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2.1 Língua vs Variante linguística

2.1.2 Bávaro: Língua ou dialeto

No presente trabalho, compreende-se o Boarisch como uma variante dialetal regional da língua alemã. Nesta subseção, será apresentado o porquê desta opção teórica, baseando-se primeiramente em algumas definições da linguística variacionista, apresentando mais algumas perspectivas que definem as características gerais de um dialeto para, em seguida, traçar alguns aspectos nos quais o dialeto bávaro se distancia da língua alemã padrão, tomada como base (ainda que abstrata).

Embora se saiba que algumas fontes de pesquisa dispostas na internet não são confiáveis, é a elas que se recorre comumente quando se necessita fazer uma pesquisa rápida e cômoda sobre o significado de determinado termo. Quando se digita no Google o termo “bávaro”, a primeira ocorrência é do artigo da Wikipédia (<http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_b%C3%A1vara>), que apresenta o seguinte título: Língua Bávara. O autor ou os autores o definem, primeiramente, como sendo uma variação do alto-alemão (Hochdeutsch) e em seguida complementam que embora “pertença à variante padrão”, não se trata da mesma “língua”. Nessa definição um tanto contraditória o leitor pode chegar à conclusão de que o bávaro é uma variante do alemão, ou seja, ainda se trata do idioma alemão, ou que embora tenha resquícios e se assemelhe à variante padrão do alemão, ele constitui um outro idioma, pois como é apresentado no artigo, “não se trata da mesma língua”.

Nas definições expostas na seção anterior é possível observar que há diferentes maneiras de se entender o termo língua. De fato o bávaro, do ponto de vista histórico, já teve grande prestígio social e político e, nesse aspecto, poderia ser considerado língua. As diferenças linguísticas do bávaro em relação ao alemão padrão são tão marcadas a ponto de fazer, por exemplo, algum estudante da variante padrão do alemão, que ainda não tenha muita familiaridade com a língua, acreditar que se trata de outro idioma. Mas à medida que se aproxima e se estuda a variante bávara, percebe-se que as semelhanças são muito maiores que as diferenças e que isso, portanto, é um fator crucial para que se aceite o

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bávaro como variante dialetal pertencente ao idioma alemão.

Na seção sobre “abrigo” e lealdade lingüística da obra

Germanistische Soziolinguistik, Löffler (2010) aponta, com base em

Kloss (1976), que há quase sempre uma relação hierárquica entre variantes linguísticas e com isso coloca de um lado o que ele chama de

Übersprachen (línguas superiores) e do outro as Subsprachen

(sublínguas). Novamente, aqui, toma-se o conceito de língua e variante como sinônimos.

Nas sublínguas encaixam-se os dialetos, que, de acordo com o autor, possuem grau visível de familiaridade linguística com a variante padrão. Os dialetos como o Boarisch se inserem na categoria de

Ausbausprachen (línguas de expansão). Esse tipo de variante possui

uma relação de familiaridade mútua com a variante padrão que é nitidamente reconhecível, mas difere em níveis lexicais, morfológicas, sintáticas, etc. Dialetos com um grau de diferença maior da língua padrão, como o Basco em relação ao espanhol, inserem-se na categoria de Abstandsprachen (línguas de distanciamento).

Retomando a discussão da Wikipédia, a versão alemã do artigo comentado há pouco apresenta o título de “Bairische Dialekte” (dialetos bávaros), que por sua vez são definidos como:

Entende-se por bávaro, na linguística germânica, um dialeto composto (de um grande grupo) de variedades não-padrão da área linguística alta [topograficamente] do sudeste, que é parte do continuum dialetal do continente germânico do lado ocidental, pertencente à esfera linguística da língua alemã.18 (comentário do autor)

O continuum dialetal citado acima é um termo utilizado nos estudos linguísticos para definir um grupo de variantes utilizado em determinada extensão geográfica. O ponto inicial e o ponto final onde uma determinada variante é utilizada não podem ser definidos com exatidão (O‘GRADY, 1997). Mas pode-se interpretar que quanto maior for a distância entre um continuum dialetal e outro, maiores podem também ser as diferenças entre eles.

