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3 AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E AVALIAÇÃO DE POLÍTICA

3.3. A AVALIAÇÃO PREDOMINANTE EM EDUCAÇÃO

A avaliação do contexto educacional tem se tornado objeto de ampla discussão na literatura especializada. O domínio ou o campo da avaliação em educação é, por sua vez, abordado em diversos ângulos, que vão além da aprendizagem escolar até questões sociais, políticas e epistemológicas. Além da aprendizagem, por exemplo, temos a

avaliação institucional das universidades. Mas, ressalte-se, o que está mais presente é a ideia dos testes como avaliação em educação.

Um dos grandes desafios da atual conjuntura socioeducacional brasileira tem sido considerar, de um lado, uma concepção de qualidade avançada e crítica e, de outro, uma concepção de qualidade e excelência da visão predominante que privilegia, dentre outras coisas, uma visão quantitativista com a aplicação de testes etc.

Barriga (2008) destaca que essas dificuldades têm corroborado para que os exames se convertam, infelizmente, diríamos, como principal instrumento da concepção governamental no campo da educação e de seu entendimento da qualidade da educação. O autor destaca a importância de se considerar a relação simétrica assemelhada entre sistema de exames e sistema de ensino, nos quais, tanto autoridades do campo educacional quanto professores, alunos e sociedade acreditam que existe.

A esse ponto, o autor assegura que

[...] Desta maneira se estabelece um falso princípio didático: um melhor sistema de exame, melhor sistema de ensino. Nada mais fácil que esta proposição. O exame é um efeito das concepções sobre a aprendizagem, não o motor que transforma o ensino (BARRIGA, 2008, p. 43).

As polêmicas geradas em torno do papel que o exame exerce na sociedade, na escola e no cotidiano dos alunos em geral ilustram que a avaliação envolve uma reflexão e discussões acadêmicas que a remetem diretamente a um reducionismo técnico, e omitem os vastos significados dessa prática (BARRIGA, 2008). Ainda para o autor, “[...] É importante analisar a forma como o exame moderno efetua uma serie de reducionismos técnicos sobre o saber pedagógico” (2008, p. 43).

Ao se falar da avaliação do ensino, é importante destacar-se a inquietação que se coloca em face dessa questão. Observar-se o campo que se insere a avaliação e sua abordagem remissiva em nível de política ou programas educacionais, sistema ou subsistemas, pesquisa educacional, ou até mesmo de sala de aula, é essencial, sobretudo, ao considerar-se ao que ela se destina e seus objetivos. Assim, ao determinarem-se os objetivos, estes direcionarão as possíveis abordagens teóricas, a abrangência, a conceituação, os tipos, as funções, as técnicas e os diferentes instrumentos da avaliação.

As recomendações do atual modelo dominante de administração pública gerencial da educação provocaram alterações no campo educacional das instituições de ensino, com ênfase sobre novos modelos de regulação e gestão. As políticas

educacionais passaram a ser atendidas sob a égide da ideologia neoliberal, influenciadas pela lógica em subordinar-se e acompanhar a orientação do campo econômico. Dessa forma, a educação e a própria avaliação passaram a ser tratadas, predominantemente, como complementos da economia ou vistos como os chamados fatores econômicos.

Os fundamentos conceituais dessa lógica são categorizados pela chamada qualidade da educação, eficiência e eficácia do sistema educativo, maior vinculação entre o sistema escolar (compreendida pelo currículo) e o que são consideradas as necessidades sociais. O problema do exame passa a ser tratado como um dos pontos que obtêm uma relevante dimensão na política educativa (BARRIGA, 2008). Para uma melhor compreensão, Barriga (2008, p. 44-45) realça:

Em termos operativos esta política se concretiza numa redução real do orçamento para a educação. A ordem é “fazer mais com menos”. De fato, busca-se que em termos constantes resulte mais econômico o gasto destinado a cada estudante no sistema educativo.

Essas atividades das políticas educativas de corte neoliberal são apanhadas e fundamentadas por questões “acadêmicas” que restringiriam o acesso à educação. Esses fundamentos subsidiaram novos fetiches pedagógicos, caracterizados por sua fragilidade conceitual de alguns termos, como especificamente, a “qualidade da educação” (BARRIGA, 2008).

Alguns instrumentos são elaborados com o intento de legitimar a restrição à educação e ao exame é conferido esse papel. O fato é que, para Barriga (2008, p. 45), “Todo mundo sabe que o exame é o instrumento a partir do qual se reconhece administrativamente um conhecimento, mas igualmente reconhece que o exame não indica realmente qual é o saber de um sujeito”.

