Avaliação de linha de raciocínio (ALR)

Apresentaremos a análise de dois casos nos quais os estudantes dos grupos A e B avaliaram linhas de raciocínio propostas durante o processo de resolução de tarefas. No primeiro caso tomado para exemplo, apresentado no QUADRO 32, os estudantes empregaram ALR, como também RBE no trabalho em tarefas propostas nos tutorial 02. Contudo, a análise será centrada na ALR.

QUADRO 32: Exemplo de reelaboração de ALR pelo grupo B para elaboração de DCL que envolvia forças aplicadas por fluidos

Aula 13/2014 – grupo B: estudantes trabalharam na resolução da tarefa apresentada no

tutorial 02, parte I, item A (ANEXO A), na qual deveriam elaborar DCL de três porções iguais de um líquido em repouso em um recipiente. Os estudantes discutiam sobre quais forças atuavam em cada uma das porções e sobre as características dessas forças.

Nº ESTUDANTE TURNOS DE FALA COMENTÁRIOS

1 Lise Isso podia ser menor, não? Propôs correção no DCL da porção 2.

2 Ricardo Pois, é... Eis a questão.

3 César O que tinha que ser menor, Ricardo?

4 Ricardo Essa aqui. Na verdade, a força desse aqui

teria que ser maior que o empuxo.

Disse que a força de compressão vertical para baixo, da porção 1 sobre a porção 2, deveria ser maior que a força de compressão vertical para cima da porção 3 sobre a porção 2 (chamou essa força de empuxo).

5 Max Não, ué. Ele não está em movimento. ALR e RBE.

6 Lise É.

7 Ricardo Pois é...

8 Lise [Inaudível]

9 Ricardo Mas será que esse negócio de movimento

se aplica aos líquidos?

10 Max Acho que sim.

Nessa sequência de turnos de fala todos os estudantes do grupo estavam envolvidos. Inicialmente, Lise propôs adaptação no DCL que elaboraram para a porção 2 do líquido contido no recipiente mostrado na figura do tutorial (disponível no QUADRO 32). No 4º turno de fala, Ricardo apresentou a correção que considerou necessária ser feita nesse DCL. Em seguida, tendo como referência o estado de repouso da porção, Max fez sua avaliação da linha de raciocínio associada à proposta de correção do DCL elaborada por Ricardo. Nessa avaliação de Max, estava implícito que ele considerava que a modificação sugerida por Lise e Ricardo não deveria ser feita, pois a magnitude relativa das forças no DCL devia ser tal que a resultante das forças sobre a porção 2 fosse nula.

Consideramos que, nesse caso, houve reelaboração das experiências de pensamento científico com ALR, pois os estudantes tornaram a recorrer a 1ª Lei de Newton para avaliar as ideias por trás de uma proposta de resolução de uma tarefa. Nas experiências anteriores, os estudantes organizaram-se colaborativamente e se engajaram nas tarefas quando a estratégia de ALR foi mobilizada por um dos membros do grupo. No QUADRO 32 vemos isso acontecer mais uma vez agora que os estudantes lidavam com fluidos.

No QUADRO 33 apresentamos a análise do outro exemplo de reelaboração de ALR. Desta vez, pelos estudantes do grupo A. A sequência de turnos de fala do grupo A nessa situação de ALR foi bem mais extensa que aquela que apresentamos como primeiro

exemplo, no QUADRO 32. Essa diferença na característica das discussões entre os estudantes se repetiu em outras ocasiões e decorreu da maneira diferente de como os estudantes dos grupos A e B lidaram com as tarefas propostas, o que já discutimos nesse capítulo de análise na seção 5.2.3. O grupo A privilegiou as oportunidades de desenvolvimento propiciadas pelas tarefas do tutorial. O grupo B, em várias ocasiões, privilegiou a conclusão das tarefas ainda que para isso tivesse que abreviar ou interromper discussões importantes e potencialmente ricas para a promoção do desenvolvimento cognitivo dos membros do grupo.

QUADRO 33: Exemplo de reelaboração de ALR pelo grupo A para elaboração de DCL que envolvia força aplicada por fluidos

Aula 20/2014 – grupo A: estudantes trabalharam na resolução da tarefa apresentada no tutorial

03, parte I, item B (ANEXO A). Eles elaboraram o DCL de um bloco que foi abandonado no centro de um béquer. Esse bloco foi visto afundar na água. Os estudantes comparavam a soma das forças exercidas pela água sobre o bloco nesse DCL e naquele DCL referente à situação apresentada no item A (bloco que foi visto flutuar inicialmente).

Nº ESTUDANTE TURNOS DE FALA COMENTÁRIOS

1 Isaac Então a 3. A seta vai ser igual, né? O vetor de

soma.

Referiu-se ao item B3.

2 Ada Oi? Na 3 vai ser a mesma magnitude, a mesma

direção, porém sentido oposto.

