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Avaliação Externa de Escolas e Autoavaliação: processos e relações

Desde a primeira Lei de Bases do Sistema Educativo Português, aprovada em 1986 e a que já atrás nos referimos (Lei 46/ 86 de 14 de Outubro com as alterações introduzidas pelas leis nº 115-A/97 de 19 de Setembro e 49/2005 de 30 de Agosto) é referida a garantia ao direito a uma justa e efetiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares. De acordo com o disposto nesta lei, compete às escolas, no desenvolvimento da sua autonomia e no âmbito do respetivo projeto educativo, conceber, propor e gerir outras medidas específicas de diversificação de oferta curricular, devidamente enquadradas por diplomas próprios. Por sua vez, a Lei n.º 31/2002, de 20 de Dezembro, que aprova o sistema de avaliação da educação e do ensino não superior, define que o controlo de qualidade nas escolas se deve aplicar a todo o sistema educativo com vista à: (1) promoção da melhoria, da eficiência e da eficácia, (2) responsabilização e prestação de contas, (3) participação e exigência de uma (4) informação qualificada de apoio à tomada de decisão. Nos termos da lei em questão, a avaliação estrutura-se com base na autoavaliação, a realizar em cada escola não agrupada ou agrupamento de escolas, e também na avaliação externa. Esta avaliação externa das escolas (AEE) dos ensinos básico e secundário foi atribuída como sendo da responsabilidade da Inspeção Geral da Educação (IGE), que em 2011 passou a ser designada por Inspeção Geral da Educação e da Ciência (IGEC)20. Sendo a AEE justificada com o objetivo de promover a melhoria da qualidade do serviço educativo e do funcionamento das escolas, as equipas que a realizam são constituídas por 2 inspetores da IGEC e um elemento externo, normalmente um/a académico/a.

O 1º ciclo de avaliação deste processo decorreu de 2006 a 2011, seguindo-se um 2º ciclo, concluído em 2016. Em cada um destes ciclos de avaliação as equipas apoiaram-se num referencial21 que estrutura o processo de recolha de dados e apoia os relatórios de avaliação e classificação elaborados e que são devolvidos às escolas e posteriormente colocados na plataforma da IGEC para conhecimento público. O referencial usado nesta

20 Decreto-Lei n.º 125/2011, de 29 de dezembro (Lei Orgânica do MEC): https://dre.pt/pdf1sdip/2011/12/24900/0549805508.pdf.

21 Quadro de referência para a avaliação externa das escolas: http://www.ige.min- edu.pt/upload/AEE2_2011/AEE_11_12_(1)_Quadro_referencia.pdf.

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AEE teve por base “How good is our school”22 (Clark, 2000), e os parâmetros definidos na Lei nº 31/2002, focam aspetos relacionados com os resultados dos alunos, a prestação do serviço educativo, questões da organização, gestão e liderança escolares e as dinâmicas de autoavaliação. No 1º ciclo de AEE este referencial estruturou-se em torno de 5 domínios que, no 2º ciclo, sofreu pequenos reajustes, passando a focar: (1) resultados, (2) prestação do serviço educativo e (3) liderança e gestão.

Nestes três domínios, e analisando o referencial em questão, é possível identificar alguns pontos que vão de encontro a questões relacionadas com as especificidades dos alunos, com a sua participação no quotidiano escolar, bem como das suas famílias e da restante comunidade educativa. Princípios de justiça curricular (Santomé, 2013) exercício da cidadania e de inclusão parecem estar presentes neste referencial. Na concretização desta avaliação são tidos em conta procedimentos, estratégias e climas que favoreçam a participação na vida da escola e a assunção coletiva de responsabilidades. Exemplo disso são, entre outros aspetos, as referências a: cumprimento das regras e disciplina; formas de solidariedade adotadas pelas escolas e realizadas pelos alunos; análise do impacto da escolaridade no percurso dos alunos; adequação do ensino às capacidades e aos ritmos de aprendizagem dos/as estudantes e dos apoios aos que têm necessidades educativas especiais; valorização da dimensão artística; rentabilidade dos recursos educativos e do tempo dedicado às aprendizagens; medidas e estratégias adotadas para a prevenção da desistência e do abandono; fomento do sentido de pertença e de identificação com a escola.

O dispositivo legal que sustenta a ação e as funções da IGEC e justifica a avaliação de escolas (Lei nº 31/2002; Despacho Conjunto n.º 370/2006; Decreto-Lei n.º 276/2007; Decreto Regulamentar n.º 81-B/2007 de 31 de Julho; CNE Parecer nº 1/2011; Decreto Regulamentar nº 15/2012; Despacho nº 10434/2013; CNE Parecer nº 2/2013; CNE Parecer nº 4/2013) é apresentado como tendo subjacente o objetivo último de melhorar a qualidade educacional e os processos de ensino aprendizagem, bem como, do sistema educativo no seu todo. No âmbito desta AEE, a autoavaliação é encarada como

22 A iniciativa escocesa “Qualidade nas Escolas” foi formalmente lançada em junho de 1997 como uma parceria entre as escolas, as autoridades educativas e a Scottish Office. Tem como intenção elevar os padrões e oferecer excelência através da melhoria da qualidade da oferta educativa em escolas escocesas (http://www.oei.es/calidad2/paper.PDF).

