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Avaliação dos efeitos do enviesamento do inventário dos movimentos de vertente

CAPÍTULO 4: RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.5. Modelação da suscetibilidade

4.5.2. Avaliação dos efeitos do enviesamento do inventário dos movimentos de vertente

Como já foi referido, o Grupo 2 do inventário de movimentos de vertente foi construído inicialmente através da representação com pontos a marcar o centroide das zonas de rutura dos deslizamentos desencadeados por sismos em 2005. Estes fenómenos de instabilidade ocorreram 11 anos antes do trabalho de campo efetuado como suporte a esta dissertação e os vestígios da sua presença, no terreno ou nas fotografias aéreas, são muito ténues na maioria dos casos. Deste modo, a incerteza inerente à representação deste inventário numa geometria poligonal é elevada. Neste contexto, realizou-se um exercício de modelação com Valor Informativo e com pontos, para avaliar o efeito do eventual enviesamento do inventário dos deslizamentos desencadeados por sismos na sua representação com polígonos. Neste caso, foi considerado o Grupo 2 na sua geometria original (pontual) e os deslizamentos do Grupo 1 foram representados através do centroide da área de rutura, numa geometria igualmente pontual. Assim, foram construídos dois novos modelos de suscetibilidade, (Modelos E e F) onde a variável dependente é, respetivamente, o Grupo 1 e Grupo 2, ambos representados com centroides. A validação foi efetuada com construção de curvas de sucesso e de predição, considerando: (i) as áreas dos deslizamentos; e (ii) os centroides dos deslizamentos.

No final desta secção também se procedeu a uma análise da concordância espacial, através de estatística Kappa, entre os mapas de suscetibilidade correspondentes aos seguintes modelos: A vs E e B vs F.

a) Valores informativos dos fatores de predisposição

Os scores de Valor Informativo determinados para cada classe de cada fator de predisposição, obtidos de modo independente para cada um dos grupos de movimentos de vertente (Grupo 1 e Grupo 2) representados por centroides, estão sumarizados no quadro 4.16.

Quadro 4.16 - Scores de VI de cada classe de cada fator de predisposição para a totalidade da bacia hidrográfica da Ribeira Grande (inventários com centroides). Os valores com maior relevância estão assinalados a negrito.

Variáveis Sigla Classes

Valor Informativo Movimentos de vertente Grupo 1 Grupo 2 Altitude (m) ALT 1 [0 , 100] -2,08 -1,48 ALT 2 ]100 , 200] -1,67 -1,48 ALT 3 ]200 , 300] -2,07 -1,48 ALT 4 ]300 , 400] -0,79 -1,48 ALT 5 ]400 , 500] -0,34 -0,94 ALT 6 ]500 , 600] 0,25 0,27 ALT 7 ]600 , 700] 0,69 1,25 ALT 8 ]700 , 800] 0,88 0,72 ALT 9 ]800 , 885,75] -0,40 -1,47 Declive (º) DEC 1 [0 , 5] -2,95 -2,98 DEC 2 ]5 , 10] -3,91 -2,98 DEC 3 ]10 , 15] -3,87 -2,98 DEC 4 ]15 , 20] -2,80 -2,97 DEC 5 ]20 , 25] -0,95 -2,98 DEC 6 ]25 , 30] -0,60 -2,21 DEC 7 ]30 , 35] 0,28 -1,57 DEC 8 ]35 , 40] 0,79 -1,66 DEC 9 ]40 , 45] 1,33 0,60 DEC 10 ]45 , 78] 1,79 2,42 Exposição das vertentes

