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Já que nossa abordagem teve inicio com a descrição da sociedade brasileira e sua relação com o lazer, chegamos agora ao momento de compreender a permeabilidade das políticas públicas de lazer no contexto apresentado, mais especificamente no âmbito das políticas federais.

Tanto a tese de Gomes (2003) como a de Rodrigues (2010) fizeram um registro histórico sem precedentes no estudo das políticas federais de lazer porém nossa ressalva é de que as falas e os discursos apreciados foram unilaterais, dado que se basearam no depoimento dos gestores e atores políticos, com pouca interpretação da voz popular e de outros protagonistas envolvidos com o tema. Nossa forma de análise se ocupa dos depoimentos registrados nos dois trabalhos mas também da manifestação pública, por meio dos canais de comunicação representativos da burguesia, da tecnocracia e do movimento de trabalhadores, além dos registros documentais de cada período.

Na análise da ação do Governo Federal no âmbito das políticas públicas de lazer, identificamos quatro períodos diferenciados e pertencentes a sistemas políticos próprios e de princípios organizadores das políticas públicas bem definidos. Cabe ressaltar que não incluímos o período em que se insere a Ditadura Militar, por se tratar de um período de total negligência com o tema do lazer na esfera pública, esvaziando assim nossas possibilidades de análise por não existirem propostas e ações para o setor. Como apresentamos desde a introdução, nossa perspectiva de políticas públicas torna imprescindível a decisão e a ação do Estado.

Assim, o primeiro período de nossa abordagem compreende aquele que inicia com o Governo Provisório e encerra com o fim do Estado Novo, (1930 a 1945), o segundo período, da República Populista ao Golpe Militar (1946 a 1964), o terceiro do Estado Democrático ao Estado Neoliberal (1985 a 2002) e o quarto período, que denominamos de Estado Social Liberal (2003 a 2010).

Do Governo Provisório ao Fim do Estado Novo (1930 a 1945)

Ao longo dos quinze anos do governo Vargas foram promulgadas duas Constituições, uma em 1934 - com características liberais, e outra em 1937 - comprometida com o pensamento autoritário do “Estado Novo”.

Como podemos observar na caracterização dos sujeitos das políticas públicas de lazer, esse período foi concentrado em ações de controle social, que consideramos reflexo de todo o aparato ideológico apoiado pela legislação nacional. A começar pelas constituições, teremos algumas evidências, que demonstram os caminhos fracionados da trajetória das políticas públicas de lazer no Brasil.

Na Constituição de 1934, aprovada por Assembléia Constituinte, encontramos pelo menos três disposições que nos permitem inferir sobre os limites do uso do tempo livre com liberdade, pois mesmo se a concepção, no senso comum, era de lazer como sinônimo de recreação no sentido estrito, a sua funcionalidade foi revertida em outro objetivo, onde a função assumiu papel negativo, onde a recreação serviu apenas como forma de manipulação da classe trabalhadora e enquadramento moral da juventude.

Assim, nos deparamos logo no Capitulo dos Direitos e Garantias Individuais com termos que delimitam a livre exposição do pensamento, já que “em qualquer assunto não há dependência de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas”, ou seja, em manifestações de massa, nas quais a liberdade de expressão dá o toque autêntico e original de cada atividade coletiva.

A legislação do trabalho, contemplada na Constituição, apresenta alguns preceitos para melhorar as condições do trabalhador, dentre eles o repouso semanal, de preferência aos domingos e as férias remuneradas, que serão absorvidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas, em 1943. Entretanto, ao lado desses avanços ainda mantém os atributos de uma Constituição abertamente reacionária, patronal e burguesa, que na manifestação dos trabalhadores, por meio de veículos como o jornal “Classe Operária”, do dia 23 de agosto de 1934, representava “instrumento de manobra e tapeação das massas”.

A Constituição de 1934 também ressalva que à União, aos Estados e aos Municípios incumbe “adotar medidas legislativas e administrativas tendentes a restringir a moralidade e a morbidade infantis; e de higiene social, que impeçam a

propagação das doenças transmissíveis” e “cuidar da higiene mental e incentivar a luta contra os venenos sociais”.

