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5.3 A NÁLISE DE INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO CIENTÍFICO

5.3.1 Raciocínio baseado em evidência (RBE)

Iniciaremos pela apresentação da análise de um caso de reelaboração de experiências de pensamento científico na qual os estudantes do grupo A usaram RBE para solucionar uma tarefa que não consistia na construção de DCL, mas que foi chave para a verificação pelos estudantes dos DCLs produzidos pelo grupo.

QUADRO 29: Exemplo de reelaboração de RBE pelo grupo A na resolução de tarefa sobre pressão em fluidos

Aula 13/2014 – grupo A: estudantes trabalharam na resolução da tarefa apresentada no tutorial 02, parte I,

item C (ANEXO A). Eles interpretaram os resultados de uma demonstração conduzida pelo professor, na qual deixou água fluir por três orifícios a diferentes alturas de uma garrafa inicialmente cheia do líquido. Essa demonstração estava vinculada à tarefa apresentada no item C.

ESTUDANTE TURNOS DE FALA COMENTÁRIOS

1 Isaac “A existência de forças horizontais...”. Então

existe, né?

Leu trecho do item C e dirigiu pergunta às colegas que tomavam nota no caderno.

2 Ada Vai ser... O de cima tinha menos água saindo. Falou para Maria que registrava algo no próprio caderno.

3 Isaac Então existe, né? Porque, por exemplo, uma...

Essas forças horizontais existem porque senão a água não ia sair. Certo?

Enquanto Isaac falava, suas colegas pareciam registrar no caderno a comparação entre a previsão e os resultados da demonstração.

RBE

O raciocínio de Isaac baseou-se no dado de que a água contida na garrafa saía pelos orifícios.

4 Ada No de cima estava saindo menos água.

5 Maria [Inaudível]

6 Isaac E o de baixo? A de baixo tava. Então aqui, ó.

7 Rosalinda O de baixo tava vazando igual a um chafariz,

puuumm!

8 Ada Estava tipo assim. Essa aqui tava quase perto, mas nem tanto. E o de cima, com o tempo, foi vazando menos.

Mostrou o desenho que fez no caderno para os colegas de grupo.

9 Isaac Então, o que acontece? As forças horizontais

existem. Em baixo é maior magnitude e em cima menor. Ô, discussão! Ô, discussão!

Demonstrou incômodo por não conseguir atenção das colegas, que continuavam a anotar no caderno. RBE

Definiu a magnitude das forças horizontais que o líquido fazia sobre as paredes do recipiente com base nos dados da demonstração.

10 Maria A gente está te ouvindo.

11 Isaac Ah, bom! É porque vocês têm que falar: “Ah,

bom! Tá!”..

12 Rosalinda É porque nós somos muito profissionais, mas a

gente copia e te escuta. A gente não consegue copiar, te escutar e discutir.

Usou a palavra “copia” para se referir ao ato de fazer anotações pessoais no caderno de física.

Nesse trecho de transcrição há dois turnos de fala em que o RBE é empregado pelo grupo. No 3º turno, Isaac baseou-se no dado destacado por Ada de que a água saía pelos orifícios da garrafa. Baseado nesse dado, ele afirmou que o fluido fazia força sobre as paredes do recipiente e, consequentemente, as paredes do recipiente faziam força sobre o fluido. No 9º turno, ele se baseou no dado sobre o alcance dos jatos e no dado sobre o fluxo de água pelos orifícios para caracterizar a intensidade da força que a água fazia sobre as paredes do recipiente em diferentes profundidades.

Esse caso é representativo de reelaboração da estratégia de domínio geral RBE, pois a discussão no grupo para interpretação da demonstração realizada pelo professor se deu com base nas evidências extraídas dessa demonstração. Esse esforço de raciocinar tendo evidências como referência foi identificado nas aulas 07, 08 e 09/2014, quando os estudantes trabalharam na elaboração de DCL. Nessas aulas, o professor havia enfatizado a importância de que todo processo argumentativo nos grupos deveria ser embasado em evidências ou em teorias ou leis. O que vemos agora, na transcrição do QUADRO 29, é uma reelaboração dessas experiências com um novo propósito: interpretar os resultados de uma demonstração experimental.

No QUADRO 30, apresentamos outra discussão entre os estudantes do grupo A, na qual reelaboraram suas experiências com RBE, mas dessa vez para comparar o módulo das forças horizontais representadas no DCL de uma porção de líquido em repouso.

