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Sendo a utilização dialetal no filme “Quem morre mais cedo, passa mais tempo morto” um identificador da obra do diretor e ao mesmo tempo um elemento da caracterização dos personagens, tem-se como base na análise das implicações da tradução um ponto de vista sociolinguístico em relação ao processo tradutório.

Para que a função do texto fonte seja adequadamente mantida no texto alvo, é necessário criar no translado, na medida do possível, a atmosfera linguística criada no texto fonte. A atmosfera do texto fonte se dá pela ambientação, pela trama em si e pelo teor da linguagem que inevitavelmente participa na caracterização dos personagens que representa implícita ou explicitamente traços da cultura na qual a trama se realiza.

Neubert (2009), em seu texto “Tradutologia - sob uma perspectiva sociolinguística”, alerta para a conexão existente entre o objeto de estudo da tradutologia e da sociolinguística. A tradutologia e a sociolinguística são, segundo ele, subdisciplinas da linguística que

foram, aos poucos, desenvolvendo cada qual sua própria gama de conceitos, mas o que é objeto de análise de uma, acaba, muitas vezes, complementando ou acrescentando o que é o objeto de análise da outra.

O que foi descoberto como novidade para uma das áreas temáticas, revela-se para a outra no mínimo como uma nova visão interessante. Desta maneira, empréstimos de conceitos podem se tornar extraordinariamente frutíferos para a outra área, inicialmente vista como isolada. No entanto, por esta via, é restabelecido no final, o nexo interno da disciplina total, ou seja, da linguística, de uma nova maneira. (NEUBERT, 2009, p. 165).

Como o objeto de estudo deste trabalho envolve questões metalinguísticas, nas quais a adequação se dá não só pela tradução interlinguística em nível semântico de determinado termo, mas também pela justaposição cultural, torna-se necessário lembrar que o código linguístico, neste caso a utilização de um dialeto ou termos que se encaixam em um registro de linguagem não padrão, é o que vai determinar, em parte, a função que poderia ser conveniente manter na tradução.

Neubert (2009) comenta que as relações pragmáticas que envolvem a língua fonte e a língua alvo são decisivas para a possibilidade de criar este tipo de adequação tradutória.

Para a tradutologia, as consequências que resultam do contraste dos sistemas de variabilidade são decisivas. A possibilidade de realizar textos comunicativamente equivalentes na LA baseia-se na existência de uma rede complexa de relações comunicativas em potencial entre LF e LA. Estas relações comunicativas são o resultado da práxis comunicativa das duas línguas. (NEUBERT, 2009, p. 167).

Na seção sobre o emprego do dialeto e a representação da cultura bávara no filme (2.3), foi descrito como o uso de determinada variante pode revelar aspectos culturais do grupo de falantes. Assim, quando se procura um encaixe tradutológico no contraste de duas variedades de língua ou de dois sistemas linguísticos distintos, é necessário que também exista uma possibilidade, nem que seja parcial,

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de justaposição de aspectos culturais e pragmáticos entre a comunidade da LF e da LA.

Para Neubert (2009, p. 170), o caminho da adequação comunicativa entre texto fonte e texto alvo deve ser determinado e especificado com as seguintes questões:

1-Quando é possível substituir uma expressão de gíria para a denominação de um estilo mais elevado? (não simplesmente quando não existe uma correspondência direta!).

Quando fala em estilo mais elevado, Neubert refere-se à utilização de um registro de linguagem mais padronizado. A utilização de gíria traz o aspecto sociocultural e apresenta parte da ideologia e

status do falante. Quando a gíria é neutralizada para um termo mais

padrão de linguagem, estes elementos se perdem. Este caso pode ser exemplificado com a fala de um garoto do documentário “Meninos do tráfico” (BRASIL, 2006). Em determinado momento da entrevista, o garoto pronuncia a seguinte frase: “Quando o dinheiro acaba, tem que roubar, tem que meter as cara na pista. A chapa é quente”. Pragmaticamente, isso significa que ele precisa conseguir dinheiro, mas a expressão “meter as cara na pista” remete à ideia de que ele vai fazer qualquer coisa, mesmo colocar sua vida em risco, para conseguir dinheiro. Esta expressão pode ser caracterizada como linguagem de gíria no tráfico de drogas neste contexto. Se o legendador traduzisse o termo para o alemão, por exemplo, encontraria dificuldade de transmitir a conotação e o teor da expressão em uma ou duas frases (lembrando que existe limite de espaço e tempo para as legendas).

2-Quando é possível reproduzir um termo especializado mediante uma unidade lexical não terminologizada?

Pode-se citar aqui o termo Stammtisch, empregado no filme de Rosenmüller, que remete não só à mesa (Tisch) em si, mas ao evento como um todo, consistindo na reunião frequente de um mesmo grupo, na mesma mesa e no mesmo local. Não existe um termo em português que contemple toda essa conotação, então o tradutor se vê obrigado a achar outras saídas como será discutido no capítulo 5.

3-Como é possível transferir determinadas conotações que possuem um preciso valor social, regional ou de linguagem específica para a rede de conotações da LA baseada em uma estrutura diferente?

Aqui podem-se lembrar os elementos de conotação religiosa citados no capítulo anterior. Embora haja semelhança em uso pragmático de determinadas expressões de teor religioso entre o português e o bávaro, nem sempre elas poderão ser adequadas ao contexto da tradução. Trata-se de duas culturas muito diferentes, que, embora possuam elementos linguísticos e culturais com conotação semelhante em determinados contextos, não podem sempre ser justapostas.

Na tentativa de evitar perdas, quando se trata de tradução de variantes linguísticas, convém ao tradutor que ele tenha em mente essas questões que servem como guia de reflexão sobre a utilização de determinado termo, sobre a neutralização de determinada gíria ou expressão dialetal e sobre os usos pragmáticos que as expressões possuem na cultura de partida e na cultura de chegada.