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Avaliação de impacto – controle e justificação

5 AVALIAÇÃO LEGISLATIVA E CORREÇÃO DO ORDENAMENTO

5.1 Avaliação de impacto – controle e justificação

Como a proposta aqui desenvolvida teve como ponto de partida a elaboração de uma teoria normativa da legislação focada na liberdade, consideramos essencial apresentar a visão legisprudencial que conduz à avaliação dos efeitos das leis. O entendimento que foi até então preconizado evoca a adoção de um ponto de vista hermenêutico por parte do legislador, que lhe permite ter uma postura compreensiva perante o contexto, bem como considerar diferentes abordagens teóricas, aptas a complementar o conhecimento que ele detém sobre o direito e a realidade. Essa percepção amplia os fundamentos de validade da norma e garante que a validade e a legitimidade do direito estejam relacionadas ao contexto, a valores e princípios, e não apenas à atenção a critérios formais.

Essencialmente, a avaliação dos efeitos das leis é uma ferramenta metodológica cujo produto tem natureza justificatória e consultiva. Seu objetivo não é medir o grau de sucesso ou fracasso de uma lei ou ato normativo, mas mostrar como ele funciona potencialmente ou na prática e permitir correções que o aperfeiçoem de modo garantir-lhe eficácia e legitimidade. Ela deve, portanto, atender às exigências de transparência de todo processo avaliativo, diante da sua potencial capacidade de ampliar a compreensão sobre os problemas legislativos e regulatórios. Por outro lado, ela traduz-se em reforço do caráter democrático do sistema, uma vez que faz uso de instrumentos que demandam uma postura compreensiva do direito, ou seja, impõe o diálogo das fontes e determina a oitiva de envolvidos, interessados e experts, aumentando, dessa forma, o nível de adequabilidade das regras e, consequentemente, de aceitabilidade, comprometimento e adesão das partes.

Na defesa de um diálogo de fontes, a coerência é um princípio estruturante da teoria da legislação, voltado para a condução de práticas e de uma metodologia que, sob o ponto de vista hermenêutico, operacionalize o processo comunicativo que envolve a produção dos atos normativos. Essa metodologia resolve-se na circularidade de um processo informado, além de continuamente construído e corrigido, que reduz o caráter contingencial da lei e da atuação do Estado, como também o compromete com uma racionalidade prática cujas finalidades são a justificação e o controle público das decisões estatais

Por ela, o complexo contexto de produção do direito, impactado pelo potencial repertório de normas presente na realidade social, na fala do Poder Judiciário e da Administração Pública, bem como no discurso de grupos de interesse e nos sentidos que derivam dos diversos modos de conhecer o direito, é considerado sob o ponto de vista de um modelo argumentativo e comunicativo (WINTER, 2004), em que as informações colocadas à disposição do legislador ampliam as possibilidades de debate, adequação, adesão e adaptação dos atos normativos. Essa postura parece-nos apropriada para garantir a justificação e o controle público das decisões, além de otimizar o nível de eficácia social das normas – entendida como o grau de aceitação que os indivíduos manifestam em relação a elas – pela tentativa de equilibrar interesses e estabelecer, por meio do debate dialético, o consenso argumentativo possível ou, no mínimo, aceitável.

Para estruturar a avaliação, apresentamos, de acordo com Wintgens (2004), princípios subsidiários aos quatro princípios fundamentais da legisprudência, ou deveres a serem acatados pelo legislador prudente, cuja aplicação pretende ter como resultado a justificação para a criação de normas (concepções sobre liberdade). Estes princípios ou deveres são incorporados por áreas compreendidas na legisprudência, como a legística material e a legística formal, e nos fornecem uma visão dinâmica dos elementos que interferem no processo de produção e avaliação da legislação, conforme demonstrado na Figura 1:

1. Princípio da adequada determinação do fato e da adequada formulação do problema: requer o conhecimento amplo do problema e dos fatos que demandam a intervenção legislativa. A adequação da norma aos fatos é uma questão de lógica e coerência 2. Princípio da alternatividade: já analisado anteriormente, impõe ao legislador os

deveres de justificar por que a opção de legislar é a melhor escolha e de elucidar que a norma é resultado da ponderação entre diversas alternativas.