Esteban (2008), por sua vez, considera que o fracasso escolar é configurado pelas múltiplas negações e a legitimidade de conhecimentos e vivências é sobreposta à margem dos limites socialmente convalidados. E complementa:

A inexistência de um processo escolar que possa atender às necessidades e particularidades das classes populares, permitindo que as múltiplas vozes sejam explicitadas e incorporadas, é um dos fatores que fazem com que um grande potencial humano seja desperdiçado (ESTEBAN, 2008, p. 7).

A habitualidade em verificar o exame como elemento inerente a toda ação educativa o constitui como uma faceta particular da concepção de avaliação educacional atualmente mais praticada. Isso fica bastante evidente ao se considerar a prática dos professores em examinar os estudantes após as aulas, buscando avaliar o conhecimento adquirido (BARRIGA, 2008). Essa afirmação é descontruída por um estudo, acerca da história do exame nas práticas pedagógicas, destacada em três momentos:

Primeiro porque o exame foi um instrumento criado pela burocracia

chinesa para eleger membros das castas inferiores. Segundo porque existem inúmeras evidências de que antes da idade média não existia um sistema de exames ligado à prática educativa. Terceiro porque a atribuição de notas ao trabalho escolar é uma herança do século XIX a pedagogia. Herança que produziu uma infinidade de problemas, dos quais hoje padecemos (BARRIGA, 2008, p. 46, grifos do autor). Desse modo, se descontextualizado da sua relação histórica com o conhecimento, é pertinente ressaltar as questões sociais que envolvem os problemas relacionados ao exame, sobretudo, aquelas que não podem ser resolvidas. Muito embora considerado como espaço de convergência de múltiplos problemas, das mais variadas ordens, sejam sociológicas, políticas, psicopedagógicas e técnicas, no fundo, resume-se, em virtude de seu reducionismo, por cumprir a dimensão técnica, desconsiderando os outros âmbitos de estruturação (BARRIGA, 2008).

Sob essa dimensão, o exame, além de sintetizado pela significância dos seus diversos problemas, também pode ser observado como espaço social e técnica “educativa” na qual se deposita uma enxurrada de expectativas. Para Barriga (2008), o fato é que, quando a sociedade perde a capacidade de resolução de seus problemas, sejam eles de ordem econômica, social, psicopedagógica e política, esta acaba por transferir essa impotência, determinando uma excessiva confiança em “elevar a qualidade da educação” por meio da racionalização e uso do exame como instrumento.

Dessa maneira, observa-se a relevante dimensão que o exame assume pelos diversos grupos sociais, sejam eles diretores das instituições escolares, pais de família, alunos e, propriamente, os professores. Mesmo assumindo pensamentos antagônicos, cada grupo tem sua representação social acerca do papel do exame, todavia, em termos gerais, esses grupos direcionam-se a um pensamento: “[...] esperar que através do exame se obtenha um conhecimento ‘objetivo’ sobre o saber de cada estudante (BARRIGA, 2008, p. 47).

Para Barriga (2008), o exame, por si só, não pode responder por todas as instâncias sociais, tampouco pelos problemas acarretados em outras instâncias sociais. E acrescenta:

[...] não pode ser justo quando a estrutura social é injusta; não pode melhorar a qualidade da educação quando existe uma drástica redução de subsidio e os docentes se encontram mal pagos; não pode melhorar os processos de aprendizagem dos estudantes quando não se atende nem a conformação intelectual dos docentes, nem ao estudo dos processos de aprender de cada sujeito, nem a uma análise de suas condições materiais (BARRIGA, 2008, p. 47).

É evidente a constatação da convergência de todos esses problemas sob o exame, e que este, enquanto instrumento social, não pode resolvê-los. Outro ponto, de igual relevância, é o superdimensionamento que o exame ocupa no espaço social e as múltiplas inversões que permeiam as relações sociais e pedagógicas (BARRIGA, 2008).

Essa inversão, para o autor, é qualificada em termos foucaultiano como um espaço no qual são invertidas as relações de saber e de poder (FOUCAULT, 1977). Isso porque as relações de saber são substancialmente apresentadas como relações de poder ao se observar o processo evolutivo dos exames, por meio de mecanismos de poder, tais como sociedade, instituição educativa e docente. Essa relação é expressamente fundamentada por Barriga (2008, p. 48) quando enfatiza que

Esta hipótese do exame como um espaço de inversão de relações é muito frutífera enquanto nos permite efetuar outro conjunto de precisões. De fato, desde nossa aproximação através do exame se realizam outras três inversões: uma que converte os problemas sociais em pedagógicos (e permanentemente busca sua resolução só neste âmbito); outra que converte os problemas metodológicos em problemas só de exame, e uma última que reduz os problemas teóricos da educação ao âmbito técnico da avaliação.

