, tal como cisalhamento, calor, alta pressão ou de ultra-som. Factores intrínsecos à proteína incluem hidrofobicidade, interacções electrostáticas, ligações de enxofre, peso molecular e composição de aminoácidos. (Patel, et al., 2015)

As espumas são definidas como dispersões de gás em líquido (G/L) ou de gás em sólidos (G/S). As estruturas de espuma são componentes de muitos alimentos, tais como o merengue (G/ L) e o pão (G/S). Na sua forma mais simples, uma espuma consiste numa bolha de gás rodeada por uma fase contínua. As proteínas situam-se na fase contínua e na interface, e distinguem-se dos surfactantes de baixo peso molecular por terem a capacidade de interagir com proteínas adsorvidas adjacentes para formar filmes que possuem boas propriedades interfaciais em termos de espessura, permeabilidade ao gás, e viscoelasticidade. (Foegeding & Davis, 2011)

As características das proteínas do soro que contribuem para um bom desempenho como agente espumante são: a flexibilidade das suas moléculas que permite a sua orientação na interface ar-líquido, expondo os seus centros hidrofóbicos na fase gasosa; e a criação de ligações variadas (pontes de hidrogénio e enxofre) com as outras moléculas da interface e da fase líquida, contribuindo para a resistência e viscoelasticidade da interface. (Schmidt, et al., 1984) Os factores que afectam a capacidade de formação de espuma das proteínas incluem o teor de lípidos (mesmo que residual), teor de sólidos, pH, estado de desnaturação, força iónica e potencial redox do meio. A formação e estabilidade da espuma são ainda dependentes do tempo de batimento. (Zall, 1992)

A influência de todos estes factores no desempenho das proteínas tem sido um impedimento ao seu uso como elemento funcional dos alimentos (Foegeding & Davis, 2011). No entanto, a contribuição geral das proteínas do soro para nutrição e saúde, incluindo bioactividades específicas, torna estas proteínas apelativas à sua incorporação em produtos.

Susana Cunha

No documento Susana de Oliveira Matos da Cunha (páginas 38-41)