3 Isaac Não. O vetor da soma...

4 Maria Não. Vai ter a mesma direção, porém sentido

oposto.

5 Rosalinda Não. Vai ser tipo a...

6 Maria Porque em vez de subir vai descer.

7 Isaac O vetor da soma das forças da água vai ser o

mesmo.

ALR

8 Rosalinda Vai ser a mesma seta de antes descendo, gente.

9 Ada Só que descendo. Vai!

10 Maria Sim!

11 Ada Sim!

12 Isaac A resultante. Mas aqui está falando da soma das

forças exercidas sobre o bloco pela água.

ALR

13 Ada E não vai ser aquilo não.

14 Maria Vai ser o mesmo de antes.

15 Isaac Quais são as forças exercidas sobre o bloco pela

água?

16 Ada As laterais vão se anular.

17 Isaac As laterais você não escreve.

18 Ada Aqui, a de cima e a de baixo. A resultante entre

19 Isaac Força para cima!

20 Ada Uma força para baixo!

21 Isaac Faz aí, ó.

22 Ada O bloco afunda...

23 Rosalinda Elas estão descendo. O bloco está afundando,

Isaac.

24 Ada O bloco afunda.

25

Isaac Presta atenção. Presta atenção. Nesse momento, o professor passou

rapidamente pelo grupo e perguntou em que item estavam.

26 Isaac Aqui, só nas forças exercidas pela água.

Desconsidera o peso. Entendeu? Entendeu?

ALR

27 Ada Eu acho assim...

28

Rosalinda Que é o que eu falei... Agora eu acho que

entendi o que ele está falando. As forças da água são as mesmas que vão atuar no bloco 1.

29 Isaac Entendeu? Dirigiu-se à Maria.

30 Maria Eu não estou entendendo mais nada

praticamente.

31 Isaac Você entendeu?

32 Maria Eu entendi que você falou que as forças da água

são as mesmas.

33 Isaac Lembra que você desenhou aquele vetor soma?

Ele vai ser o mesmo para os dois.

Referiu-se aos dois DCL desenhados no item A e no item B.

34 Maria Ah, é porque o peso não conta, velha! Falou para Ada.

35 Isaac É.

36 Maria É para cima! O peso não conta!

37 Isaac Ai quando você colocar o peso vai ficar um vetor

para baixo.

Nessa sequência de turnos, a reelaboração das experiências de pensamento científico com ALR se deu a partir da comparação da soma das forças que o líquido exercia sobre as paredes de dois blocos cúbicos idênticos: um que foi visto flutuar e outro que foi visto afundar na água. Posteriormente, no próprio tutorial, essa soma de forças foi apresentada como sendo correspondente à força de empuxo exercida pelo líquido sobre o bloco.

No 1º turno dessa sequência, Isaac propôs que eram iguais as somas das forças que o líquido exercia sobre o bloco que afundava e sobre o bloco que flutuava. Em seguida, Ada propôs que a soma das forças era diferente de zero e estava orientada na vertical e para baixo. Maria e Rosalinda compartilharam o raciocínio de Ada. No diálogo contido entre os turnos 3 e 12, Isaac demonstrou ter avaliado o raciocínio empreendido pelas colegas, pois chamou a atenção para a diferença entre a ideia de “força resultante sobre o

bloco” e a ideia de “soma das forças exercidas sobre o bloco pela água”. Apesar de Isaac ter explicitado o erro de interpretação cometido por Ada, Maria e Rosalinda, essas suas colegas de grupo insistiram que a soma das forças que a água exercia sobre o bloco seria para baixo, já que o bloco iniciava um movimento de descida. Isaac não desistiu de esclarecer para as colegas em que elas estavam equivocadas. Entre os turnos 15 e 37 ele continuou a argumentar com elas até que Rosalinda e Maria compreenderam o que ele queria dizer. A partir do turno 29, Ada, que continuou sem entender, ficou pensativa, com olhar fixo ora na folha do tutorial, ora em seus colegas de grupo.

Nesse exemplo, consideramos que houve reelaboração das experiências de pensamento científico desses estudantes do grupo A envolvendo ALR, pois eles se organizaram de maneira semelhante ao que vinham fazendo nas aulas passadas: identificaram os equívocos e relataram-nos ao colegas; argumentaram intensamente buscando esclarecer o que estava errado e propor uma solução para o erro; recorreram aos dados fornecidos no texto do tutorial para embasar os argumentos. Além disso, usaram essa estratégia de domínio geral em uma nova tarefa que envolvia forças realizadas por fluidos.

As análises desses dois exemplos mostraram que os estudantes dos grupos A e B avaliaram as linhas de raciocínio uns dos outros, apesar das tarefas não terem solicitado isso explicitamente. Eles empreenderam ALR, pois estavam engajados nas tarefas e foram estimulados a fazer isso anteriormente. Havia a preocupação em fazer as tarefas da melhor maneira possível, independentemente do tipo de compromisso que orientava cada grupo de estudante nas aulas de Física.