EXP 1 Áreas Planas (-1) -2,22 -0,84

EXP 2 Norte ]337,5 ; 22,5] 0,17 -0,26 EXP 3 Nordeste ]22,5 ; 67,5] -0,14 0,05 EXP 4 Este ]67,5 ; 112,5] 0,63 0,69 EXP 5 Sudeste ]112,5 ; 157,5] 1,16 1,16 EXP 6 Sul ]157,5 ; 202,5] 0,52 1,11 EXP 7 Sudoeste ]202,5 ; 247,5] -0,50 -0,46 EXP 8 Oeste ]247,5 ; 292,5] -0,22 -0,27 EXP 9 Noroeste [292,5 ; 337,5] -0,45 -0,83 Perfil Transversal das vertentes PTR 1 Côncavo ( ≤ -0,01) 0,05 0,29 PTR 2 Retilíneo ] -0,01 ; 0,01] -2,22 -2,80 PTR 3 Convexo (> 0,01) 0,30 0,11 Índice de Posição Topográfica TPI 1 [-60,17 ; -31,02] -0,48 -0,07 TPI 2 ]-31,03 ; -18,68] 0,27 0,64 TPI 3 ]-18,68 ; -6,34] 0,48 0,57 TPI 4 ]-6,34 ; 6,01] -0,41 -0,40 TPI 5 ]-6,01 ; 18,35] 0,02 -0,02 TPI 6 ]18,35 ; 30,69] 0,66 0,04 TPI 7 ]30,69 ; 61,95] 1,00 0,21 Insolação Potencial (𝑾/ 𝒎𝟐𝒂𝒏𝒐−𝟏) INS 1 [92.644, 14 ; 638.804,03] 1,92 2,43 INS 2 ]638.804,03 ; 845.306,79] 1,12 0,98 INS 3 ]845.306,79 ; 1.051.809,55] 0,35 0,43 INS 4 ]1.051.809,55 ; 1.258.312,3] -0,53 -0,90 INS 5 ]1.258.312,31 ; 1.464.815,06] -0,69 -0,99 INS 6 ]1.464.815,07 ; 1.538.059,63] -1,30 -1,48 Inverso do wetness index IWI 1 [0] -2,23 -2,92 IWI 2 ]0 ; 0,00001] -3,63 -2,93 IWI 3 ]0,00001 ; 0,0001] -3,63 -2,93

IWI 4 ]0,0001 ; 0,001] -3,62 -2,70

IWI 5 ]0,001 ; 0,01] -0,83 -1,63

IWI 6 ]0,01 ; 0,1] 0,51 0,63

IWI 7 ]0,1 ; 1,19] 1,94 2,01

Geologia

GEO 1 Domos e escoadas traquíticas

(Idade= 30.000 – 100.000 anos) -2,12 -0,16 GEO 2 Depósitos de formação de caldeira

(Idade= 30.000 – 100.000 anos) -2,47 -0,16 GEO 3 Depósitos pomíticos de natureza traquítica

(Idade= >200.000 anos B.P.) -0,24 -0,15 GEO 4 Escoadas de lava pahohoe e aa

(Idade= 5.000 – 10.000 anos) 1,48 1,83 GEO 5 Depósitos de spatter

(Idade= 5.000 – 10.000 anos) -2,79 -0,16 GEO 6 Depósitos piroclásticos de natureza traquítica

(Idade= 10.000 – 30.000 anos) 1,55 1,36 GEO 7

Domos e escoadas traquíticas com uma escoada lávica de tristanito (Idade= 30.000 – 100.000 anos)

-0,44 -0,01

GEO 8 Domos e escoadas do Pico de Bodes 1º

(Idade= 30 000 – 100 000 anos) -1,78 -0,16 GEO 9 Escoadas de lava pahohoe e aa – Basaltos

híbridos (Idade= 30.000 – 10.000 anos) -2,79 -0,16 GEO

10

Escoadas de natureza traquítica

(Idade= 3.000 – 5.000 anos) -2,78 -0,16 GEO

11

Escoadas de lava pahohoe e aa – Basaltos

híbridos (Idade= 3.000 – 5.000 anos) -2,79 -0,16 GEO

12

Cones monogenéticos de escórias e spatter

(Idade= 5.000 – 10.000 anos) -2,79 -0,16 GEO

13

Escoadas de lava pahohoe e aa

(Idade= 5.000 – 10.000 anos) -2,79 -0,16

Uso e ocupação do Solo

USO 1 Urbano -2,48 -1,32

USO 2 Agrícola -2,48 -1,32

USO 3 Vegetação Natural 0,82 0,94

USO 4 Pastagem -2,47 -1,32

USO 5 Florestal -0,61 -1,31

USO 6 Áreas Descobertas -0,77 -1,32

USO 7 Industrial -2,48 -1,32

Os scores de VI obtidos com o inventário dos movimentos de vertente em geometria pontual (Quadro 4.16) apresentam algumas diferenças por comparação com os obtidos com o inventário dos movimentos de vertente em geometria poligonal (ver Quadro 4.13).