3. Princípio da subsidiariedade: este princípio é complementar ao princípio da densidade

normativa, pois diz respeito à necessidade de o legislador agir de forma a restringir o

mínimo possível a liberdade, ou seja, priorizar alternativas que não impliquem sanções, pois a criação de uma regra já implica uma restrição .

4. Princípio da colaboração: é o princípio que demanda a participação dos atores jurídicos no processo de criação das leis para contribuir com as escolhas dos meios e o alcance dos objetivos legislativos. A reinclusão, como participante, da fala de

outros atores jurídicos, entre eles, o juiz, o cidadão, os grupos de pressão, indica o aumento da racionalidade da lei, porque estabelece um vínculo entre contexto e texto, tornando, assim, a regra mais informada e reforçando a potencialidade de adesão pelo consenso possível e razoável, fruto do diálogo.

5. Princípio da combinação: requer a análise da nova norma, tendo em vista as normas já existentes no sistema e evitando-se antinomias. É uma exigência que implica a atenção ao princípio de coerência estabelecido no nível 2 da Teoria dos Níveis de Coerência exposta anteriormente.

6. Princípio da adequação: refere-se à necessidade de adequação entre os meios e os fins. Decorre daí a importância de definir, de forma clara, as finalidades das normas, estabelecendo meios e estratégias usadas para alcançá-las com a menor ingerência possível na esfera de autonomia do sujeito.

7. Princípio da celeridade: este princípio está vinculado ao princípio da temporalidade, pois estabelece que o legislador leve em conta a dimensão do tempo nas intervenções que pretende realizar, de forma a propiciar soluções ou alternativas consistentes com o momento.

8. Princípio do prognóstico: impõe o dever de realizar uma avaliação prospectiva ou ex

ante dos efeitos das normas, considerando que a finalidade proposta pelo legislador

tem, em uma visão razoável92, condições de ser atendida.

9. Princípio da correção: estabelece a conexão do legislador com o tempo e a realidade social, pelo dever de considerar as circunstâncias futuras derivadas da aplicação da lei e reconhecer as falhas de suas escolhas. Esse princípio é fundamental no contexto do diálogo de fontes, pois estabelece a interação entre a criação e a aplicação das regras, o que permite afirmar com elevado grau de acuidade que a jurisprudência, na dinâmica legisprudencial, constitui um forte impulso para a correção da legislação.

O pensamento que nos leva a compreender como correta a determinação de correção do ordenamento também nos é dado por Flückiger (2009, p. 15), ao entender que “o legislador deve [...] assegurar-se, ao longo da existência da lei, de reunir informações e fatos pertinentes que lhe permitam avaliar os efeitos do texto sobre a realidade e ressaltar as ______________

92 A razoabilidade depende de um equilíbrio satisfatório entre meios e fins. É um elemento que deve ser

eventuais diferenças com os objetivos iniciais”.

A correção do ordenamento é potencializada pelo uso da informática, especialmente no que diz respeito à sistematização de bancos de dados jurisprudenciais. O desenvolvimento de sistemas operacionais capacitados para selecionar e verificar problemas de linguagem, como semântica e sintaxe das normas, também pode contribuir consideravelmente para dimensionar os impactos que a aplicação da lei pelo Judiciário tem sobre a validade das normas (CHEVALLIER, 1992; SOARES, 2004).

A proposta teórico-pragmática da legisprudência para a produção de boas leis, em sentido amplo, impõe ao legislador o respeito aos princípios mencionados e, especialmente, aos quatro princípios elementares da teoria de Wintgens (2006), expostos no item gsfgfsfg. Esses princípios interagem de forma dinâmica e circular para garantir que o legislador realize escolhas informadas e passíveis de controle público, considerando o caráter argumentativo do direito e a atuação por meio de um procedimento que sempre permita o contraditório entre os participantes e envolvidos.

Figura 1 – Princípios e dinâmica da legisprudência Fonte: adaptado de: WINTGENS, 2004, p. 312.