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Em suas andanças pelo ciberespaço, a pequena tracajá se pergunta onde vai chegar. Aguça a audição e escuta as vozes que se levantam em centenas de blogs que retratam o Haiti devastado. Olha ao longe e vê a pilha de 100 mil livros doados graças a uma brincadeira no Twitter. Espanta-se com as incríveis histórias da fantástica Avalon e suas centenas de personagens – avatares de pessoas reais, que passam seu tempo dando asas à imaginação.

Mas a tracajá vê mais além. Enxerga grupos de pessoas se organizando, criando, discutindo, colaborando. Curiosa, questiona: que mundo é esse, meu deus, que permite a comunhão de tantas almas, ao mesmo tempo que traz tanta coisa ruim? É o mundo virtual? É o mundo real. Nada disso. É apenas a vida humana. E é essa vida que nos leva, do real ao imaginário, pela aventura possível nos caminhos da grande rede de computadores. Mesma vida que nos impele a compartir, a dividir, a buscar no outro o que falta em nós. Criar. Viver. Morrer.

O final dessa jornada não me traz alento. Não tenho respostas para dar. Tenho sensações, sentimentos. Esperanças.

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Na trilogia Matrix somos convidados a acompanhar as aventuras de Neo, herói que um dia desperta da realidade virtual em que vivia e descobre ser, na

verdade, escravo das máquinas. Essa mesma ideia é a base do romance de ficção científica Neuromancer, publicado em 1984, pelo norte-americano William Gibson, que conta a história de um hacker renegado não pode mais acessar o ciberespaço.

O conceito de ciberespaço pulou da ficção científica para a ciência e muitos pesquisadores trabalham com o conceito de internet enquanto espaço paralelo. Não vou entrar nessa discussão, uma vez que a internet, como um todo é muito ampla, com aplicações e usos muito variados – vale só tomar como exemplo algumas experiências que são feitas no campo da arte digital. A própria Josely Carvalho já pensa em maneiras de ir além do seu Livro das Telhas: em seu mais novo projeto, ainda em fase de elaboração, pensa em trabalhar com memórias olfativas em ambiente web.

Mas gostaria de abordar essa questão a partir de um recorte preciso – e que se relaciona com o tema desta tese: em se tratando de jornalismo online, e da relação entre o jornalista, seu público e suas fontes, é possível falar de outro mundo que não o nosso?

Acredito que não.

Cada vez mais o jornalismo online torna-se um meio para a realização da profissão do repórter, disponibilizando meios tecnológicos que, se bem utilizados, podem facilitar o diálogo possível (MEDINA, 1990). Não se trata mais de criticar o e-mail como veículo para entrevistas – em vários sentidos o telefone foi o primeiro meio de comunicação a criar uma barreira tecnológica e afetiva entre o jornalista e sua fonte. Tampouco se trata de criticar ou enaltecer o meio online, mas sim criar e incentivar práticas que possam estabelecer e fortalecer reais relações humanas – seja pessoalmente ou por meio da rede. Remeto, aqui, às palavras do professor Milton Greco, em A aventura humana entre

Viver não é necessário, mas ao optar pela vida, é fundamental que a dimensão pessoal seja preservada. Somos uma espécie social, carregamos a sociedade dentro de nós, mas, antes de tudo, cada um almeja ser ele mesmo, senhor do seu destino e lutar por suas aspirações.

O jornalista, mais do que isso, opta por oferecer ao seu público uma leitura pessoal da vida humana. Transita pelas ruas e constrói uma segunda realidade em blogs ou sites de notícias. Medina (1990: 82-83) exorta o jornalista a resgatar a energia que vem do ser humano tomado como fonte de informação para uma entrevista. E completa:

[…] a emoção deve passar por meio da atmosfera narrativa, da penetração sutil nas entrelinhas do diálogo, nos silêncios, nos ritmos de cada pessoa. […] Mas há neste compromisso social, ou melhor, no pacto de ampla difusão da comunicação coletiva, um outro dado: a clareza e precisão do estilo. Aí se encontra a fronteira entre o experimentalismo totalmente livre na arte e o experimentalismo sob a medida do legível no jornalismo ou na comunicação. (grifo da autora)

A criação jornalística em meios colaborativos permite não só o resgate dessa emoção – perdida no corre-corre do deadline das redações – como abre espaço para um diálogo possível ampliado, que coloca jornalista, fonte e leitor lado a lado. É a emergência do triálogo realizável. Livre da ditadura dos manuais de redação e dos interesses das grandes corporações de mídia, o jornalista encontra na rede espaço para liberar seus anseios pessoais e reportar a realidade como julga correto fazer.

Muito já se falou sobre o desaparecimento do papel do jornalista. Afinal, argumentam alguns, se todos podem publicar tudo a toda hora, porque

precisamos de jornalistas? Os mais ousados chegam a comparar o desaparecimento da função do escriba após a criação da prensa de Gutenberg, com o atual momento em que vivemos.

Os indícios desmentem esse quadro – e creio ter apresentado alguns fato nesse sentido ao longo destas páginas. Uma leitura atenta do texto produzido pelos alunos da Faculdade Assis Gurgacz e da narrativa criada após a interferência do jornalista-autor indica a marca autoral nos aspectos levantados na hipótese deste trabalho. A saber:

• na consistência do texto;

• na legitimidade/credibilidade da informação; • na relação com a complexidade do real; • na sensibilidade.

No meio digital, a arte de tecer o presente (MEDINA, 2003) ganha novas dimensões e exige do jornalista uma postura muito mais atenta: exatamente por qualquer um publicar qualquer coisa, a assinatura do jornalista ganha em peso e em credibilidade. Um texto assinado por um jornalista torna-se um conteúdo com “selo de qualidade”.

Talvez aí seja o lugar da autoria. O jornalista-autor, no meio online, é aquele que constrói uma obra a partir da colaboração dos seus leitores, apresentando não apenas o produto acabado – a reportagem final – mas escancarando o fazer jornalístico. Epistemológica e pragmaticamente se acentua a dinâmica do processo e não mais a caracterização de um produto – informação da atualidade ou narrativa da contemporaneidade.

Do ponto de vista de uma epistemologia pragmática, esse trabalho é apenas um minúsculo ponto de partida. Várias questões se colocam, todas a serem pesquisadas. As discussões de um blog podem se aprofundar na criação de um texto em ambiente wiki? O jornalista é capaz de reger essa orquestra num

ambiente totalmente aberto? E, numa outra perspectiva, como o jornalista-autor pode dar voz àqueles que hoje estão “desplugados”, os excluídos digitais?

Nossa aventura está apenas começando. Novas ferramentas surgem a cada dia e, com elas, buscamos novas maneiras de resolver velhos problemas. A pesquisa científica nos aponta se estamos ou não no caminho certo. Qual o destino da tracajá? Só o futuro será capaz de nos dar essa resposta.