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B LOGS : QUANDO O REAL GANHA ESPAÇO NO VIRTUAL

Deus ao mar o perigo e o abismo deu…

B LOGS : QUANDO O REAL GANHA ESPAÇO NO VIRTUAL

O menino tenta, sem sucesso, subir na mangueira. No outro canto do jardim, a menina, que já começa a deixar a infância para trás, aproveita uma sombra de um arbusto para conferir as últimas novidades da revista Capricho. Da janela do quarto de hóspedes – onde também está o computador da família –, Cláudia Medeiros observa os filhos enquanto publica mais um post. Só quando as

crianças estão distraídas que eu consigo um tempinho para atualizar meu blog. E, se não são eles, é o marido, o trabalho... Por isso que nunca consigo escrever tudo o que eu gostaria.

Há um ano e meio Cláudia tem um blog de decoração e dicas domésticas. No Se fosse na minha casa, ela conta como faz para decorar seu lar com o mínimo de dinheiro e o máximo de criatividade. No texto de apresentação, ela já explica a que veio:

Adoro decoração e minha casa é o meu laboratório. Ela foi comprada em 2006, não pagamos caro, mas gastamos muito porque ela estava em más condições, mas valia pela localização e pelo espaço. A reforma não acabou, mas o dinheiro sim e é aí que entra a a criatividade. Gosto do rústico, da mistura de antigo e moderno, flores, velas, almofadas de chita e chão limpinho pra

andar descalça. Estou vivendo um caso de amor com minha casa e a cada dia que passa. Então, entre e fique à vontade!

A proximidade das festas do final de ano são a inspiração do post daquele dia tranquilo. Quero mostrar uns presentinhos que eu

mesma fiz para meu filho dar de Natal para as professoras. Ela

descreve os presentes, caso alguém queira fazer igual, mas antes de publicar, lembra que ainda não baixou as imagens da câmara fotográfica. Pára o que está fazendo para resolver o problema: Sem

foto não tem graça!

Cláudia é uma das milhares de pessoas – dados de 2007 falam em 9 milhões de usuários no Brasil – que vêem no blog uma ferramenta de comunicação e de informação. Mas também como um espaço para fazer amizades e estabelecer relacionamentos. Para

mim tudo começou quando engravidei do meu filho caçula. Eu tinha quase quarenta anos, minha filha já tinha 12. Eu não esperava ter que passar pela experiência de criar outra criança. Entrei numa crise feia e, nos meus círculos familiares e de amizade, muitos me criticaram por isso. O consolo veio de um blog, Mothern, que

tempos depois daria origem a uma série de TV homônima. Lá eu

encontrei pessoas que sentiam o mesmo que eu. Me senti acolhida, não cruxificada.

Quando o filho nasceu, ela resolveu criar seu próprio espaço online para contar a nova experiência. Eu queria que outras

mulheres encontrassem no meu blog o que eu havia encontrado no

Mothern. Aos poucos, comecei a ter visitantes, e fiz várias

amizades. Gostei tanto da coisa, que resolvi criar o segundo blog, desta vez para falar de decoração, que é outra paixão que tenho. É claro que o fato de eu ser jornalista facilitou minha relação com o texto. Mas fora isso, aprendi a blogar usando o blog.

Os blogs surgiram no início de 1997 e representaram, desde seu surgimento, uma possibilidade de "democratização" do espaço na web. Isso porque são criados por meio de softwares cujo uso é muito simples e não exige do usuário nenhum conhecimento técnico de informática ou de linguagem de programação. Além disso,

serviços que disponibilizam blogs gratuitamente (como Blogspot ou Wordpress) fazem com que o custo de manutenção desse veículo seja quase zero.

Por permitir publicação cronológica – sempre da postagem mais recente para as mais antigas – os blogs tiveram seu uso inicial relacionado ao de um "diário virtual", no qual as pessoas contavam seu dia-a-dia, comentavam fatos e trocavam experiências pessoais – mais ou menos como o primeiro blog de Cláudia. Mais de uma década após sua criação, o uso dessa interessante ferramenta ganhou dimensões das mais amplas. E uma delas é o fato dos blogs, atualmente, reunirem comunidades virtuais, formando verdadeiras redes de relacionamento.

