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Avaliação do paciente diabético

No documento Clínica de animais de companhia (páginas 67-70)

III. Monografia

2. Diabetes mellitus

2.7. Avaliação do paciente diabético

Uma avaliação clinicopatológica completa é recomendada após o diagnóstico de DM, uma vez que o simples reconhecimento da presença da doença não fornece informações sobre o estado geral do animal (45). A avaliação laboratorial mínima num gato diabético deve incluir hemograma, painel bioquímico sérico, doseamento da tiroxina (T4) sérica e urianálise com cultura bacteriana. Uma ecografia abdominal deve fazer parte da avaliação após diagnóstico dada a elevada prevalência de pancreatite crónica em gatos diabéticos (103).

2.7.1.1. Hemograma

Os resultados estão, geralmente, normais nos casos não complicados. Uma ligeira policitémia pode estar presente se o animal se encontrar desidratado. Pode detetar-se leucocitose se houver um processo infecioso ou inflamatório severo, especialmente se houver uma pancreatite concorrente (45,103). A presença de neutrófilos degenerados ou com alterações tóxicas, ou um desvio significativo à esquerda, suporta a presença de um processo infecioso como causa da leucocitose (121).

2.7.1.2. Bioquímica sérica

A prevalência e severidade das anomalias identificadas no painel bioquímico sérico dependem da duração da DM e da presença de doenças concorrentes. Em animais com DM não complicada e sem doenças concorrentes é frequente não se observarem alterações, à parte da hiperglicémia e hiperlipidémia, sobretudo devido a hipertrigliceridémia. As anomalias mais comuns são um aumento nas atividades da alanina aminotransferase (ALT) e fosfatase alcalina (FA) séricas, como resultado da lipidose hepática. Estes aumentos são, contudo, ligeiros, não ultrapassando as 500 UI/L. Aumentos maiores na atividade da ALT devem levantar suspeita para hepatopatia de outras causas que não a lipidose hepática, especialmente se acompanhados de outras anomalias nos testes de função hepática, como redução da ureia, hipoalbuminémia ou hiperbilirrubinémia (121).

As concentrações de ureia e creatinina séricas estão geralmente normais em pacientes com doença não complicada. Uma elevação nestes parâmetros pode dever-se a doença renal primária ou a urémia pré-renal secundária a desidratação. A avaliação da gravidade específica da urina (GEU) auxilia na distinção entre as duas condições (121,127).

As alterações eletrolíticas e ácido-base são comuns em pacientes com CAD e são discutidas na secção 2.3.1.

2.7.1.3. Urianálise

As alterações identificadas na urianálise, consistentes com DM, são glicosúria, cetonúria, proteinúria e bacteriúria, com ou sem piúria e hematúria. Na DM não complicada ocorre glicosúria sem cetonúria, mas esta pode estar presente em pequenas quantidades. Se forem detetadas grandes quantidades de corpos cetónicos na urina de um animal diabético, especialmente na presença de sinais de doença sistémica (vómito, letargia, diarreia, desidratação), o animal pode estar em cetoacidose diabética (121).

A presença e severidade da glicosúria devem ser tidas em consideração, aquando da interpretação dos resultados da GEU. Apesar da poliúria e polidipsia, a GEU permanece superior a 1.025 em pacientes não tratados, em parte devido às elevadas quantidades de glucose na urina. Como regra simples, por cada 2% de aumento ou 4+ de glicosúria medida nas tiras reagentes, há um aumento de 0,008 a 0,010 na GEU medida num refratómetro (121).

A proteinúria pode ser resultado de uma inflamação no trato urinário ou lesão glomerular. Devido à alta incidência de infeção, independentemente do estado de controlo glicémico (128), é importante analisar o sedimento para sinais de infeção: leucócitos, eritrócitos e bactérias (121). Uma vez que a não deteção de piúria e bacteriúria não permite excluir a possibilidade de infeção, a cultura bacteriana é uma ferramenta importante (121,128).

2.7.1.4. Tiroxina (T4) sérica

A concentração de tiroxina sérica deve ser avaliada em todos os gatos geriátricos (103), não só porque o hipertiroidismo é frequente em gatos de idade avançada, sendo a endocrinopatia concomitante mais comum em gatos diabéticos (129), mas também porque pode participar na insulinorresistência (103,127,129). Aquando da interpretação da concentração de T4 sérica em pacientes diabéticos, o veterinário deve considerar o atual estado de controlo glicémico e a severidade de outras patologias concomitantes. Estes pacientes apresentam uma concentração de T4 falsamente baixa, possivelmente devido à síndrome do eutiróide doente. Testes adicionais para a função tiroideia podem ser necessários caso haja forte suspeita de hipertiroidismo, nomeadamente um valor de T4 no limite superior do intervalo de referência (103).

2.7.1.5. Enzimas pancreáticas

A pancreatite é uma condição patológica concomitante reconhecida em gatos diabéticos. Está associada ao desenvolvimento de DM transitória ou permanente através da destruição e perda de células β e do agravamento ou indução de insulinorresistência (130)

. Testes sanguíneos para avaliar a presença de pancreatite devem sempre ser considerados num gato recentemente diagnosticado com DM (103). Tradicionalmente, o diagnóstico incluía mensurações de enzimas pancreáticas, nomeadamente lipase pancreática e a trypsin-like

immunoreactivity felina (fTLI), mas nenhuma se correlaciona com precisão com a presença ou

ausência de pancreatite, especialmente quando o processo inflamatório é crónico ou ligeiro. Atualmente a mensuração da atividade da lipase pancreática felina (fPLI) é a mais utilizada, sendo um teste com elevada sensibilidade e especificidade. A ecografia tem também valor de diagnóstico embora exija experiência e equipamentos de qualidade (131).

2.7.1.6. Insulina sérica

A mensuração da concentração de insulina sérica, quer basal quer após administração de secretagogos (glucose, glucagon ou arginina), não é um procedimento diagnóstico comum, dada a inconsistência deste parâmetro. A sua importância relaciona-se com a possibilidade de diferenciação entre DMID e DMNID e, portanto, com a identificação da necessidade de insulinoterapia e dos animais que podem ser controlados com fármacos hipoglicemiantes. Uma concentração de insulina, em jejum ou após administração de secretagogos, maior do que um desvio padrão acima do valor médio (depende do laboratório), sugere a existência de células β

funcionais e a possibilidade de DMNID. Contudo, gatos subsequentemente identificados como tendo DMID e muitos dos que apresentam DMNID têm baixas concentrações base de insulina sérica, provavelmente como consequência da glucotoxicidade, e não respondem a testes de administração de glucose ou glucagon. Dados os problemas com estes testes na identificação da função das células β, a diferenciação entre DMID e DMNID é muitas vezes feita retrospetivamente, após várias semanas de avaliação da resposta do paciente à terapia. A decisão para iniciar o tratamento com insulina ou com fármacos hipoglicemiantes é baseada na severidade dos sinais clínicos, na presença ou ausência de cetoacidose e na vontade dos proprietários (103).

No documento Clínica de animais de companhia (páginas 67-70)