Nos movimentos de vertente do Grupo 1, as vertentes mais suscetíveis à instabilização apresentam altitude entre 700 e 800 m, enquanto que nos modelos que consideram o inventário em geometria poligonal as áreas mais instáveis registam uma altitude entre 400 m e 500 m. Em ambos os modelos as áreas mais propensas à ocorrência de instabilidade estão associadas a um declive acima de 40º, apresentam exposição a sudeste e a sul e têm perfil transversal convexo. Os resultados do TPI indicam que a parte superior das vertentes é a mais propensa à instabilidade, enquanto a parte inferior das vertentes perde importância por comparação com os scores obtidos com polígonos. Os valores do inverso do wetness índex e da insolação potencial mantêm a mesma

tendência na distribuição das classes mais suscetíveis à instabilidade. Relativamente à geologia, as vertentes mais suscetíveis são compostas por depósitos piroclásticos de natureza traquítica e nas escoadas de lava pahohoe e aa. Por comparação com o modelo produzido com polígonos, perde importância a classe geológica dos domos e escoadas traquíticas. Por último, a presença de áreas com vegetação natural revela-se como a condição mais favorável para a ocorrência de instabilidade, em oposição ao modelo gerado com polígonos, que destacava as áreas descobertas. Os scores do VI obtidos com o Grupo 2 de movimentos de vertente com geometria pontual apresentam uma semelhança muito grande com os obtidos como o inventário em geometria poligonal na esmagadora maioria dos temas (altitude, exposição das vertentes, perfil transversal das vertentes, índice de posição topográfica, insolação potencial, inverso do wetness index, geologia e uso e ocupação do solo). A exceção verifica-se apenas no declive, uma vez que somente se destacam as vertentes com declive acima dos 45º como as mais propensas a instabilidade. Todas as classes abaixo dos 40° apresentam scores de VI negativos, em contraste com o verificado no modelo com inventário poligonal, onde os valores de VI negativos ocorrem apenas nas classes abaixo de 30°.

b) Mapas de suscetibilidade e validação dos modelos

Ao confrontar os modelos de suscetibilidade E (Figura 4.9) e F (Figura 4.10) com os seus equivalentes, Modelo A (Figura 4.3) e B (Figura 4.4), respetivamente, é possível verificar que estes são virtualmente idênticos. A distribuição espacial da suscetibilidade mostra, em ambos os casos, um contraste muito acentuado entre o setor montante da bacia (mais suscetível aos movimentos de vertente) e os setores central e jusante da bacia, marcados por uma suscetibilidade bastante mais baixa.

Figura 4.9 - Modelo E: Suscetibilidade à ocorrência de movimentos de vertente desencadeados por episódios de precipitação (Grupo 1 – gemetria pontual), segundo o método do VI, na bacia hidrográfica da Ribeira Grande.

Figura 4.10 - Modelo F: Suscetibilidade à ocorrência de movimentos de vertente desencadeados pela crise sísmica de 20 e 21 de setembro de 2005 (Grupo 2 – geometria pontual), segundo o método do VI, na bacia hidrográfica da

As curvas de sucesso e de predição dos modelos de suscetibilidade E e F estão representadas nas Figuras 4.11 e 4.12, respetivamente. No processo de validação foram considerados os inventários com deslizamentos representados com polígonos e com centroides.

O modelo E, construído com os centroides do Grupo 1, apresenta taxas de sucesso moderadamente elevadas (AAC = 0,841 e 0,896 para os inventários com polígonos e centroides, respetivamente) e taxas de predição muito elevadas, independentemente do Grupo 2 ser validado com polígonos (AAC = 0.943) ou com centroides (AAC = 0,954). Estes resultados são coerentes com os obtidos com o Modelo A, pelo que é lícito concluir que, no caso dos deslizamentos desencadeados pela precipitação, quer a variável dependente corresponda à área das zonas de rutura ou apenas a um centróide não resulta em diferenças significativas na capacidade preditiva dos modelos.

O modelo F, construído com os centroides do grupo 2, apresenta taxas de sucesso muito elevadas (AAC = 0,950 e 0,965, respetivamente para os inventários com polígonos e centroides) e taxas de predição consideravelmente mais modestas, quando o Grupo 1 é validado com polígonos (AAC = 0.820) ou com centroides (AAC = 0,881). Estes resultados estão em sintonia absoluta com os obtidos com o modelo B, construído com o Grupo 2 representado por polígonos. Assim, pode concluir-se que, também no caso dos deslizamentos desencadeados por sismos, não resultam diferenças na capacidade preditiva dos modelos de suscetibilidade pelo facto de se considerar a totalidade das áreas de rutura ou apenas os centroides dos deslizamentos no grupo de modelação.

