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Avaliação por meio de adesivos

No documento A avaliação sob a ótica do aluno (páginas 84-87)

5. OLHANDO PARA AS PRÁTICAS AVALIATIVAS

5.4. Avaliação por meio de adesivos

Quando a professora passava dever, e eu esquecia de responder, ela colocava um adesivo ruim, e quando eu respondia, ela tirava o ruim e colocava o bom (Aluno da turma pesquisada).

Um procedimento avaliativo praticado pela professora “C” era a avaliação por meio de adesivos. Semanalmente, ela recolhia os cadernos para ver as atividades. Para cada atividade realizada, era colado no caderno dos alunos um adesivo com valor positivo e, por cada atividade não realizada, eles recebiam um adesivo de valor negativo, que poderia ser substituído pelo positivo quando faziam as atividades. Cada adesivo valia dois pontos se fosse “de parabéns. O “ruim”, na linguagem dos alunos, era o que “tirava pontos”. Os alunos solicitavam à professora a troca dos adesivos ao apresentarem as atividades realizadas.

Segundo a professora, esse foi o meio que encontrou para que os alunos fizessem as atividades porque antes eles não se interessavam em fazê-las. Apenas um aluno confirmou isso nos seus relatos, os outros afirmaram que os adesivos não faziam diferença.

Pesquisadora: Vocês acham que mudou alguma coisa depois que a professora começou a usar os adesivos?

M: Antes eu fazia menos dever. Pesquisadora: E agora? M: Agora eu faço mais. Pesquisadora: Por quê? M: Por causa dos adesivos. Pesquisadora: Para quê? M: Para ganhar ponto. A.C: Não, até que não.

Pesquisadora: Como é que você ficou depois dos adesivos? K: Eu fiquei da mesma forma.

Pesquisadora: Vocês já faziam antes do mesmo jeito e com os adesivos você continuou fazendo?

S: Eu fazia do mesmo jeito.

Pesquisadora: Sempre fez? Então não mudou muito com os adesivos? S: Não, só deixava incompletas aquelas que eu não sabia, mas quando eu chegava em casa minha irmã me ensinava.

J: A questão dos adesivos a professora disse que é para ela ter controle de tudo na sala, aí ela comprou uma cartela de adesivos e quem ganha carinha perde ponto e quem ganha adesivo de flores e de vários desenhos, quando tira nota baixa na prova a professora acrescenta ponto.

K: Professora, ela tem uma cartela né? Aí umas figurinhas são boas e outras são ruins. A professora passa um dever na sala, se a gente copia e responde ela dá uma figurinha de boa, se a gente não copiar tudo ou não responder ela dá uma figurinha de ruim. Aí isso vai lá pro diário dela e soma com a prova.

Pesquisadora: E o que significa cada adesivo?

J: Todos é do bem, menos a carinha que se você botar.... V.H: O adesivo é para ganhar ponto na prova.

J.H: É pra quando tiver faltando um ponto na prova para passar e se tiver o caderno todo organizado e tiver só adesivo bom, aí ela dá o ponto e a gente passa.

C: Ela fala que se tiver cinco adesivos, ela dá os cinco pontos, se tiver três, ela também dá, agora se não tiver mais de três ela não dá os cinco pontos.

P: Ela dá um adesivo para quem não fez tarefa de casa, aí eles vão fazer dentro de sala, aí ela risca.

O tempo usado pela professora para colocar e retirar os adesivos poderia ter sido utilizado para dar “feedback”15 aos alunos sobre suas aprendizagens.

A avaliação por meio de adesivos ajudava a professora a exercer o poder e manter o controle na sala de aula.

C: Primeiro ela passa com a caneta olhando os cadernos, ai depois ela passa o adesivo, quem não tiver feito o dever, ela dá três adesivos de irresponsável.

O uso de adesivos não contribuía para a aprendizagem dos alunos, pois o importante era saber se eles haviam feito as atividades e não como haviam feito. Colocava os alunos como os responsáveis pelos resultados finais caso não obtivessem um desempenho satisfatório e ainda deixava-os na mão da professora.