Quando criei o Se fosse na minha casa, quase não se encontrava blogs em português sobre decoração. Hoje, eu mesma acompanho vários – e já me tornei amiga de muitas blogueiras. E

engana-se que acha que essas amizades ficam só no plano virtual. Sempre que pode, Cláudia organiza encontros presenciais com suas mais recentes amigas. O presencial é uma extensão dos encontros

que temos constantemente no virtual, visitando e comentando os posts umas das outras.

A possibilidade de qualquer pessoa comentar posts publicados também é uma característica dos blogs que facilita a criação de redes sociais. E esses comentários podem ser moderados ou não. Eu prefiro aprovar os comentários antes deles serem

publicados, porque acho que assim evito que pessoas mal- intencionadas “entrem na minha casinha” para bagunçar. Mas conheço muitos blogs em que as discussões correm livres, leves e soltas, conta a jornalista.

Informação local e imediata

Se na comunidade que se formou ao redor do blog de Cláudia, decoração e “prendas domésticas” são os temas principais – se bem que assuntos off topic sempre acabam aparecendo, tanto

nos posts como nos comentários –, outras pessoas preferem discutir assuntos considerados “mais sérios”.

No Vi o mundo, mantido pelo jornalista Luiz Carlos Azenha, leitores de todas as partes do país se reúnem para debater questões relacionadas à economia, à política, à saúde, ao meio ambiente.

Como jornalista de uma grande rede de televisão, eu ficava frustrado com os resultados das matérias que fazia. Por uma série de restrições de tempo e de posição da empresa, muita coisa interessante que eu apurava ficava de fora. O blog foi a forma que encontrei para colocar tudo isso para os leitores.

A rapidez na atualização faz do blog um instrumento eficaz para jornalistas – estejam eles a serviço de uma grande empresa de mídia ou não. A variedade e a rapidez na transmissão dessas informações também são bem vindas pelo público que sempre espera por mais. As pessoas que visitam meu blog esperam que eu

publique novidades sempre. Quando fico um tempo quieta, lá vem reclamação, brinca Cláudia. Meu público exige minha participação constante. Sempre que a discussão começa a correr solta entre os comentaristas, tem um que exige minha posição, conta o também

jornalista Luis Nassif, dono de um blog que possui, atualmente, cerca de 40 mil visitantes/dia.

O jornalista e blogueiro Luiz Nardelli, conhecido na cidade de Cascavel (PR), lembra outro ponto interessante a ser considerado: os blogs são uma ótima ferramenta dar espaços às notícias locais.

No meu blog, por exemplo, eu tento suprir as necessidades de informação deixada pelos grandes meios de comunicação, dando ênfase a assuntos políticos da cidade de Cascavel e região. Mas

Nardelli faz mais do que simplesmente postar as notícias que apura: ele também disponibiliza uma relação de links para outros blogs locais, criando uma rede de informações para seus leitores.

Com o tempo, o blog proporciona uma "reputação virtual". De modo geral, o autor do blog, seja ele jornalista ou não, mostra sua personalidade e o público acaba percebendo a linha que aquele veículo segue. O blog é uma leitura minha do mundo. É claro que

todo veículo de comunicação tem sua visão de mundo, mas no blog isso fica mais evidente, porque é mais pessoal, analisa o jornalista

Milton Jung, que utiliza seu blog como um complemento ao programa diário que apresenta na rádio CBN SP.

