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Nas vozes dos alunos, os discursos das professoras

No documento A avaliação sob a ótica do aluno (páginas 105-108)

6. A AVALIAÇÃO VISTA DE FRENTE PELOS ALUNOS

6.4. Nas vozes dos alunos, os discursos das professoras

A professora passa o conteúdo da prova, depende da gente se passa ou não, porque ela passa o conteúdo, nós estudamos e depende da gente. Se a gente estudou, aí sabe do conteúdo da prova (Aluna da turma pesquisada).

Além de não se sentirem na condição de criticar a prática pedagógica adotada – como já foi comentado anteriormente – os alunos revelaram uma tendência em incorporar o discurso das professoras. As respostas dos alunos às entrevistas foram permeadas por comentários emitidos por elas durante as aulas. É o caso dos relatos a seguir:

J: A respeito do que a senhora falou, se é justo ou não da gente reprovar, eu acho justo porque se ele quer ganhar os pontos, o aluno tem que respeitar a professora, tem que se comportar na sala e tem que ter as anotações do caderno.

Pesquisadora: E o que vocês acham dela colocar as notas todas no quadro, no caso de quem tira nota baixa e todo mundo ver?

G: É melhor porque essa pessoa sai envergonhada, para melhorar e da próxima vez não tirar o mesmo.

J: Nós ficamos sem quadra, mas se eles não querem ficar dois meses sem quadra, então eles devem se comportar direito.

I: É, nosso comportamento tem que mudar mesmo...

P: Porque quando a professora tá ensinando uma matéria se eles não prestar atenção, ficar conversando, fazendo bagunça, ninguém vai aprender e todo mundo vai ser prejudicado.

Neste caso, a responsabilidade pela própria aprendizagem estava exclusivamente nas mãos dos alunos. Dependia deles para que houvesse em sala um clima propício para

a aprendizagem ocorrer. Os alunos se consideravam os responsáveis por sua própria aprovação ou reprovação. Argumentavam que:

A.C: A gente que faz a prova, ela só corrige.

J: A professora passa o conteúdo da prova, depende da gente se passa ou não, porque ela passa o conteúdo, nós estudamos e depende da gente. Se a gente estudou, aí sabe do conteúdo da prova.

M.A: Porque é a prova passa a gente de série. A: A gente mesmo que passa a gente.

F: Porque é nós quem passa de ano e nós quem reprova.

P: Eu penso assim, que nós somos avaliados e é nós que se avalia mesmo, por causa que é nós que faz o dever, com o comportamento, eu não acho que seja o diretor ou a professora, mas nós mesmo.

Al: Não é a professora. Ela já falou.

P: Quem decide é nós, porque se a gente estudar bastante, tirar uma nota boa, a gente passa, não é pelos professores, eu acho que é por nós.

J: Eu acho assim, ela dá a prova em branco, a gente decide o que quer fazer naquela prova.

Essas afirmações coincidem com o seguinte discurso da professora “A”:

“Não é a professora que reprova no final do ano, é o aluno, se ele não produz, não consegue bons resultados, é o aluno que vai fazer por onde receber a nota”.

Discurso que coloca exclusivamente nos alunos a responsabilidade pelos resultados alcançados.

Em uma relação de submissão, incorporar o discurso do outro é uma forma de ser aceito por ele. Como na escola existe a crença de que o bom aluno é aquele que obedece, que realiza o que é exigido, este passa a justificar as atitudes do professor e submeter-se à sua vontade. Jackson apresenta sua compreensão sobre esse fato.

Ao aprender a viver na escola, nosso estudante aprende a subjugar seus próprios desejos à vontade do professor e a submeter suas próprias ações no interesse do bem comum. Aprende a ser passivo e a aceitar a rede de normas, regulamentos e rotinas em que está imerso. Aprende a tolerar as pequenas frustrações e a aceitar os planos e a política das autoridades superiores, mesmo quando sua justificação permanece inexplicada e seu significado obscuro. Como os habitantes da maioria das demais instituições, aprende a encolher os ombros e dizer: “Assim são as coisas” (JACKSON apud ENGUITA, 1989, p. 181).

De modo geral, a culpa pelo fracasso era sempre assumida pelos alunos.

