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Avaliação em Matemática: análise de três documentos educacionais de referência

Na vigência do século XX em que o mundo passou a experimentar mais intensamente o fenômeno da globalização, as ideias neoliberais das sociedades capitalistas foram propagadas com rapidez e eficiência e os países em desenvolvimento passaram a implementar mudanças em seu sistema educacional, como é o caso do Brasil, que em 1996 aprovou a Nova LDB de nº 9394; publicou em 1998 a versão definitiva dos Parâmetros Curriculares Nacionais, assim como outros importantes documentos curriculares. Diante dessa “nova ordem mundial” vivenciada no Brasil, os documentos curriculares apontam para o ensino, a aprendizagem e a avaliação em Matemática da Educação Básica, o que vem gerando debates, pesquisas e estudos intensos. Segundo Cruz (2008):

[...] este fenômeno não nasceu isoladamente, e em muitos países, entre eles o Brasil, o argumento da melhoria educacional favoreceu a implantação dessa cultura avaliativa, embora esta tenha uma formulação ainda incipiente, mas que se expressa, em gradação crescente, seja na avaliação da aprendizagem dos alunos e professores, seja na avaliação de escolas e universidades (p. 04).

Visando embasamento para as discussões acercas das representações sociais de

avaliação em Matemática, fez-se necessário a realização de uma análise deste tópico em três

importantes documentos curriculares de referência para os professores de Matemática da Rede Estadual de Ensino de Pernambuco. São eles: os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática para o Ensino Fundamental- Anos Finais (MEC/SEF, 1998); a Base Curricular

Comum para Redes Públicas de Ensino de Pernambuco- Matemática (SEC/PE, 2008) e os Parâmetros Curriculares de Matemática para o Ensino Fundamental e Médio (SEC/PE, 2012).

Tais documentos são revisitados nos processos de formação continuada dos docentes e considerados verdadeiros guias para os trabalhos desenvolvidos no seio da escola. Sendo este último acompanhado pelos Parâmetros na Sala de Aula (2013), documento complementar que tem por objetivo subsidiar os professores em sua prática, trazendo: “orientações didático- metodológicas, sugestões de atividades e projetos, e propostas de como trabalhar determinados conteúdos em sala de aula”( p. 13).

1.5.1 PCNS de Matemática e os registros documentais do baixo desempenho dos alunos em Matemática

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática para o Ensino Fundamental estão organizados em três partes. A primeira traz um sucinto panorama dos movimentos de reconstrução dos currículos de Matemática no Brasil e as questões que vêm contribuindo para caracterizar este componente do currículo da Educação Fundamental como impedimento aos alunos de ingresso no Ensino Médio. Na segunda, são tratados os aspectos sociais, cognitivos e afetivos que dizem respeito ao processo de ensino e de aprendizagem de Matemática para alunos dos anos finais do Ensino Fundamental (terceiro e quarto ciclos), bem como os objetivos de aprendizagem desta etapa; os blocos de conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais; a proposta de avaliação em Matemática e os critérios de avaliação, colocados como indicadores das expectativas de aprendizagem a serem alcançadas pelos alunos.

A título de análise inicial, podemos ver, logo no quarto parágrafo de sua apresentação, que os PCN de Matemática, na condição de marco documental, fornecem códigos, valores e ideias que se estruturam, legitimam e reforçam representações sobre o ensino da Matemática e de suas práticas avaliativas na educação básica, ao longo dos anos. Vejamos:

[...] a necessidade de reverter o quadro em que a Matemática se configura como um forte filtro social na seleção dos alunos que vão concluir, ou não, o ensino fundamental e a necessidade de proporcionar um ensino de Matemática de melhor qualidade, contribuição para a formação do cidadão (1998, p.15).

Matemática, no todo do documento, é vista como de inegável importância para a formação cidadã. Como componente do currículo do Ensino Fundamental traz o peso de ser

considerada instrumento para leitura e compreensão do mundo e para o desenvolvimento da capacidade de solução de problemas científicos e tecnológicos, ao mesmo tempo em que é considerada como instrumento de seletividade e exclusão.

Em relação às práticas avaliativas em Matemática, há uma ideia recorrente de afirmando “que atribui exclusivamente o desempenho do aluno (em Matemática) às causas das dificuldades nas avaliações” (MEC/SEF, 1998, p. 54)

No sub-capítulo, que trata do quadro atual do ensino da Matemática no Brasil, muitos problemas são elencados. Todos servem de reforço à visão negativa da Matemática como uma ciência formal, fechada e rigorosa, justificando a sua relação com o desempenho insatisfatório dos alunos.

Em relação à formação docente para o trabalho no Ensino Fundamental, os PCN de Matemática destacam: a falta de política educacional efetiva que venha a resolver a ausência de formação profissional qualificada (inicial e continuada) e condições limitadoras de trabalho (p.21).

Os problemas de ordem didático-pedagógica elencados no documento são muitos e configuram um quadro bastante crítico da situação do ensino de Matemática e asseveram o que é dito sobre a defasagem na formação de professores do Ensino Fundamental, tais como falhas na interpretação de concepções pedagógicas; da ideia de contexto, restringindo-os apenas à realidade de vida dos alunos; no entendimento do que seja resolução de problemas, colocando-a apenas como mera atividade de aplicação do estudo de dado conteúdo.