Além da total autonomia sobre o conteúdo, o jornalista é também o diagramador de seu blog, escolhendo layout, publicando fotos e vídeos. Também permite que, com seu contato direto com o público, mostre não só o texto final de uma reportagem, mas o processo de sua confecção. Uma pesquisa feita recentemente pelo Departamento de Jornalismo da Universidade de Málaga mostra ainda que 61,9% dos jornalistas blogueiros acreditam que a maior vantagem do veículo é a interatividade e o imediatismo; 52,4% apontam a liberdade editorial como o grande atrativo; 63% acreditam no blog, mas assumem que recebem muitos comentários ofensivos; e 75% admitem usar o blog apenas para expressar suas opiniões.

Para soltar a voz – ou os miados

Informação de atualidade não é a única matéria-prima dos blogs. Seu formato de publicação cronológica e a possibilidade de interação com o público fazem deles um excelente veículo para a arte também. Autores como Glória Perez, aproveitam esse espaço para discutir os rumos de sua novela – enquanto a obra está no ar. Poetas publicam seus textos e aguardam ansiosos os comentários dos leitores. Quadrinistas usam esse espaço para divulgar seus personagens e suas tirinhas.

O uso pedagógico dos blogs também é uma vertente que cresce a cada dia. Não só como repositório de conteúdo de aulas, mas como espaço de ensino e aprendizagem. Blogs utilizados como diário de classe, como projetos interdisciplinares, os exemplos são variados. Aos poucos, a lousa e o giz começam a dar lugar à tela do computador. No Colégio Humboldt, em São Paulo, por exemplo, a professora Anaídes Maria da Silva aproveitou uma viagem de sua classe para a vila de Paranapiacaba, na Serra do Mar, e incentivou

os alunos a criar um blog para postar fotos e poesias criadas a partir da experiência vivida. Uma das alunas publicou mais de 100 poesias – é um ensaio para um futuro livro, confessou a menina.

E há aqueles também que optam por narrativas inusitadas. No blog japonês Midori-san, uma planta de 40 centímetros de altura “escreve” posts diários. Para isso, sensores elétricos posicionados ao redor da plantam captam sinais – que são influenciados por fatores como o toque humano, a temperatura, a iluminação e o clima –, enviando-os para um computador. Um algoritmos converte os sinais em textos que são publicados automaticamente no blog. Outro blog japonês, Sinsimaru, tem como tema as aventuras diárias de um gato em um pequeno apartamento. Em postagens quase que diárias, seu dono narra – na voz de Maru, o gato – as peripécias e desejos do felino. Além de textos, a saga de Maru é retratada em fotos e vídeos – e gerou um canal no YouTube que também é sucesso de público.

O outro lado da moeda

É claro que, como em qualquer outra atividade humana, nem tudo são flores na blogosfera. Um problema imediato, que pode ser percebido em uma pesquisa rápida pelo Google, é a quantidade imensa de informações equivocadas que esses veículos publicam diariamente. Algumas vezes fica difícil para o internauta saber o que é verdade e o que não é – e acaba recorrendo àqueles blogs cujos autores já conseguiram criar uma boa reputação.

Outro aspecto negativo dessa história, é o uso de blogs para disseminar ideários voltados para o racismo, o sexismo ou qualquer outro tipo de discriminação. Ou então blogs que formam comunidades que enaltecem transtornos alimentares como a anorexia e a bulimia. As comunidades “pro-ana” (em referência à anorexia) e “pro-mia” (em referência à bulimia) encontram nos blogs uma maneira de fortalecer suas crenças e conseguir novos adeptos.

A questão do direito autoral também se torna mais complexa com a proliferação dos blogs. Como evitar que uma foto ou um texto sejam copiados de um blog para outro? Já vi posts meus

copiados inteiros em outros blogs. Não ligo que usem meu material, mas fico muito chateada quando não citam de onde aquilo saiu,

reclama Cláudia Medeiros. Não é à toa que blogueiros mais experientes evitam replicar material sem fonte. No meu blog tenho

a mesma responsabilidade que teria se estivesse editando um jornal nos modelos tradicionais, garante Luiz Carlos Azenha. Afinal, qualquer blog também tem responsabilidades jurídicas. E ninguém pode fugir disso.