G: A professora fala que se nós tiver com cinco e pra passar precisa de sete, ela vai olhar o nosso caderno e se tiver merecendo na organização do caderno e nos adesivos ela dá os dois pontos.

M: Quando a professora passava dever, e eu esquecia de responder, ela colocava um adesivo ruim, e quando eu respondia, ela tirava o ruim e colocava o bom.

C: Eu já levei três figurinhas de mau comportamento.

M: Eu levei um ruim, aí eu fiz o dever todo e ela tirou e colocou o do bonzinho.

15

Feedback refere-se à “informação, ao próprio aluno, a quão bem-sucedido ele foi no desenvolvimento do seu trabalho” (SADLER apud VILLAS BOAS, 2008, p. 39).

Ao serem indagados sobre o que achavam a respeito dos adesivos, muitos alunos limitavam-se a responder que era “bom”, “legal” e “mais ou menos”. Um aluno fez o seguinte desabafo:

E: Eu não gostei não, parece muito criancinha. A professora bota a prova valendo sete e ainda vai ter que ganhar mais adesivos. O que é isso? Bota a prova valendo dez e a gente tira dez e pronto! Quando eu ganhei essas figurinhas eu não gostei muito não, é chato você ficar na ansiedade para saber se vai ganhar ou não a figurinha. E a gente nem sabe o que significa essa figurinha, um balão, um bolo, um palhaço, uma sopinha... O que representa um bolo? Que ponto é esse bolo? Eu não entendi nada disso.

Esse aluno percebeu com mais clareza a inutilidade desse procedimento e demonstrou isso no seu relato.

Gostando ou não, pela importância que representavam, todos se ocupavam em contar quantos adesivos haviam conseguido e quantos pontos obteriam com eles. Chegavam a contar os adesivos dos colegas e faziam comparação para ver que tinha mais. Fazer as atividades não era o único critério adotado para a obtenção dos adesivos, o caderno devia estar organizado e os alunos comportados. Com um único procedimento podiam-se controlar três aspectos nos alunos: participação, organização e comportamento.

Esses aspectos citados fazem parte de uma estrutura social mais ampla dentro da sociedade capitalista e estão relacionados à obediência. Uma das funções da escola tem sido criar mecanismos para garantir a obediência por parte dos alunos e o recurso mais propício para isso é a avaliação. De acordo com Cury (1985, p.119),

A burocracia pedagógica quer assegurar que cada um cumpra seu dever e, para tanto, impõem-se regras coercitivas que expressariam o interesse geral. Da parte do sujeito, ela quer que esse se conforme às regras que lhe são impostas. A medida da conformidade é a medida dos resultados que provam a conformidade.

Para esse autor, os interesses das classes dominantes são expressos nas práticas escolares por meio do ritual pedagógico que corresponde à divisão social do trabalho. As práticas escolares, segundo ele, são colocadas a serviço de um sistema de controle e supervisão. Afirma ainda que no ritual pedagógico,

não cumprem função apenas os programas, os conteúdos, as provas e o calendário. Há toda uma linguagem não-verbal que, expressando-se por meio de comportamentos sociais manifestos, transmite valores e confirma relações estabelecidas. Cerimoniais, ritos profanos, normas

não-escritas, mas existentes, conversas, modismos, contêm uma ética que impregna a vida cotidiana das escolas, pela qual as representações da classe dominante se tornam senso comum, e passam a ser vividas como leis naturais (CURY, 1985, p. 119-120).

É dessa forma, ainda que implicitamente, que a escola carrega os elementos de reprodução das relações sociais, embora, admita o autor, possa apontar caminhos de libertação desde que voltada para a práxis transformadora. Ao afirmar que o ritual pedagógico carrega elementos de transformação ao mesmo tempo que de reprodução, o autor mostra o caráter contraditório da educação.

A avaliação por meio de adesivos fazia com que os alunos, já ao longo do ensino fundamental, criassem a lógica da avaliação classificatória em suas cabeças. Não havia um trabalho planejado para tornar a avaliação um meio de construção da autonomia. As tarefas eram feitas para os pontos dos adesivos, para não se ter adesivo ruim, para não serem perturbados pela professora e nem pelos colegas.

No documento A avaliação sob a ótica do aluno (páginas 84-87)