Tais medidas, como foi possível verificar na identificação dos sujeitos do lazer, foram as principais ferramentas para a extinção da “preguiça”, da “vagabundagem infantil” e da “vadiagem” - doenças sociais e venenos que deveriam ser impedidos antes da transmissão. Propagando o higienismo e a educação eugênica, a Constituição reafirmava a ética burguesa da República Velha, que se apoiou no uso do esporte como meio de saneamento moral, tal qual recomendava a OIT nas recomendações publicadas entre 1924 e 1935. Também não foi à toa a denominação de Ministério da Educação e Saúde Pública, sob a gestão de Gustavo Capanema Filho.

À educação física, sob os cuidados do aparelho estatal, foi atribuída a missão higienista e funcional, antecipando-se às ações na área de recreação, já que no âmbito do lazer, a ação do poder público conta com a Constituição como aliada apenas na limitação dos direitos individuais e coletivos, reduzindo a política federal à continua implantação e manutenção de espaços livres que ampliaram a qualificação urbana da capital federal, com jardins, passeios públicos e parques destinados ao aproveitamento do tempo livre pela elite carioca.

Passados apenas três anos da Constituição anterior, a Constituição de

1937, foi justificada pela possibilidade de um Golpe, que durante o Governo de

Getúlio Vargas causava temores e insegurança política. No texto original de apresentação da Carta, promulgada de forma arbitrária pelo Presidente, assim observamos tal preocupação:

O Presidente da Republica Federativa dos Estados Unidos do Brasil:

Atendendo às legítimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem [...]

Atendendo ao estado de apreensão creada no país pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios de caráter radical e permanente; [...]

[...] RESOLVE, assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem-estar e à sua prosperidade; [...]

No que se refere ao aspecto da liberdade de manifestação, vai além da delimitação da Constituinte anterior, indicando que a lei pode prescrever50:

a) com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinematógrafo, da radiodifusão, facultando à autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou a representação; b) medidas para impedir as manifestações contrárias à moralidade pública e aos bons costumes, assim como as especialmente destinadas à proteção da infância e da juventude. (BRASIL, 1937, s.n.)

Coibindo as manifestações populares e promovendo a educação moral e civil, o Estado passa a inibir a organização da massa trabalhadora no auge da fundação de sindicatos e associações que originaram clubes sociais e recreativos, cuja força em agrupar os trabalhadores no tempo livre pode se dizer semelhante ao movimento grevista.

Outros elementos constitucionais que merecem destaque na apreciação sobre o lazer, na esfera federal, são a competência privativamente da União em fixar as bases e determinar os quadros da educação nacional, traçando as diretrizes a que deveria obedecer a formação física, intelectual e moral da infância e da juventude, tal qual orienta a OIT nas Recomendações de 1924 e 1935, quando se fazia normal a “boa intenção” dos patrões em admitir menores a partir dos 15 anos de idade.

Ainda, na matéria da educação e cultura, estabelece que “o Estado fundará instituições ou dará o seu auxílio e proteção às fundadas por associações civis”, que tenham por objetivo organizar para a juventude períodos de trabalho anual nos campos e oficinas, assim como promover-lhe a “disciplina moral e o adestramento físico, de maneira a prepará-la ao cumprimento, dos seus deveres para com a economia e a defesa da Nação”.

Vimos que a insistência dada à cura dos males sociais que impediam o trabalho e o progresso foi substituída por uma ação mais proativa do Estado, “comprometido” com a formação moral da infância e juventude e bem-estar dos

50De fato, em 31 de agosto de 1942, pressionado pelas nações aliadas, sobretudo pelos Estados Unidos, e a opinião pública interna, o governo brasileiro declarou guerra aos países do Eixo, suspendendo por Decreto várias direitos estabelecidos pela Constituição.

trabalhadores. É no esporte que se concentrará a ação estatal, já que:

O Estado Novo viu na Educação Física a possibilidade de implementar dois projetos políticos ideológicos específicos, já então bastante discutidos no meio intelectual e político: primeiro, o Higiênico e Eugênico, para a melhoria da taxa “brancos / (negros, índios e mestiços)”; segundo, o preparo do Corpo Produtivo, que por meio da eugenia iria melhorar a capacidade de defesa da Pátria frente a inimigos internos e externos, bem como iria incorporar valores de disciplina e organização que implicavam em melhor preparo da força de trabalho industrial. (BUENO, 2008, p. 107)

Conhecida como “Polaca”51

, a Constituição de 1937 que instaurou o Estado

Novo, concentrou poderes no Executivo, uma verdadeira “máquina política”,

determinando um período de forte centralização e autoritarismo, que revelou a simpatia de Vargas com a “nova ordem” estabelecida por Hitler, Mussolini e seus aliados japoneses. (BRAGA, 1998)

Em termos de construção histórica das agendas de políticas públicas brasileiras, a “Primeira Era Vargas” (de 1930 a 1945) teve como princípio organizador a integração nacional e nation buildin, o que significa que as decisões de política social se articulavam em torno das ideias de incorporação e integração social. Sem proporcionar uma intervenção compensatória ou redistributiva e de organização do mercado de trabalho, a exemplo dos países capitalistas avançados, teve como efeito a incorporação tutelada das massas urbanas à sociedade oligárquica, com a segmentação dos direitos conferidos a grupos ocupacionais, reconhecidos e regulamentos pelo Estado. (MELO, 1999)

É neste cenário hostil à democracia que se desenvolveram as primeiras experiências de políticas públicas de lazer em nível federal, ainda que, em âmbito municipal algumas iniciativas já teriam resultados formalizados, pelas prefeituras municipais de Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro.

No âmbito do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio foi criado em 1943, o Serviço de Recreação Operária, logo após a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, aprovada em maio do mesmo ano. No texto original da CLT, aprovado pelo

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Na época adotou-se o apelido devido sua inspiração na Constituição autoritária da Polônia. Há também relatos de que, no mesmo período, muitas mulheres polonesas imigrantes para sobreviverem e sustentarem seus filhos, viram-se forçadas à prostituição. Assim a denominação Polaca expressava tanto a origem como a conotação pejorativa, da condição de “prostituta”.

Decreto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943, algumas disposições merecem apreciação, pois justificam o estabelecimento do serviço de recreação proposto pelo Governo, especialmente os artigos 428 e 592, que assim descrevem suas intenções:

Art. 428. As Instituições de Previdência Social, diretamente, ou com a colaboração dos empregadores, considerando condições e recurso locais, promoverão a criação de colônias climáticas, situadas à beira-mar e na montanha, financiado a permanência dos menores trabalhadores em grupos conforme a idade e condições individuais, durante o período de férias ou quando se torne necessário, oferecendo todas as garantias para o aperfeiçoamento de sua saúde. Da mesma forma será incentivada, nas horas de lazer, a freqüência regular aos campos de recreio, estabelecimentos congêneres e obras sociais idôneas, onde possa o menor desenvolver os hábitos de vida coletiva em ambiente saudável para o corpo e para o espírito. (BRASIL, 1943, s.n.)

Inovador por si só, o conjunto de medidas trabalhistas trouxe a perspectiva do lazer em seu aspecto funcional, que já estava em debate internacional, absorvendo a dicotomia tempo livre X tempo de trabalho e apoiando a intervenção do Estado e seus aparelhos ideológicos para a oferta de espaços, repertórios e conteúdos de recreação compatíveis com a moral e o fortalecimento do espírito nacional.

Na exposição de motivos do anteprojeto de criação da CLT, o Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, na época Alexandre Marcondes Filho, expõe 84 argumentos exaltando e justificando a construção jurídica e, dentre eles, insere o seguinte questionamento: “Como se tolerar, efetivamente, que possa um empregado realizar os encargos de sua função, por mais rudimentar que esta seja, durante oito horas sucessivas, sem um intervalo para repouso ou alimentação?”