Foram apontadas questões relativas ao conhecimento insuficiente de conceitos, ideias, e métodos que dêem conta da perspectiva da Resolução de Problema, que possibilita aos alunos a mobilização de conhecimentos e desenvolvimento de competências para o gerenciamento e interpretação de informações (p. 22), além de falta de ideias inovadoras no campo da Matemática e uso de recursos didáticos específicos.

Em 1995, os dados fornecidos pela Fundação Carlos Chagas sobre a realidade do ensino de Matemática no Brasil, por ocasião da elaboração dos PCN de Matemática, apresentam:formalização precoce de conceitos; supervalorização da Álgebra nos anos finais; poucas aplicações práticas da Matemática estudada e o trabalho tradicional com a teoria dos conjuntos nos anos iniciais. Significa dizer que a escola vem promovendo um ensino de Matemática fora do alcance dos alunos subestimados em suas experiências, história e cultura, que passam pela escola vitimizados por reprovações e desistências.

Nos PCN em referência, há uma análise crítica do currículo de Matemática para os anos finais do Ensino Fundamental praticados nas escolas, na vigência de sua edição, em que

se evidencia: pouco foco nos conteúdos voltados para a aprendizagem de ideias fundamentais para a vida e para o desenvolvimento do raciocínio e do pensamento; conteúdos excessivamente hierarquizados, linearizados, apresentados isoladamente, de uma só vez e em um só nível de aprofundamento, além de ensino apoiado apenas no livro didático, cujas propostas ganham status de currículo.

Um dos indícios para o entendimento do fracasso do aluno em Matemática aparece, quando nos PCN é posta em análise a relação aluno, saber e professor:

Também a importância de levar em conta o conhecimento prévio dos alunos na construção de significados geralmente é desconsiderada. Na maioria das vezes, subestimam-se os conceitos desenvolvidos no decorrer das vivências práticas dos alunos, de suas interações sociais imediatas, e parte-se para um tratamento escolar, de forma esquemática, privando os alunos da riqueza de conteúdos provenientes da experiência pessoal. (MEC/SEF, 1998, p. 23).

Vê-se aí a retratação de uma forma de violência simbólica, em que os alunos são negligenciados em seu “capital cultural” pelos professores, que impõem conteúdos matemáticos sem sentido e sem importância na formação cidadã, desconsiderando as aprendizagens prévias como base de sustentação das aprendizagens escolares da matemática.

Fica perceptível que os PCN em análise apresentam toda uma construção discursiva que pode contribuir para a formação de ideias acerca do ensino da Matemática e do próprio componente curricular, ao ser retratada a história das altas taxas de reprovação em Matemática.

Os obstáculos apontados explicam em grande parte o desempenho insatisfatório dos alunos revelado pelas elevadas taxas de retenção em Matemática, o que a faz atuar como filtro social no Ensino Fundamental, selecionando os que terão oportunidade ou não de concluir esse segmento de ensino. (MEC/SEF, 1998, p. 23).

Embora seja possível enxergar avanços significativos quanto às concepções de aluno, de professor, de ensino e de aprendizagem, ainda é possível notar, nos PCN de Matemática para os Anos Finais do Ensino Fundamental, toda uma construção discursiva que dá corpo ao senso comum sobre a Matemática, colocando-a como “via de acesso privilegiado ao pensamento tecnológico e científico”, assim como ao mundo do trabalho. Este pensamento vem a corroborar com a crença em um mercado educacional e para a reprodução da ideia de educação redentora de uma sociedade saturada por crises intensas em diversos setores, fruto da desigualdade de condições de vida e de oportunidade de seus membros. A este respeito,

A sobrevivência depende cada vez mais de conhecimento, pois diante da complexidade da organização social, a falta de recursos para obter e interpretar informações impede a participação efetiva e a tomada de decisões em relação aos problemas sociais. Impede, ainda, o acesso ao conhecimento mais elaborado e dificulta o acesso às posições de trabalho de uma sociedade (...). No entanto, mesmo que o cidadão esteja qualificado para o mundo do trabalho, é verdade que ele terá de enfrentar uma acirrada disputa no campo profissional, pois o avanço tecnológico também gera diminuição de postos de trabalho, exigindo níveis de formação cada vez mais elevados (MEC/SEF, 1998, p.26- 27).

Mesmo apresentando o pensamento influenciado pelas tendências neoliberais na educação, que reforçam de forma discreta a ideia sobre seu papel de reestruturadora da sociedade, esses parâmetros contribuem sobremaneira a se repensar o papel da Matemática para a formação do cidadão, no que diz respeito aos saberes básicos, tais como: domínio das habilidades de cálculo e medição; raciocínio; argumentação, compreensão, uso de estratégias e tomada de decisão; leitura dedos estatísticos e outros, pensando

Um currículo de matemática deve procurar contribuir, de um lado, para a valorização da pluralidade sociocultural, evitando o processo de submissão no confronto com outras culturas; de outro, criar condições para que o aluno transcenda um modo de vida restrito a um determinado espaço social e se torne ativo na transformação de seu ambiente. (MEC/SEF, 1998, p. 23)

Igualmente, os PCN de Matemática trazem também uma visão inovadora acerca da Matemática como ciência, do saber matemático, sobre os processos de ensino da matemática escolar, o papel do professor e do aluno:

1. A ciência Matemática: atualizada e dinâmica, presente no cotidiano dos cidadãos e