QUADRO 30: Exemplo de reelaboração de RBE pelo grupo A para resolução de tarefa sobre pressão em fluidos

Aula 15/2014 – grupo A: estudantes trabalharam na resolução da tarefa apresentada no

tutorial 02, parte III, item B (ANEXO A), na qual deveriam comparar a intensidade das forças horizontais que agiam sobre uma porção de líquido (delimitada pelo retângulo pontilhado). Essas forças haviam sido representadas pelos estudantes em um DCL.

Nº ESTUDANTE TURNOS DE FALA COMENTÁRIOS

1 Isaac “Compare as intensidades das

forças horizontais [inaudível]...”

Leu enunciado do item B, parte III, tutorial 02.

2 Ada Sim, não? Referiu-se à consistência da resposta com o “estado

de movimento” da porção de líquido.

3 Isaac Iguais, né?

4 Rosalinda Acho que não, né? As nossas

retas estão iguais.

Referiu-se ao módulo dos vetores que representavam as forças nas extremidades da porção próximas dos pontos T e U.

5 Ada Mas esse pequeno volume de

água não está se movimentando.

Apresentou dado a ser considerado.

6 Isaac Sim. Porque o corpo está parado

e a resultante tem que ser zero. Não concorda não?

RBE

Repouso da porção em articulação com a 1ª Lei de Newton como base para o raciocínio empreendido.

7 Maria Sim, pois a aceleração é zero. RBE

Recurso à 2ª Lei de Newton.

Do ponto de vista conceitual, não é fácil essa comparação da intensidade das forças horizontais que agem sobre a porção de água destacada na figura, visto que sobre o ponto T há uma coluna de água maior do que sobre o ponto U. Normalmente, os estudantes consideram que a extremidade da porção voltada para o ponto T está sujeita a uma força maior que a extremidade da porção voltada para o ponto U. E os estudantes do grupo A viveram essa dificuldade. Contudo, estimulados pelo enunciado do próprio tutorial, os

estudantes conseguiram comparar corretamente o módulo das forças que agiam sobre essas extremidades da porção, pois se basearam na evidência de que ela estava em repouso e nas Leis de Newton.

No 5º turno de fala, Ada apresentou o repouso da porção de água como um dado a ser considerado. Na sequência, Isaac concretizou o RBE ao se basear nessa informação sobre o repouso para afirmar que a força resultante sobre a porção era nula, portanto, o módulo das forças horizontais representadas no DCL deveriam ser iguais (dito no 3º turno). No 7º turno, Maria caracterizou o repouso da porção de líquido pela aceleração nula. Isso nos levou a inferir que a estudante baseou-se na 2ª Lei de Newton para interpretar o que Isaac disse no turno anterior a respeito da força resultante sobre a porção de água.

Temos, portanto, outro caso em que os estudantes reelaboraram suas experiências de pensamento científico com RBE, articulado à 1ª e à 2ª Lei de Newton. Nesse caso, eles compararam os módulos de forças representadas em um DCL construído no âmbito da mecânica dos fluidos. O tratamento dado à construção e à análise do DCL dessa porção de líquido guardou relações com o tratamento que os estudantes deram à construção e análise dos DCL do tutorial 01. Porém, aqui, fizeram isso para uma nova situação. O fato de o tutorial estimular o RBE contribuiu muito para essa reelaboração. Cabe destacar que a reelaboração dessas experiências de pensamento científico foi importante para que o grupo pudesse superar as dificuldades conceituais trazidas pela tarefa de comparar as forças e as pressões em regiões de fluidos com profundidades diferentes. Isso contribuiu não apenas para o desenvolvimento da estratégia de RBE, como também para a consolidação dos princípios da dinâmica e para a compreensão do comportamento da pressão no interior de fluidos.

Apresentaremos agora a análise de um último exemplo. Nele, os estudantes do grupo B reelaboraram suas experiências de pensamento científico com RBE ao produzirem o DCL de um objeto imerso em fluido. Trouxemos a análise desse caso, pois ele envolveu esse tipo de reelaboração para a resolução de tarefa em que o objeto de interesse executava movimento acelerado. Até então, os estudantes haviam lidado somente com objetos em equilíbrio (nas tarefas dos tutoriais). Além disso, houve novidade no fato de que o objeto de interesse estava sujeito a forças exercidas por fluidos.

QUADRO 31: Exemplo de reelaboração de RBE pelo grupo B para a resolução de tarefa de elaboração de DCL de objeto imerso em fluido

Aula 20/2014 – grupo B: estudantes trabalharam na resolução da tarefa apresentada no tutorial

03, parte I, item A (ANEXO A). Eles elaboraram o DCL de um bloco que foi abandonado próximo do centro de um béquer. Inicialmente, esse bloco foi visto flutuar na superfície da água. Os estudantes discutiam sobre as forças que agiam sobre o bloco na situação delimitada pela tarefa.

