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Fármacos hipoglicemiantes orais

No documento Clínica de animais de companhia (páginas 70-73)

III. Monografia

2. Diabetes mellitus

2.8. Tratamento

2.8.1. Fármacos hipoglicemiantes orais

Dependendo da população estudada e da precocidade do diagnóstico, até 30% dos gatos atingem um controlo glicémico adequado apenas com agentes hipoglicemiantes orais. Como tratamento único estes fármacos só são apropriados em animais com células β funcionais, algo que não pode ser avaliado sem procedimentos invasivos. Consequentemente recomenda-se precaução na utilização deste tipo de fármacos (63). Os agentes hipoglicemiantes orais não são a primeira linha de abordagem de tratamento ao paciente diabético felino, mas podem ser de extrema utilidade, especialmente em casos em que há uma intolerância do proprietário ou do paciente à administração de insulina (63,137), casos em que o paciente tem necessidades flutuantes de insulina ou casos em que existem episódios de hipoglicémia mesmo a doses mínimas de insulina (137).Os mecanismos através dos quais estes fármacos reduzem a glicémia passam pelo estímulo da secreção de insulina endógena pelas células, redução da resistência periférica à insulina e redução da absorção de glucose pelo trato gastrointestinal

(105)

2.8.1.1. Estimulantes da secreção de insulina

Existem vários fármacos que estimulam a secreção de insulina pelas células β do pâncreas, necessitando, para isso, da existência de células funcionais, pelo que a sua utilização se reveste de uma grande variabilidade de resposta individual. Esta variabilidade pode ser explicada pelo número de células funcionais e o seu estado fisiológico, nomeadamente, a presença de exaustão, dessensibilização ou glucotoxicidade. A presença de doenças inflamatórias intestinais, comuns em gatos idosos, deve ser tida em consideração aquando da prescrição deste tipo de fármacos, uma vez que pode haver uma redução significativa da absorção e, portanto, da eficácia dos agentes hipoglicemiantes. Por outro lado, o médico veterinário deve ter em mente que a estimulação da secreção de insulina, em gatos, pode estar associada a uma aumento da deposição de amilóide, levando, em última instância, à perda total de células β funcionais, e a transição para uma DMID permanente (137)

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A sulfonilureias têm sido dos hipoglicemiantes mais usados em gatos diabéticos (103) e atuam maioritariamente através da ligação às ATPases das células β. Adicionalmente, existe evidência de que as sulfonilureias reduzem a concentração de glucose sanguínea através da sensibilização dos tecidos à insulina, através da limitação da gluconeogénese hepática e redução da depuração da insulina pelo fígado (103,137). Existem numerosas formulações comerciais disponíveis e, tal como acontece com a insulina, a sua farmacocinética e farmacodinâmica afetam a potência e a duração do seu efeito. A glipizida, uma sulfonilureia de segunda geração, tem sido a mais utilizada em gatos com DM, com estudos a indicarem que, aproximadamente 30% dos gatos tratados com este agente, mostram melhorias nos sinais clínicos (103). Os efeitos secundários mais comuns incluem vómito, hipoglicémia, aumento da atividade das enzimas hepáticas e hiperbilirrubinémia, efeitos que podem ser minimizados pela utilização de doses baixas no início do tratamento (137). A glipizida é inicialmente administrada a uma dose de 2,5 mg per os BID juntamente com a refeição, e o paciente deve ser reavaliado semanalmente durante o primeiro mês de terapia. Se ao fim de duas semanas não ocorrerem reações adversas, a dose pode ser aumentada para 5,0 mg per os BID. A terapia é continuada enquanto o animal estiver estável, os proprietários satisfeitos com o tratamento, e os níveis de glucose sanguínea e de frutosamina sérica dentro dos limites aceitáveis (i.e., glucose sanguínea média inferior a 300 mg/dL e frutosamina sérica inferior a 500 μmol/L). Se o animal desenvolver euglicémia ou hipoglicémia, a dose pode ser diminuída ou o fármaco descontinuado, e o animal deve ser reavaliado uma semana depois para aferir a necessidade de aumentar a dose ou reiniciar-se o tratamento, com uma redução em animais que tenham tido episódios de hipoglicémia. Com o tempo, a glipizida pode perder eficácia, presumivelmente devido à perda de células β funcionais (103)

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As meglitinidas são outra categoria de fármacos hipoglicemiantes cuja ação se baseia na ligação às ATPases das células β pancreáticas, estimulando a secreção de insulina. Uma

vez que o local de ligação a estas enzimas difere do local de ligação das sulfonilureias, os dois fármacos podem ser usados em conjunto, com um potencial sinérgico comprovado (137).

