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O soro de iogurte difere do soro de queijo (soro “doce” que é mais estudado na literatura) por possuir maior acidez, pH mais baixo, mais sólidos totais, cinza, fósforo e cálcio. Estes factores influenciam as suas propriedades funcionais e possíveis utilizações, mas podem ajudar à sua conservação na forma não processada. O processamento do soro deverá ser definido de acordo com o destino pretendido, dado que os tratamentos térmicos afectam as suas propriedades funcionais.

Uma nota a tirar da caracterização destes soros é que o soro de leite magro tem mais lípidos do que o soro de leite gordo, pelo que deverá haver o cuidado de não lhes chamar “soro gordo” e “soro magro” pois pode causar confusão. O teor de lípidos é baixo em ambos os soros e será importante apenas se os destinos considerados envolverem a utilização funcional para formação de espumas ou emulsões (o soro de iogurte gordo apresentou melhores propriedades emulsionantes e o de iogurte magro melhores propriedades espumantes).

Os tratamentos térmicos de estabilização testados causaram alterações nas proteínas dos soros. A desnaturação sofrida foi menor no soro de iogurte magro do que no de iogurte gordo devido aos pré-tratamentos aplicados para a produção do iogurte (mais forte no leite gordo do que no magro). Essa desnaturação foi evidente na análise das fracções azotadas, tendo-se verificado um aumento do azoto amoniacal e uma diminuição do azoto solúvel com o aumento da temperatura de pasteurização. O aumento do azoto não proteico foi verificado apenas para P72 indicando que esta pasteurização causa a desnaturação irreversível duma quantidade significativa de proteínas, em especial a BSA e as Ig.

Todas as amostras mostraram ser estáveis a nível químico (pH, acidez, °Brix, fracções proteicas) pelo menos por 21 dias. A nível microbiológico, a pasteurização a 63 °C por 30 minutos mostrou ser eficaz na eliminação de microrganismos e satisfazer os requisitos da Portaria nº 742/92 que define critérios microbiológicos para o iogurte (máximos de 10 UFC cm-3 de bolores e 102 UFC cm-3 de leveduras). Estas amostras apresentaram-se estáveis por 90 dias, a -18 e +4 °C, e por 21 dias a 20 °C, a nível microbiológico e químico.

O tratamento térmico a 72 °C por 1 minuto em batch não mostrou reduzir a carga microbiana do soro de forma a estender a sua vida útil, apresentando após 21 dias uma carga microbiana semelhante à do soro sem pasteurização. Esta pasteurização terá sido incompleta o que poderá ajudar ao crescimento da microflora sobrevivente, ao desnaturar as proteínas e libertar aminoácidos. Uma maior fracção de azoto amoniacal e não proteico poderá também resultar em diferentes propriedades organolépticas que devem ser testadas.

As amostras sem pasteurização apresentaram-se estáveis por 21 dias, apesar de haver desenvolvimento de B&L. Os valores de B&L encontraram-se acima dos valores estipulados para iogurtes pela Portaria nº 742/92 a partir dos 13 dias. Apesar de esta não ser uma obrigação legal para o soro de leite, a redução da carga microbiana é aconselhável para garantir a validade de 3 semanas pretendida. Um aumento da população de S. thermophilus em relação ao L. bulgaricus poderá favorecer a predominância das LAB sobre a restante flora presente durante mais tempo.

Estabelecer limites de pH para o soro (e para o iogurte que o origina) poderá ser uma forma de controlo de qualidade e segurança alimentar neste produto. Um pH máximo de 4,2 irá prevenir o crescimento da maioria das bactérias, patogénicas ou de deterioração dos alimentos. O limite inferior será determinado pela qualidade sensorial do produto, mas um pH próximo de 4,0 será um factor adicional de segurança alimentar. A recomendação mantém-se mesmo se se

Susana Cunha

optar por uma pasteurização do soro, dado que o pH baixo limita a sobrevivência de leveduras ao tratamento térmico. Um rácio entre o °Brix e a acidez titulável, ou °Brix e pH, poderá estar relacionado com a aceitação duma bebida à base de soro, o que poderá ser um estudo interessante a realizar no futuro.

Os resultados da evolução das fracções azotadas estudados permitem afirmar que a proteólise não é um factor de grandes alterações no produto nos tempos estudados. No entanto, há que ressalvar que não foi analisado o conteúdo vitamínico do soro e que este poderá sofrer alterações que podem ser significativas a nível de alegações nutricionais, mas que não são visíveis a nível de proteólise global. Nergiz e Seçkin (1998) constataram que 52% da tiamina (B1) e 60% da riboflavina (B2) do leite são perdidas no dessoramento, e pode-se esperar também a presença de vitamina C que é sensível à degradação por acção da luz.

A boa capacidade espumante demonstrada pelo soro em bruto abre possibilidades à sua utilização em bebidas como smoothies e batidos, em que a espuma é formada na altura do consumo com um curto tempo de vida. Já os resultados da capacidade emulsionante foram comparáveis aos de concentrados de proteínas de soro, hidrolisados de caseína ou hidrolisados de proteínas lácteas. Soros de leite gordo e magro têm propriedades distintas devido ao seu diferente conteúdo proteico, de lípidos e de fósforo, cálcio e ferro. A pasteurização aumenta as características espumantes e emulsionantes do soro de leite magro mas diminui as do gordo, devido ao pré-tratamento do leite no fabrico do iogurte.

Por tudo isto, a valorização de soro de leite deverá ser estudada caso a caso, isto é, para cada proveniência do soro, cada tratamento a que o soro é submetido, e cada destino considerado. É importante, pois, que pequenas e médias indústrias encontrem primeiramente um destino a dar ao seu subproduto, e só então adeqúem o tratamento a aplicar às características necessárias para o seu fim.

Para um pequeno produtor de iogurte concentrado, a melhor opção será sempre encontrar um parceiro que utilize o soro como matéria-prima e escoar o soro não processado dentro do seu tempo de vida útil, mas isto nem sempre é possível o que leva muitos produtores a entregar o seu soro a explorações pecuárias para utilização como bebida para animais.

No entanto, existem produtos à base de soro de iogurte que podem ser desenvolvidos por um pequeno produtor, tais como iogurtes líquidos, bebidas de fruta proteínadas, e sobremesas lácteas, e que podem ser uma oportunidade comercial.

Susana Cunha

No documento Susana de Oliveira Matos da Cunha (páginas 87-89)