Nº ESTUDANTE TURNOS DE FALA COMENTÁRIOS

1 Lise O empuxo é maior que o peso dele?

2 César O empuxo?

3 Lise Empuxo, peso e normal. Não. Normal não

tem.

4 César É só empuxo e peso.

5 Lise Empuxo e peso! O empuxo é do mesmo

tamanho que a normal? Empuxo é maior, porque ele está subindo.

Consideramos que a estudante usou a palavra normal no lugar de peso por descuido, já que a sequência de turnos de fala foi muito rápida. Anteriormente, a estudante reconheceu que não havia força normal, apenas peso e empuxo. RBE

Usou informação sobre o movimento do bloco para comparar as forças que agiam sobre ele.

A tarefa apresentada no tutorial 03, parte I, item A, pedia aos estudantes que representassem todas as forças que a água exercia em cada uma das paredes do bloco cúbico imerso em água. O empuxo corresponde à soma dessas forças exercidas pela água sobre o bloco. Contudo, no DCL elaborado pelos estudantes do grupo B, a força vertical de baixo para cima que a água exercia sobre a superfície inferior do bloco é que foi chamada de empuxo. Provavelmente, os estudantes tiveram contato com esse conceito em algum outro contexto, além do que a palavra empuxo foi usada pelo professor na preleção e aparecia no título do tutorial. Tinha-se a expectativa de que os estudantes cometessem esse erro, pois o próprio tutorial abordava essa dificuldade nas tarefas seguintes. Mas o que importa aqui é mostrar que, apesar dos erros conceituais, os estudantes buscaram embasar suas afirmações nas evidências disponíveis.

No 1º turno de fala, Lise propôs que o módulo da força de empuxo era maior que o módulo da força peso. No último turno de fala dessa sequência, Lise reafirmou essa relação entre os módulos das forças peso e empuxo, mas, dessa vez, apresentou a evidência que tomou como base para tal: o objeto estava subindo. Inferimos que Lise considerou que o movimento de subida do objeto era variado, já que o enunciado solicitou o DCL para o instante em que o bloco iniciaria seu movimento e que a estudante propôs um DCL com força resultante para cima.

A ideia de que havia uma força resultante para cima está presente no DCL elaborado no caderno de Ricardo. Nele, o módulo da força de empuxo exercida sobre a caixa pela água (ECA) é maior que o módulo da força de peso exercida sobre o bloco pela Terra (PBT).

FIGURA 8: DCL do bloco cúbico na situação descrita no tutorial 03, parte I, item A (por Ricardo)

E: Força de empuxo; P: Força peso: F: Força; A: Água; B: Bloco; C: Caixa; T: Terra; M: Mão. Fonte: dados da pesquisa.

Nesse DCL, Ricardo intercambiou os termos caixa e bloco para designar o mesmo objeto de interesse. Ele também representou a força que a mão exercia sobre a caixa (FCM). Porém, o DCL deveria enquadrar o momento imediatamente após o bloco ser solto pela pessoa no centro do béquer. Apesar disso, a resultante das forças representadas nesse DCL foi vertical e para cima, o que reforça nossa inferência de que o grupo considerou a evidência disponível a respeito do tipo de movimento realizado pelo bloco. As anotações disponíveis no caderno de Lise corroboram essa interpretação:

Nota no caderno de Lise na aula 20/2014: Para ordenar as forças, usei a informação sobre o movimento do bloco, pois, quando o bloco é abandonado, há uma força para cima exercida sobre o bloco pela água (E), maior que a força P, até chegar à posição em que estava.

Nesse caso, houve reelaboração de experiências de pensamento científico, pois existiu o cuidado de estabelecer uma relação entre as afirmações feitas e os dados disponíveis, ao estilo do que vinha sendo feito nas aulas anteriores. Além disso, foi feita articulação das Leis de Newton para solucionar uma tarefa nova o que já é um indicador de reelaboração de experiências.

Com esses três exemplos pretendíamos mostrar o tipo de reelaboração pelos estudantes de suas experiências de pensamento científico com RBE. Eles estruturaram seus raciocínios apoiados em evidências: a) com novos propósitos, para solucionar tarefas inéditas que não envolviam diretamente a elaboração de DCL; b) com propósitos semelhantes aos anteriores, para solucionar tarefas inéditas que envolviam a elaboração de DCL. Esses processos de reelaboração de experiências podem ser tomados como indicadores de que houve desenvolvimento do pensamento científico dos estudantes ao longo do 1º trimestre letivo.

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