Na evolução da pedagogia, o exame perdeu sua dimensão pedagógica e metodológica e inseriu-se no espaço de conflitos entre problemas de diversas índoles. É importante enfatizar que o exame na pedagogia não pode voltar-se para a resolução de problemas de outras instancias sociais que não seja a sua (BARRIGA, 2008).

A predominância da avaliação por meio de exames, cuja valoração está muito mais relacionada ao produto final das aprendizagens medida pelas provas que em detrimento dos processos formativos, é reflexo da prática de educadores que buscam ser fiéis ao modelo tradicional de ensino e dos profissionais que abraçaram a ideologia

neoliberal. De acordo com Luckesi (2011 p. 180), “[...] praticamos predominantemente exames escolares, em vez de avaliação; todavia de forma inadequada, usamos o termo “avaliação” para denominar essa prática”.

Conforme Luckesi (2011, p. 180), “[...] nos dias atuais, em nossas escolas, efetivamente anunciamos uma coisa – avaliação – e fazemos outra – exame, o que revela um equívoco tanto no entendimento quanto na prática”. Desse modo, é necessário considerar a importância de cada uma das instâncias avaliadoras (processo e produto) e o cumprimento das funções no processo de escolarização, exercidas por ambas, conforme elucida o autor:

A avaliação diversamente dos exames, tem como centro predominantemente de atenção o processo de construção de um resultado, sem perder, em momento algum, a perspectiva do produto final que dele decorre e sobre o qual, por meio da “avaliação de produto”, faz incidir a certificação (LUCKESI, 2011, p. 188).

A essencialidade do professor em reconhecer seu papel no ato da avaliação, compreendendo-a para além de uma mera medição, é resultado de uma prática avaliativa, pautada na construção do conhecimento e produção de novos saberes.

Os processos avaliativos que seguem sob uma perspectiva construtiva emanam rigorosamente a serviço de uma educação emancipatória, cujo realce recai nas funções diagnósticas e formativas da avaliação. A ênfase nos processos avaliativos não deve ser pautada na verificação de produtos, considerando apenas os aspectos quantitativos e não qualitativos.

Esteban (2008) destaca a construção de propostas que redefinam o cotidiano escolar, no qual a avaliação passa a ter um significante papel nesse processo. Dentre as perspectivas apresentadas, destaca-se, a retomada do padrão rígido definido pela avaliação quantitativa.

[...] Este me parece ser o que está sendo assumido pelas propostas vindas do MEC – SAEB e “Provão”, no caso da avaliação, complementados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais. O tema central do discurso é “qualidade da educação”, qualidade esta que será avaliada através da quantificação do desempenho cognitivo e das habilidades adquiridas, ou seja, o conhecimento que foi transmitido para os alunos é retido por eles (ESTEBAN, 2008, p.10, grifos da autora).

A avaliação se revela um “mecanismo de controle” dos tempos, dos conteúdos, dos processos, dos sujeitos e dos resultados escolares.

Assim, classificar os estudantes em bons e maus, ou as suas escolas em boas ou ruins, reverbera diretamente nos currículos, que poderão reduzir a prática docente a meros conteúdos de provas, sobretudo, se a classificação e os resultados desses rankings estiverem vinculados ao financiamento educacional ou a qualquer outra forma de premiação ou punição dos sujeitos envolvidos, sejam alunos, professores, diretores e escolas.

Essas observações dos autores mencionados são importantes, como podemos depreender, porque remetem de uma maneira ou de outra para algumas críticas e limites do Ideb enquanto teste. Em outras palavras, não é difícil concluir que o Ideb deve ser avaliado não enquanto um teste milagroso e uma avaliação de excelência, mas como uma maneira de ver a educação, a aprendizagem e a própria avaliação no geral.

Ao mesmo tempo, temos que levar em conta que os testes não surgem do nada e não devemos isolá-los de qualquer contexto. Além de que, guardam uma relação estreita, igualmente com uma determinada visão de qualidade, como veremos em seguida.

3.4 OS TESTES, AS DIRETRIZES INTERNACIONAIS E A QUALIDADE DA