• Nenhum resultado encontrado

I. DA SEGURANÇA À SEGURANÇA HUMANA E À RESPONSABILIDADE DE PROTEGER

I.1. Elevação (da Segurança) a Segurança Humana

I.1.4. Avanços e Recuos

Como analisamos, apesar da sua maior intensidade se ter verificado na década 90, a Segurança Humana tem vindo a sedimentar o seu objetivo, que é o de colocar o individuo no centro das opções políticas em matéria de segurança. Não obstante, tem dado sinais de alguma estagnação, compreensíveis se tivermos em conta o longo trajeto que percorreu num curto espaço de tempo.

Um dos motivos da sua estagnação é a ambiguidade do seu próprio objeto, ou seja, o referencial de ameaça para o sujeito sobre o qual reverte a política de segurança. Pois se por um lado

o facto de envolver um considerável conjunto de potenciais focos de insegurança transversais a diversos domínios da vivência humana seja considerado um entrave (MacFarlane e Khong 2006), por outro a redução desses mesmos potenciais focos de insegurança implica um risco de não operacionalização uma vez que as necessidades de segurança não só se alteraram como apresentam diferentes natureza e níveis de carência de acordo com a/s realidade/s em presença.

Come efeito, ao “abrigar-se debaixo do mesmo guarda-chuva” um conceito tão abrangente como o de SH na sua dimensão ampla, com um vasto leque de potenciais ameaças à segurança, faz com que a resistência ao conceito seja maior, desde logo, pela falta de hierarquia ou prioridade entre as mesmas. Esta abrangência potencia uma certa desordem causal dado que pouco se conhece, ou menos se conhece, sobre as causas da insegurança dificultando o seu isolamento para esse efeito. Porém, e sendo certo que não é por se colocar o selo de segurança a um determinado assunto que fará com que este ganhe relevância, atenção e até recursos (MacFarlane e Khong 2006), também não é por não se reconhecer que a ameaça pode conhecer diversas formas, que é possível desenvolver quadros de segurança capazes de operar em cenários heterogéneos como os que se apresentam na cena internacional.

Aliás, esta visão reducionista encorajada pelos percursores de uma abordagem holística do conceito com o argumento de que a SH pode operar em ambas as dimensões, estrita e ampla em sinergia, constitui mais um obstáculo ao desenvolvimento do conceito (Chandler 2012). Na nossa perspetiva esta ligação é de base, de princípio, pelo que se traduz em complementaridade e não em sinergia. Ao tentar amalgamar o seu âmbito de aplicação esta abordagem holística neutraliza o “valor acrescentado” que o conceito representa, reduzindo o seu âmbito de aplicação e operacionalização.

Uma outra razão que vem a ser apontada para uma certa paralisia da SH funda-se na marginalização de que esta tem sido alvo em consequência do uso do conceito de R2P (Chandler 2012), que tem assumido uma posição dominante nos relatórios das Nações Unidas, dando ênfase às intervenções militares e à natureza condicional da soberania (Martin e Owen 2010). O conceito de SH na sua dimensão estrita potenciou o surgimento da R2P, não só em virtude do papel central que nela assume o Individuo, mas também em resultado da posição conferida ao Estado, que neste contexto se relaciona em larga medida com o exercício da soberania enquanto responsabilidade (Annan 1999). O que não denota, na nossa ótica, uma marginalização do conceito propriamente dito, mas antes a sua extensão, como melhor se analisará em posterior capítulo.

Representa, portanto, uma maior sedimentação da SH na sua dimensão estrita em razão do seu âmbito de aplicação ser mais específico, e determinável com maior facilidade quando em comparação com a dimensão ampla. O que levanta a questão de esta dimensão estrita se aproximar demasiado do tradicional conceito de segurança, na medida em que tendo como finalidade proteger o individuo da violência significa de alguma forma proteger o Estado de ataques militares (MacFarlane et Khong 2006). Não é, no entanto, este o objetivo da SH nesta que é a sua dimensão estrita como temos vindo a analisar. Pese embora possa suceder que um Estado, em certa medida e de forma indireta, beneficie da prossecução dos objetivos desta dimensão da SH, que tem em foco a proteção física do Individuo alcançável através de ações e agendas relacionadas com as SALW, minas antipessoais, e com outras formas de violência, não é a violência interestatal que está em causa e por isso não deve ser confundida a SH na dimensão estrita com a tradicional segurança dos e entre Estados.

Críticas, que entre muitas outras, permitem explorar o conceito e avançar com novas perspetivas. Como sucede com uma nova dimensão da SH que se traduz em “freedom from organized violence” (MacFarlane e Khong 2006), e que teve por base a capacidade que o conceito de SH demostrou na chamada de atenção para o facto de os Estados serem os atores privilegiados em matéria de segurança. Uma abordagem que pretende ir além da segurança referida no PNUD ou no HSR, que não abrange a segurança económica e, em certa medida a social, bem como a que se apresenta como corolário a ausência de violência. Antes, centra-se naqueles que se organizam para gerar a violência – no ‘perpetrador organizado’. Uma representação que surge em razão da alteração do referencial da segurança que passou de 193 Estados membros das NU paro o Individuo, que são 6 milhares de milhões. Nesta perspetiva, torna-se necessário manter a coerência e utilidade do conceito, pelo que há que delinear concretamente os seus limites, sob pena de a sua utilidade ser dissoluta e assim tornar o processo de priorização do que constitui maior ameaça para o ser humano ineficiente e por vez letal (MacFarlane e Khong 2006).

Assim, considerando que a existência normativa e prática da SH é uma necessidade, não uma condição suficiente para alcançar uma melhor proteção e segurança na realidade a que se pretende aplicar (Muggah e Krause 2006), a abertura ao seu desenvolvimento surge como peça fundamental na sua sedimentação. O que denota que a SH é mais do que uma catchword (Oberleinter 2002), e que é a única capaz de responder aos desafios contemporâneos colocados à segurança (Tadjbakhsh 2007).