18

Als Bairisch fasst man in der germanistischen Linguistik einen Dialektverbund (Großgruppe) nichtstandardisierter Varietäten im Südosten des oberdeutschen Sprachgebietes zusammen, die Teil des kontinentalwestgermanischen Dialektkontinuums sind und zum deutschen Sprachraum gezählt werden.

Há de fato duas maneiras de se entender o continuum dialetal. Uma delas como uma linguagem autônoma, por exemplo, quando dois indivíduos da Baviera se comunicam. A outra, assumindo que existe uma linguagem padrão sob a qual os dialetos se abrigam e pela qual falantes de continua dialetais diferentes tornam mais clara a comunicação. É o que acontece quando um indivíduo do norte da Alemanha, Hamburgo, por exemplo, se comunica com um indivíduo de Munique, no sul da Alemanha. Esse fenômeno é chamado de diglossia.

Riehl (2004) aponta, com base em Ferguson (1959), que diglossia seria a utilização de duas variantes linguísticas funcionais. Uma das variantes é definida como high-variety, que é a variante utilizada em situações mais formais e que é aprendida como variante padrão nas escolas; a outra é definida por low-variety, que é usada em situações menos formais, no dia a dia de uma comunidade linguística.

Outra definição sobre o termo dialeto, em relação a seu valor social, também pode ser encontrada em Riehl (2004, p. 116) que apresenta na obra Sprachkontaktforschung, a definição de Kloss (1997) para dialeto: “Dialeto pode ser definido como uma determinada variação regional de uma língua, que é abrigada por uma variedade sociolinguística de posição elevada”19

.

Essa variedade de posição elevada à qual Kloss se refere é a língua padrão, e a palavra überdacht (abrigada) remete diretamente ao termo Dachsprache, um termo comum, utilizado em obras dos estudos sociolinguísticos da língua alemã. Dachsprache seria então um sinônimo para linguagem padrão, ou seja, um sistema composto de determinadas regras gramaticais, o ponto comum entre as variantes que as definem como pertencentes à determinada língua.

A partir deste ponto, pode-se entender o Boarisch como uma variante dialetal do alemão padrão (Hochdeutsch), que possui peculiaridades dentro do seu sistema linguístico e gramatical. Essas peculiaridades são variações lexicais, fonológicas, sintáticas, morfológicas e prosódicas. Como exemplo, duas frases retiradas de um livro didático para iniciantes em bávaro, de Habedl (2010). Em alemão padrão as frases Gibt es unterwegs an Biergarten? (Há um lugar onde se possa tomar cerveja no caminho?) e Ich verstehe dich nicht (Não te entendo) correspondem no dialeto bávaro a Gibds unddawegs a

Biagarddn? e a I våschdeede need.

19

Dialekt kann definiert werden als eine regional bestimmtbare Varietät einer Sprache, die von einer sprachsoziologisch höherstehenden Varietät überdacht ist.

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O Boarisch apresenta-se também na forma escrita. Apesar de não ser a variante estandardizada dentro da esfera linguística da língua alemã, e cuja escrita não é considerada oficial, o dialeto possui uma forma de padronização. O Boarisch apresenta livro próprio de gramática, como a de Ludwig Merkle (2005) ou de Karl Weinhold (1867/2011), assim como dicionários Bairisch-hochdeutsch. Mas especificamente, neste trabalho, não é possível considerar o Boarisch como uma língua autônoma, uma vez que, no “Quem morre mais cedo, passa mais tempo morto”, a variante na forma falada coocorre com a língua padrão em determinadas sequências e na legenda oficialmente distribuída. Na próxima seção serão mostradas algumas das características peculiares da cultura bávara e de como ela se manifesta através do dialeto.