Figura 4.11 - Curvas de sucesso e predição (validação com polígonos e centroides) do modelo de E.

4.5.2.1. Análise da concordância espacial entre mapas de suscetibilidade

No quadro 4.17 estão sintetizados os resultados da estatística Kappa obtidos através da comparação dos modelos de suscetibilidade elaborados com o método do VI para a totalidade da bacia hidrográfica da Ribeira Grande, com o inventário de movimentos de vertente com geometria poligonal e pontual (centroides).

Quadro 4.17 - Valores de Kappa obtidos através da comparação entre os modelos A vs E e B vs F.

Mapas de suscetibilidade

Classes dos mapas de suscetibilidade

Muito Baixa/

Nula

Muito

Baixa Baixa Moderada Elevada

Muito Elevada Total Modelos A vs E Kappa index 0,837 0,623 0,451 0,386 0,287 0,641 0,551 Kappa location 0,837 0,623 0,451 0,387 0,288 0,642 0,551 Kappa histogram 1,000 1,000 0,999 0,999 0,999 0,990 0,999 Modelos B vs F Kappa index 0,854 0,646 0,576 0,630 0,601 0,854 0,688 Kappa location 0,855 0,647 0,576 0,631 0,601 0,854 0,688 Kappa histogram 0,999 0,998 0,999 0,999 1,000 1,000 0,999

Os mapas de suscetibilidade elaborados com o inventário do Grupo 1, com geometria poligonal e pontual (Modelos A e E), registam um valor de coeficiente de Kappa de 0,551, ou seja, apresentam uma concordância moderada. Nestes modelos o valor de Kappa aumenta substancialmente nas classes extremas (Muito Elevada = 0,641; Muito Baixa/Nula = 0,837), que apresentam concordância espacial substancial e excelente, respetivamente.

Os mapas de suscetibilidade elaborados para a totalidade da área com inventário do Grupo 2, com geometria poligonal e pontual (Modelos B e F), apresentam um índice Kappa de 0,688, indicador de uma concordância espacial substancial. O índice Kappa é particularmente elevado nas classes extremas (Muito elevada e Muito Baixa/Nula), atingindo o valor de 0,854 que é indicador de uma concordância espacial excelente.

4.5.2.2. Discussão

O receio de que a incerteza inerente à delimitação dos deslizamentos do Grupo 2, desencadeados durante a crise sísmica de 2005 e originalmente representados através de pontos, pudesse enviesar os resultados da avaliação da suscetibilidade justificou a realização dos modelos de suscetibilidade E e F, que utilizam os inventários de instabilidade com geometria pontual, a representar os centroides das zonas de rutura dos movimentos de vertente. Na eventualidade de existir um enviesamento sério produzido pelos polígonos do Grupo 2, seriam de esperar na confrontação dos modelos correspondentes (B vs F): (i) alterações no comportamento preditivo

dos modelos, expressos através das respetivas taxas de sucesso e de predição; e (ii) alterações na distribuição espacial das classes de suscetibilidade.

No entanto, os resultados obtidos parecem contrariar, de modo inequívoco, os efeitos de um eventual enviesamento do Grupo 2 do inventário. Os valores dos scores de VI permanecem significativamente estáveis, as taxas de sucesso e de predição dos modelos B e F são praticamente iguais e a estatística Kappa indica que as classes de suscetibilidade dos mapas correspondentes a esses modelos revelam uma concordância espacial substancial. Adicionalmente, verificou-se que as diferenças registadas entre os modelos realizados com polígonos e com pontos são mais acentuadas no caso do Grupo 1 (Modelos A e E), nomeadamente no que respeita aos scores de VI observados nas classes dos temas independentes e à concordância espacial das classes de suscetibilidade, o que reforça a convicção de que não existem enviesamentos significativos nos modelos de suscetibilidade produzidos com o Grupo 2.

Registe-se no final que, também nos modelos baseados em centroides, o modelo produzido com o inventário de movimentos de vertente desencadeados pela precipitação é muito mais eficaz na predição da localização espacial dos movimentos de vertente desencadeados por sismos, do que o contrário.

4.5.3. Avaliação dos efeitos da delimitação da área de estudo nos resultados da avaliação