Assim, passados sete meses do início da vigência da CLT entra em vigor, em 6 de dezembro de 1943, a Portaria nº 68, do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, que cria o Serviço de Recreação Operária – SRO, sob a presidência de Arnaldo Sussekind, representante do Brasil na OIT, que contribui avidamente na implementação dos direitos trabalhistas durante e depois do Governo de Getúlio Vargas. As publicações extraídas do acervo do jornal “O Estado de São Paulo” divulgam o acontecimento:

FIGURA 21. CRIAÇÃO DO SERVIÇO DE RECREAÇÃO OPERÁRIA. NOTICIA DO JORNAL O ESTADO DE S. PAULO

Fonte: Acervo Digital. Folha da Manhã, edição de 5 de dezembro de 1943 – pag. 3. Folha de São Paulo, edição de 30 de dezembro de 1943 – pag. 6

O SRO possuía um Conselho Central composto por três membros, designados pelo Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, sendo um representante de entidades sindicais de empregados. O órgão era subordinado à

Comissão Técnica de Orientação Sindical – CTOS, responsável pela aprovação do

seu orçamento anual e do quadro de pessoal, bem do controle e execução do serviço financeiro e exame dos relatórios e balanços concernentes a esse serviço.

Na portaria de criação, publicada no Diário Oficial da União do dia 8 de dezembro de 1943, fica claro que a instituição atende ao previsto na CLT, a cerca das finalidades culturais e esportivas da cobrança de imposto sindical, bem como às expectativas do legislador quanto à coordenação dos meios de recreação da classe operária, que incluíam a aplicação nos serviços indicados no artigo 592:

O imposto sindical, feitas as deduções de que tratam os arts. 589 e 590, será aplicado pelos sindicatos: [...] De empregados: a) em agências de colocação, na forma das instruções que forem expedidas pelo ministro do Trabalho, Indústria e Comércio; b) na assistência à maternidade; c) em assistência médica e dentária; d) em assistência judiciária; e) em escolas de alfabetização e pré-vocacionais; f) em cooperativas de crédito e de

consumo; g) em colônias de férias; h) em bibliotecas; i) em finalidades esportivas; j) nas despesas decorrentes dos encargos criados pelo presente capítulo [...] (BRASIL, 1943, s.n., grifo nosso)

Para tanto, competia ao SRO difundir as atividades físicas e culturais entre os trabalhadores sindicalizados, facilitando e coordenando os meios de recreação em geral e prestando aos sindicatos a colaboração que for necessária. (BRASIL, 1943)

Para a promoção e realização de suas atividades culturais e desportivas em benefícios dos trabalhadores, o órgão deveria ser mantido com uma parcela dos 25% do Fundo Social Sindical, advindo do imposto sindical e gerido pelo CTOS, que somente no ano 1946 regulamentará a forma de utilização.

Na primeira década de funcionamento do SRO, este centralizou suas ações na cidade do Rio de Janeiro, antiga Capital Federal brasileira. Dentre as instalações e atividades principais destacamos os centros de recreação, instalados em bairros de grande densidade de trabalhadores operários, as bibliotecas físicas e itinerantes, as discotecas, os cinemas, o teatro, os concursos de musica (carnaval e eventos cívicos), os campeonatos esportivas - com maior frequência os de futebol, as cartilhas para alfabetização de operários adultos e as premiações literárias.

Implantadas nas fábricas, as discotecas serviam aos objetivos de produção da elite industrial, a qual defendia que proporcionaram bons resultados produtivos onde foram instaladas, já que a música no local de trabalho era vista como um fator de aumento da produtividade dos trabalhadores, objetivo principal da proposta do lazer operário.

As ações do SRO foram apreciadas por várias categorias, cada qual com seu discurso particular. No meio artístico, por exemplo, as instalações de cinemas e teatro amador foram muito frequentadas, apesar da carência de infraestrutura adequada na fase inicial. As salas de projeção de filmes localizadas nos bairros,

denominados como filmotecas ou “cinemas de mil e cem” eram consideradas

inapropriadas, sem ventilação, poltronas incômodas, projeção de imagem e som ruins. Conforme declarou um diretor de cinema52 no jornal “A Scena Muda”, de 15 de fevereiro de 1944, as salas eram mais atrasadas do que a produção cinematográfica

e os operários conformados, não reclamavam e não se importavam com a situação, pois o valor era barato e por isso equivalente ao que lhes era ofertado. No campo teatral não faltaram êxitos, principalmente pela criação do Teatro do Trabalhador Brasileiro, cujo elenco era integralmente composto pela classe trabalhista.