Os oligoelementos vanádio e tungsténio têm um potencial de reduzir a glicémia e, num grupo de gatos tratados com insulina protamina-zinco, aqueles suplementados com vanádio apresentaram melhorias clínicas (138). Contudo, a ideia de que a administração crónica pode resultar na acumulação hepática e renal, faz com que estes agentes não sejam de uso comum em veterinária (137). Estudos recentes indicam que o vanádio pode, ao contrário do que se pensava, ter um efeito protetor sobre as células β (139)

, pelo que podem vir a ser uma alternativa eficaz no futuro.

Os inibidores da dipeptidil-peptidase 4 (DDP-4), como a saxagliptina e linagliptina, são os fármacos estimuladores da secreção de insulina mais recentes, com um baixo risco de hipoglicémia e uma ação protetora sobre as células β (137). Estes agentes não têm sido usados em medicina veterinária mas existem estudos em curso em gatos diabéticos que esperam comprovar a segurança e eficácia dos DDP-4 (140).

2.8.1.2. Sensibilizadores da ação da insulina

Este tipo de agentes hipoglicemiantes não afeta diretamente as células β dos ilhéus de Langerhans, pelo que a sua ação não depende da presença de células funcionais e podem ser utilizados em pacientes com DMT1 e DMT2. Os seus efeitos são exercidos através do aumento da sensibilidade periférica à insulina, tornando-se, por isso, óbvio, que há necessidade da existência de insulina circulante (137).

As biguanidas, nomeadamente a metformina, são os agentes desta categoria, mais utilizados em gatos diabéticos. A dose recomendada é de 25 a 50 mg/gato, bis in die (BID), o que pode trazer problemas de dosificação uma vez que as formulações comerciais têm no mínimo 500 mg. É importante notar que uma percentagem significativa da metformina tem excreção renal, pelo que deve ser utilizada com cuidado em pacientes com uma taxa de filtração glomerular diminuída. Os efeitos secundários mais comuns incluem vómito, letargia e anorexia (137).

As tiazolidinedionas são um grupo de agentes sensibilizadores da ação da insulina que atuam através da ligação a um fator de transcrição específico (recetor ativado pelo proliferador do peroxissoma). A vantagem em relação aos estimuladores da secreção de insulina reside no facto de não estimular a libertação de amilina, ajudando, assim, a prevenir ou, pelo menos, a atrasar a perda e disfunção das células β do pâncreas (103,137)

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O crómio é um oligoelemento e cofator da função da insulina que aumenta o número de recetores periféricos para a insulina e melhora a ligação da insulina aos mesmos. Trata-se de um suplemento nutricional considerado adjuvante na terapia diabética. Um estudo feito com gatos saudáveis demonstrou que existe uma melhoria na tolerância à glucose quando a dieta era suplementada com mais de 300 ppb de tripicolinato de crómio (141). São necessários mais

estudos antes que uma recomendação definitiva possa ser feita no sentido de utilizar crómio na dieta de gatos diabéticos (137).

2.8.1.3. Redutores da absorção gastrointestinal de glucose

Os inibidores da α-glucosidase, como a ascarbose ou o miglitol, têm uma ação hipoglicemiante através da inibição competitiva das enzimas da bordadura em escova da mucosa intestinal, prevenindo a quebra dos açúcares complexos em açúcares simples e, portanto, reduzindo os níveis de glucose sanguíneos após uma refeição. A ascarbose também previne a hidrólise dos amidos complexos através da inibição da amilase pancreática. Estes agentes são vantajosos em pacientes recebendo dietas ricas em hidratos de carbono alimentados apenas uma ou duas vezes por dia. Os efeitos secundários mais comuns são a diarreia e a perda de peso, impossibilitando, muitas vezes, a sua utilização em pacientes com uma DM mal controlada (137).

No documento Clínica de animais de companhia (páginas 70-73)