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fundamental para que as escolas percebam e tomem consciência das ações que assumem e das decisões que adotam (Rocha, 2012; Sampaio & Leite, 2014; Sampaio et al., 2016). Posição semelhante foi também expressa pelo Conselho Nacional de Educação (CNE, Parecer nº 3/2010) que enfatizou a importância do desenvolvimento de processos de autoavaliação, impulsionados pela AEE, para se obter informação acerca dos modos como decorre o ensino e a aprendizagem. Refira-se, no entanto, que, apesar de existir desde 2002 legislação (Lei nº 31/2002) que aponta a necessidade de as escolas desenvolverem processos de autoavaliação, a pressão para a sua concretização tem acompanhado, de certo modo, o ciclo da AEE e tem conduzido à procura de conhecimento sobre modelos de autoavaliação de escolas (Simões, 2007).

Na sequência dos argumentos que temos expresso neste trabalho, o processo de avaliação, no que diz respeito às escolas públicas, insere-se no quadro de uma medida política que não pode ser ignorada e que arrasta diferentes conceções de educação e de avaliação. Esta mesma ideia foi veiculada por Figari (2007) quando sustentou que o sentido da avaliação

«deve ser investigado no contexto da evolução das ciências da educação e, de uma forma mais geral, das ciências humanas e sociais» para assim termos uma visão holística de todos os aspetos e tensões que este conceito representa. Ou seja, implica refletirmos acerca do estatuto epistemológico da avaliação, sem nunca deixarmos de ter em conta que esta é um «objeto de forte procura, simultaneamente institucional (…) e profissional» (ibidem: 228).

Talvez pelas razões que sistematizámos, a avaliação das escolas tem constituído objeto de interesse das políticas educativas em Portugal e em vários países da Europa (Faubert, 2009), tendo vindo a afirmar-se como um processo central nas dinâmicas sociais e como um aliado das instituições escolares ao serviço da melhoria dos processos profissionais e institucionais e da obtenção de credibilidade social. A avaliação tem sido, assim, justificada como um elemento essencial para assegurar um serviço de qualidade, adequado às necessidades e exigências daqueles que dele beneficiam (Clímaco, 2005). O facto de a educação possuir um papel essencial no desempenho de diversas instituições face aos inúmeros desafios socioecónomicos, demográficos, ambientais e tecnológicos que se colocam à Europa e aos seus cidadãos e cidadãs (Conselho da União

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Europeia, 201023) tornou essencial assegurar um serviço educativo de qualidade, que corresponda aos objetivos e funções que o orientam e que, ao mesmo tempo, recorra a práticas adequadas.

Neste sentido, e tendo em conta as diretrizes que têm vindo a ser emanadas ao nível de políticas avaliativas, tem vindo a crescer a responsabilização de cada instituição para melhorar o seu desempenho (Paschoalino & Fidalgo, 2011) e promover o sucesso escolar (Lei nº31/2002, artigo 6, alínea d). Ou seja, a avaliação das escolas tem sido oficialmente apresentada com o objetivo de contribuir para o aperfeiçoamento ou melhoria educacional (Clímaco, 2005). Recorrendo a Afonso (2009), a par do objetivo de melhoria global das escolas e das aprendizagens dos alunos, no que à avaliação diz respeito, as mudanças podem estar diretamente relacionadas com medidas de accountability externas. Como alerta Michael Young (2010), a atuação do Governo, ao centrar-se privilegiadamente nos resultados escolares e em padrões de qualidade, pode assumir-se apenas como uma forma de «instrumentalismo excessivo em que a educação se dirige cada vez mais para finalidades políticas e económicas e é cada vez mais justificada com base nelas» (Young, 2010: 195). Este instrumentalismo pode minimizar o espaço e a autonomia das escolas e dos/as professores/as, nomeadamente nas situações em que diferentes tipos de corpos externos estabelecem critérios a que as instituições têm de se submeter como, por exemplo, o já referido processo de AEE. Porém, e tendo a avaliação das escolas como objetivo produzir melhoria, é nesta base que lhe tem sido reconhecida a intenção última de construir processos que contêm uma dimensão formativa (Leite, Rodrigues & Fernandes, 2006). Para este mesmo sentido aponta a própria IGEC quando assume que o acompanhamento, o apoio e a exigência relativamente às escolas com classificações consideradas insuficientes são fundamentais para que a avaliação constitua uma oportunidade de melhoria e não um risco de penalização (IGEC, 2009).

Nesta orientação, a AEE segue as diretrizes emanadas a nível internacional, nomeadamente quando, nas recomendações políticas, tem sido sugerido o

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desenvolvimento de um procedimento que consiga uma correta articulação entre as diferentes componentes de avaliação24, ou seja, da avaliação dos professores, das escolas e do desenvolvimento institucional e da relação entre a autoavaliação escolar e avaliação externa das escolas (OCDE, 2012). É no pressuposto de que o envolvimento das escolas, dos/as professores/as e de mais elementos da comunidade educativa em processos de autoavaliação (AA) que identifiquem características dos contextos e dos/as alunos/as que dele fazem parte constitui num ponto de partida fundamental para promover a justiça social no interior das instituições escolares. É sobre esta problemática que esta investigação se debruça.

6. Percurso(s) metodológico(s): dos objetivos do estudo aos procedimentos de