Mas se de um lado observamos a ampliação do acesso aos equipamentos culturais, por outro também vamos verificar a imposição de valores, ideologias e padrões que fragmentaram a revolução cultural desencadeada com o movimento modernista dos anos 30. Com isso, as ações do SRO vão legitimar uma estratégia de repressão e controle social através da cultura e do esporte ofertado aos trabalhadores, formatando gostos e hábitos que absorviam a “melhor formação intelectual e artística do povo brasileiro”. Os discursos da época estão apregoados desta estratégia, tal qual podemos verificar na matéria apresentada a seguir, sobre os espetáculos teatrais promovidos pelo departamento de arte.

FIGURA 22. EXALTAÇÃO DAS ATIVIDADES DO SERVIÇO DE RECREAÇÃO OPERÁRIA. NOTICIA DO SEMANÁRIO FON FON

Fonte: Acervo Hemeroteca Digital Brasileira. Revista Fon Fon, edição de 16 de setembro de 1944 – pag. 36.

O ciclo das políticas de lazer operário do período de 1943 a 1945 constituiu o que Gomes (2003) denominou de Fase Experimental do SRO, pois não se encerra com a dissolução do Estado Novo, dado que vai assumir nova configuração com o regime político que se estabelece a partir de 1946, sob a influência de vários contextos, inclusive de âmbito internacional.

Da República Populista ao Golpe Militar (1946 a 1964)

A Constituição de 1946, que diz que “Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido” se apresenta mais democrática quanto aos direitos e garantias individuais, porém só permite a livre manifestação do pensamento, “sem que dependa de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um, nos casos e na forma que a lei preceituar pelos abusos que cometer”. Não fosse a recondução da democracia, pós o intenso período do Estado Novo, e a continuidade das inovações direcionadas à legislação trabalhista, incluindo o reconhecimento do direito de greve, a Carta-magna seria praticamente um retrocesso ao ano de 1934, pois não soube avançar paralelo ao que o mundo estava vivenciando no pós-guerra e nem ao que os brasileiros esperavam como futuro53.

Caracterizado como um período político “intermediário”, ou da denominada República Populista - de 1946 a 1964, observaremos a ascensão e a crise do populismo (já instaurado desde o governo Vargas), marcado principalmente pelo pensamento de que as políticas públicas seriam instrumentos de integração. Concentrado na análise da realidade, sem se limitar ao debate acadêmico intramuros, Melo (1999, p. 14) conclui que no início dos anos 60:

A banalização da política social e a instrumentalização política do aparato organizacional do Ministério do Trabalho e Institutos de Aposentadoria e Pensão durante a implementação do Plano de Metas [...] são ilustrativas do jogo político subjacente à formação da agenda pública populista.

O autor também nos indica que o princípio organizador das políticas públicas, no período de ascensão do populismo (1945-1960), foi o da ampliação da participação, cujo efeito esperado era de estabelecer assim uma moeda de troca

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política, consagrando o “pão e circo” para a recreação da massa popular brasileira. No segundo momento, da crise do populismo (1960-1964), o princípio era o da redistribuição, com propostas de reforma que se voltava para o atendimento de necessidades sociais básicas, como habitação e saneamento.

O SRO manteve-se atuante nos dois momentos da República Populista, servindo, inicialmente ao propósito dos arranjos clientelísticos e corporativistas que viabilizaram a industrialização. É emblemático lembrar que o Governo Federal criou em 1946, pelo Decreto-Lei nº 9.853, de 13 de setembro de 1946, assinado pelo então Presidente Eurico Gaspar Dutra, o Serviço Social do Comércio - SESC, que segundo o registro comemorativo de 30 anos, representou um sonho dos pioneiros após a histórica Conferência das Classes Produtoras, em Teresópolis, de apoiar o