A: No ano passado eu reprovei, e a menina também da sala dezoito. Nós tínhamos as mesmas dificuldades, às vezes ela tirava nota mais alta que

eu, aí ela falava que ia passar, mas ela conversava na aula demais, aí ela reprovou, ela achava que só porque tirava notas altas, ia passar. Eu tirei notas baixas e estava com dificuldades, aí eu reprovei.

Pesquisadora: Mas por que ela reprovou?

A: Porque ela não fazia o dever de casa, ela conversava. Pesquisadora: Se todos os alunos tiram nota ruim, é por quê?

M.A: É porque ou jogam cartinha ou não prestam atenção no que a professora fala.

Pesquisadora: Quando os alunos não aprendem, de quem é a culpa? P: A culpa não é da professora, por causa que eles estão fazendo bagunça e a professora gasta a garganta todinha explicando lá na frente e não aprendem nada.

Foi possível detectar na fala dos alunos uma tendência em justificar a aprendizagem ou não-aprendizagem pelo seu comportamento, interesse e participação, critérios muito utilizados pelas professoras para avaliá-los.

Professora “C”: O que é necessário são as atividades, o comportamento, o que eles fazem no dia a dia. É um conjunto, e não só a avaliação em si, porque no meu caso eu não dou nota só por avaliação, porque às vezes o aluno tirou nota baixa na prova, mas ele faz todas as atividades, é um bom aluno, aí a gente tem que rever o que está acontecendo com ele.

Professora “B”: O que ele faz o tempo todo em que estiver em sala é avaliado. Você medir com exercícios, atividades, não somente cobrando com provas, mas tudo o que ele faz, a relação interpessoal dele com os outros coleguinhas, como ele se comporta, como ele está agindo durante o momento em que estão juntos, em tudo que eles fazem no relacionamento social, no dia-a-dia dentro da escola.

Chamou-me a atenção a observação de um aluno que atribuía o bom desempenho da turma à competência da professora. Esse aluno parece ter entendido a verdadeira função do professor e da escola: promover a aprendizagem de todos os alunos.

E: Eu acho que a professora mais inteligente é a professora Am, porque uma vez a gente tava vendo, né? Aí quando foi na “reunião de passar”, que eu tava na 3ª série, eu fiquei vendo ela “passando” os alunos, assim: “você passa, você passa...”. Aí eu acho que ela já tem mais responsabilidade porque todos os alunos dela já passaram, ela não tem nenhum aluno que reprovou.

Pesquisadora: Quer dizer que você está achando que a professora Am é inteligente porque os alunos dela todos passam? Então quem é inteligente, ela ou os alunos?

Alunos: Ela.

Pesquisadora: Vocês acham que quando todos os alunos daquela professora passam é porque ela é boa? Se todos os alunos passam é porque a professora também é inteligente?

Com relação ao papel do professor na promoção da aprendizagem, Demo (2006, p. 78) defende que

o professor poderia ser capaz de, avaliando conscienciosamente, evitar que alunos se retardem e venham a correr o risco de reprovação. Para tanto é indispensável acompanhar de perto todo aluno em risco. Será possível, assim, evitar tratamentos separados ou que poderiam redundar em estigmatização. Esta é a perspectiva esperada de um professor que de fato cuida da aprendizagem de seus alunos.

O referido autor aponta que a tarefa do professor não se resume em “dar aulas”, ele deve se preocupar em saber se seus alunos estão realmente aprendendo. “É para contribuir nesse processo de aprendizagem do aluno que a avaliação comparece como procedimento essencial” (DEMO, 2006, p. 24). De fato, o bom professor é aquele que cuida para que o aluno aprenda. O que não depende unicamente do aluno.

Foi enriquecedor o fato de estar inserida no ambiente escolar para poder perceber os momentos em que as vozes dos alunos se misturavam às das professoras, o que não seria possível perceber apenas em situações de entrevistas. Isto se deve ao poder atribuído ao professor de influenciar as próprias concepções dos alunos de acordo com seus pontos de vista que passam a ser assumidos e incorporados nos discursos das crianças.

No documento A avaliação sob a ótica do aluno (páginas 105-108)